A Clínica Repouso Planalto era uma clínica psiquiátrica privada que também atendia pacientes do Sistema de Saúde (SUS). Localizada em uma área rural de Planaltina, no Distrito Federal (DF), ela disponibilizava mais de 100 leitos para internação, numa lógica asilar-manicomial.
Em 2023, celebramos uma significante conquista da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica do DF, o marco de 20 anos desde seu fechamento, cuja ação de interdição aconteceu em 20 de março de 2003 por um Grupo de Trabalho capitaneado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) – tendo também a ativa participação de trabalhadoras e trabalhadores do campo da saúde mental –, após mais de sete anos de investigação.
Nos seus anos de funcionamento, a Clínica Planalto recebeu várias denúncias de maus-tratos a seus pacientes e apresentou irregularidades durante as vistorias dos órgãos competentes, tais como: falta de higiene e água potável, péssima alimentação e insegurança contra incêndios. Houve ainda denúncias de pacientes que desapareceram e, depois, foram encontrados enterrados como indigentes.
Devido a esses absurdos, a clínica foi fechada, e os usuários removidos para outras instituições ou enviados para as suas casas, sem que houvesse, porém, um período para que suas famílias pudessem se reajustar às demandas desse processo.
Para piorar, o Governo do Distrito Federal (GDF) não disponibilizava (e não disponibiliza até hoje) Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que poderia acolher e assistir tal população. Para piorar a atenção psicossocial é muito aquém da esperada, devido ao insuficiente número de serviços assistenciais, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidades de Acolhimento (UA), leitos e enfermarias em hospitais gerais etc. Isso deixou os antigos usuários da Clínica Planalto sem muitas opções de atendimento.
Com isso, o Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e o Instituto de Saúde Mental (ISM) viram suas demandas aumentarem significativamente. Além dos usuários que foram removidos de imediato para internação nessas instituições, os pacientes que haviam sido enviados para suas casas também passaram a buscar o HSVP devido à falta de opção na RAPS do DF.
Só mais de um ano depois, em 28 de junho de 2004, foi criado o Programa Vida em Casa, que promovia visitas domiciliares aos antigos usuários da Clínica Planalto, auxiliando as famílias a entenderem a situação e proporcionando uma diminuição nos índices de reinternação.
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Apesar desta iniciativa mais alinhada à Reforma Psiquiátrica, o fechamento da Clínica Planalto não alterou a lógica manicomial da saúde mental no DF. Até hoje, há antigos usuários da clínica internados no ISM, contrariando a Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica).
O Hospital São Vicente de Paulo, por sua vez, é um hospital psiquiátrico (manicômio) e funciona de forma ilegal, conforme a Lei nº 975/1995 do DF, sendo também objeto de irregularidades e maus-tratos presenciados em vistorias dos órgãos competentes e com inúmeras denúncias. Ainda assim, atualmente, conta com 83 leitos ativos.
Além de estar descumprindo tais leis, o GDF também está desobedecendo a Ação Civil Pública nº 2010.01.1.067203-4, que demanda há 13 anos a construção de, pelo menos, mais 14 CAPS no DF para atendimento aos parâmetros mínimos de cobertura assistencial do Ministério da Saúde - considerando a população do DF de 2010.
Ou seja, em seu segundo mandato, o governador Ibaneis Rocha mantém a lógica manicomial na saúde mental do DF e não nos permite ter muitos motivos para comemorar os 20 anos de fechamento da Clínica Planalto.
É comum se justificar o absurdo da existência de lugares como a antiga Clínica Planalto, o HSVP ou as Comunidades Terapêuticas sob o pretexto de que a RAPS não conseguiria abarcar o tratamento das pessoas internadas nesses locais.
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Porém, reforçamos que é justamente por meio do fechamento destas instituições e das consequentes reorientação orçamentária e redistribuição das equipes profissionais que atuam nelas, que poderemos fortalecer dispositivos substitutivos não-manicomiais da RAPS, como CAPS, Serviços Residenciais Terapêuticos, Unidades de Acolhimento, leitos, ambulatórios e enfermarias em hospitais gerais etc. Todos eles estão vinculados a uma rede ampla de serviços e assistência que concretizam o cuidado em liberdade, de base territorial-comunitária.
Quando estamos em liberdade, mantemos laços, fortalecemos nossa rede de apoio, seguimos incluídos na dinâmica da sociedade, em vez de afastados, esquecidos e excluídos dela. Estar em liberdade potencializa nossa saúde mental.
Por fim, reconhecemos os esforços da atual Diretoria de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do DF (DISSAM/SES-DF). Nos últimos anos, apesar do sucateamento de sua estrutura e do repasse de verbas para a saúde mental pelo GDF, ela tem mostrado compromisso com os princípios da Reforma Psiquiátrica, além de abertura para o diálogo e para a construção coletiva das mudanças necessárias, por exemplo, criando e reforçando canais de comunicação e participação da comunidade.
Por um DF sem manicômios!
* Pedro Costa, Fernanda Periles, João Victor Carneiro, Lalesca Medeiros e Sílvia Mendonça são membros do Grupo Saúde Mental de Militância do Distrito Federal UnB.
** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino