Orçamento público do Distrito Federal não prioriza as populações mais pobres.
O Mapa das Desigualdades, elaborado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) em parceria com várias organizações e movimentos de cultura periféricos do Distrito Federal (DF), chega a sua quinta edição.
Partimos, mais uma vez, da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD/DF) para traçar um panorama das desigualdades na nossa região. Publicados em 2022, os dados, que nos servem de base para entender o território do DF, tratam da percepção dos/as moradores/as acerca de suas Regiões Administrativas (como são chamadas oficialmente as “cidades” que compõem o Distrito Federal).
Os números são bastante contundentes em demonstrar o quanto as desigualdades são marcadas pelas questões raciais, de gênero e de classe. A maior renda per capita equivale a 16 vezes o valor da menor renda. Não obstante, a localidade com as menores rendas, a Estrutural, é uma das cidades mais negras do DF, enquanto na outra ponta, o Lago Sul, é a mais branca.
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Para além de diagnosticar as desigualdades e refletir sobre os seus impactos em nossos territórios e vidas, o objetivo do Mapa das Desigualdades é também propor alternativas e caminhos para enfrentá-las. Tais caminhos podem servir, por um lado, de orientação para a ação do poder público, por outro, como guia para a nossa própria atuação política e reivindicatória. E a agência das pessoas em seus territórios é uma das formas de denunciar e incidir para que o governo atue onde não está atuando.
Analisamos também o orçamento do Governo do Distrito Federal (GDF) para entendermos se as desigualdades socioeconômicas identificadas no relatório estavam sendo consideradas na hora de executar esses recursos, mas, ao que tudo indica, a população periférica e negra não é prioridade.
Em habitação, por exemplo, em 2022, houve recurso para a construção de novas unidades e melhoria habitacional, a execução ficou em cerca de R$ 2,7 milhões para novas unidades e R$ 1,2 milhão para melhorias. Mesmo o recurso sendo pouco frente ao tamanho do problema de moradias no DF, houve algum gasto. Em 2023, para a função habitação, só há ações-meio, ou para o cotidiano da máquina pública. As duas citadas anteriormente, sequer aparecem no orçamento do ano em vigor.
Para a cultura, no ano passado, o gasto com o Fundo de Apoio à Cultura foi de R$ 2,8 milhões. No entanto, a falta de transparência não nos permite ver o que está autorizado para executar 2023, sendo que o recurso empenhado, ou seja, uma verba já reservada para alguma obra ou aquisição, por exemplo, não passa de R$ 29 mil até o momento
Em saneamento, a única ação que aparece em 2023 é a regulação de serviços públicos, não estando disponíveis ações relativas às águas pluviais e limpeza urbana, verificáveis em 2022.
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Ou seja, há uma questão de transparência que precisa ser revista pelo executivo e cobrada pelo legislativo. Quando se trata de gestão ambiental, em 2020, houve recursos para a construção de centros de triagem de resíduos sólidos. Já em 2021, aparece a ação de construção da política de resíduos, para a qual não foi destinado recurso algum. Em 2022, os resíduos sólidos sequer aparecem nesta função orçamentária.
Com relação às ações integrantes da função Direitos de Cidadania, em 2022, na ação de combate à violência, não há como saber se faz referência à violência contra mulheres ou contra crianças e adolescentes. O recurso executado foi de parcos R$ 30 mil. A ação não aparece em 2023, assim como não aparecem os recursos para o Programa de Proteção a Crianças, Adolescentes e Jovens ameaçados de morte, o PPCAAM.
Falta transparência
Com relação ao transporte, é nítida a priorização do transporte próprio, individual e motorizado em detrimento dos públicos. A maior parte do recurso vai para a construção e a manutenção da infraestrutura para os automóveis, enquanto o transporte coletivo e a mobilidade a pé, ou por bicicletas, ficam com sobras.
Por exemplo, em 2022 não executaram nenhum centavo para a construção de passarelas, no entanto, gastou-se R$ 400 mil com construção de estacionamentos. Em 2023 foram destinados R$ 2 mil para construção de paraciclos e bicicletários, o que já é um valor ínfimo, mas, pasmem, desse valor bloquearam R$ 1,2 mil, restando R$ 800 para a ação.
Além disso, há algo grave, pois entre passe-livre e manutenção do equilíbrio do sistema de transporte público, o aporte, em 2022, foi da ordem de R$ 1,4 bilhão direto para as empresas de transporte público urbano sem qualquer transparência. Mesmo assim, não vimos melhoria na qualidade do serviço prestado nem mesmo redução de tarifa. Para 2023, há previsão de R$ 757,5 milhões somando as duas ações de subsídios.
Então, além de dar transparência ao que é repassado às empresas, é preciso dizer porque os valores são tão discrepantes entre um ano e outro. Os governos devem arcar com os custos do transporte público para beneficiar a população com a tarifa zero, não para beneficiar as empresas.
Na esfera da educação, sabemos que estamos longe de cumprir a meta do Plano Nacional para a educação infantil, especialmente com relação às creches. No entanto, apesar de ter havido aporte em 2022 para a construção de novas unidades de educação infantil, em 2023, a ação sequer aparece. Recursos para bibliotecas, no ano passado, foram ínfimos R$ 51 mil e, em 2023, R$ 1 milhão foi aprovado, mas R$ 600 mil já estão bloqueados, restando apenas R$ 400 mil. Contudo, até o momento, apenas R$ 2,2 mil foram empenhados.
Então, mesmo com certa dificuldade pela ausência de alguns dados, é possível visualizarmos que o orçamento público do Distrito Federal não prioriza as populações mais pobres.
Isso porque os recursos não estão sendo destinados para suprir déficits habitacionais, de saneamento, de ausência de internet ou equipamentos, de melhoria da qualidade do transporte público urbano, dentre outros. Ou seja, nada nos sinaliza de que as desigualdades reduzirão a partir do que está previsto pelo atual governo. Ainda é preciso disputar os recursos com os já agraciados de sempre!
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*Cleo Manhas, assessora política do Inesc; Rafael Félix, psicólogo, Ravena Carmo, mestranda em Educação, UnB/DF.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino