O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), Chico Vigilante (PT), diz que investigações sobre o 8 de janeiro vão chegar até o ex-presidente Jair Bolsonaro. O deputado distrital que conduz a Comissão desde a primeira reunião, em 14 de fevereiro, deu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato DF em que fez um balanço dos depoimentos, destacou às diversas investigações e garantiu que a CPI conclui os trabalhos em setembro.
"Eu acho que a tendência agora é que as investigações no campo do Exército, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal vão avançar ainda mais para chegar no chefe de tudo isso que a meu ver chama-se Jair Bolsonaro", afirmou Vigilante. O deputado destacou o papel central de Bolsonaro na trama que classificou como "plano macabro", que para ele não se sustentou por falta de apoio.
"Os caras deram o golpe, achando que o Bolsonaro voltaria como grande herói pra assumir a presidência da República e colocar uma nova ditadura no Brasil", afirmou Vigilante. Segundo ele, faltou apoio internacional e do alto comando das Forças Armadas aos golpistas que depredaram e invadiram os prédios públicos.
Ao falar sobre as responsabilidades da cúpula da Segurança Pública do DF, o parlamentar destacou que a CPI conseguiu traçar uma "cadeia de responsabilidades", a partir do depoimento da coronel Cintia, da inteligência da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em seu depoimento, realizado em 27 de abril, ela detalhou a reunião de planejamento que antecedeu o 8 de janeiro, no qual o qual o Departamento de Operações (DOP) teria previsto o emprego de 600 policiais no ato, o que não aconteceu.
Brasil de Fato DF - Na primeira reunião da CPI no dia 14 de fevereiro o senhor disse que o foco da CPI era descobrir quem foram os financiadores e a responsabilidade da cúpula de Segurança Pública do DF nos atos do dia 8 de janeiro. Depois de quatro meses de trabalho esses pontos avançaram?
Chico Vigilante - Olha, a CPI tem avançado bastante, nós já ouvimos integrantes das forças policiais do Distrito Federal. Três comandantes já vieram depor aqui, já tivemos dois supostos financiadores também prestando depoimento, dois generais do Exército e ainda vamos ouvir mais. E outra coisa que nós fizemos foi disponibilizar tudo que a CPI produziu até hoje no site da CPI para que as pessoas avaliem e verifique os avanços dos trabalhos realizados.
E sobre o depoimento do Fernando Oliveira, ex-secretário Executivo da SSP-DF, como avalia?
Ao depor aqui ele deixou um ponto que para mim ficou muito claro, é que no dia 8 de janeiro de 2023 a Secretaria [SSP] estava acéfala, não tinha um comando. Nós tínhamos tido uma reunião com o governador Ibaneis e tínhamos pedido para ele não nomear o Anderson Torres como secretário de Segurança Pública. Eu e a Arlete Sampaio [deputada distrital], estivemos com o governador, ele se comprometeu conosco que manteria o doutor Júlio Danilo como Secretário de Segurança até a posse do presidente Lula e realmente manteve.
Depois ele iria trocar e colocaria Anderson Torres, que viajou para os Estados Unidos e o doutor Fernando, que também é delegado da Polícia Federal ficou aqui, mas o cargo não foi passado para ele. Ele [Fernando Oliveira] não tinha nenhuma instrução. Não foi dito nada de como agir no 8 de janeiro. E é importante a gente prestar atenção e verificar que já existia um chamamento para a tomada do poder no Distrito Federal. As redes sociais da extrema direita estavam lotadas de pessoas dizendo que vinham a Brasília para tomar o poder. Aí de repente ele [Anderson Torres] se desloca para os Estados Unidos, não passa o comando da Secretaria de Segurança para o secretário executivo e o resultado que todos nós vimos foi a invasão dos palácios, a depredação. Uma das coisas mais terríveis que já aconteceu aqui na capital da República.
:: Subsecretária da SSP reconheceu que “planejamento não foi cumprido” no dia 8 de janeiro ::
O Fernando Oliveira também falou que foi discutido com a Polícia Militar o planejamento que na prática não funcionou. Outros depoentes tentaram se esquivar. Está havendo um 'empurra-empurra' na cúpula da Segurança do DF?
Eles tentaram [empurrar as responsabilidades] mas agora a gente já tem uma cadeia, que sinaliza perfeitamente de quem é a responsabilidade. No depoimento da coronel Cintia, que era da inteligência da Secretaria de Segurança Pública, ela disse que o DOP tinha feito o planejamento no qual estava previsto o uso de 600 policiais militares no dia 8 e sabemos que esse planejamento não foi cumprido. No dia, esses 600 policiais se resumiram a 200 estudantes, que nem policiais formados eles eram. E um agravante, a Esplanada dos Ministério que estava fechada, foi aberta por uma determinação do coronel Paulo José [responsável pelo DOP], que está convocado para vir depor na CPI.
O Paulo José, assim como Anderson Torres são duas peças-chave, que já estavam previstas, mas não compareceram até hoje.
O Paulo José já era para ter prestado depoimento, mas ele apresentou um atestado alegando problemas psiquiátricos. O atestado dele é de quinze dias, já tá vencendo e nós vamos convocar ele de novo. Espero que ele não apresente mais um atestado.
Agora o Anderson Torres nós vamos persistir na convocação dele à CPI. O prazo da CPI é até setembro e acredito que até lá a gente consiga trazer o Anderson Torres. A meu ver ele tem muito a esclarecer para CPI, pra sociedade brasileira. Ele tem que provar que não participou diretamente da elaboração do golpe que foi interpretado.
O senhor acredita que houve um golpe, certo?
Muita gente fica dizendo que foi uma tentativa de golpe. Eu tenho sustentado que houve o golpe. Eles deram o golpe. O Bolsonaro viajou pros Estados Unidos antes de terminar o mandato. O Anderson Torres também foi [para os EUA] e, portanto, a meu ver eles estavam todos dentro dessa teia de golpistas. Os caras deram o golpe, achando que o Bolsonaro voltaria como grande herói pra assumir a presidência da República e colocar uma nova ditadura no Brasil. Só que eles não contavam que felizmente as Forças Armadas Brasileiras estão altamente profissionalizadas. E que não teriam respaldo internacional para um golpe. O alto comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não permitiram que esse plano macabro deles acontecesse efetivamente. Eles não tiveram apoio.
Portanto, eles deram um golpe. Ficaram por algumas horas ocupando os palácios, mas não tiveram sustentação para permanecer com o sistema golpista. Certo.
:: Documentos mostram falhas de segurança e leniência militar com golpistas no DF em 8 de janeiro ::
Agora sobre o financiamento e os supostos financiadores que os senhores já ouviram. Houve algum avanço? Há expectativa de ouvir mais alguém?
Nós estamos buscando mais informações para que mais denúncias cheguem. Pelo que já ouvimos o golpe começou antes do dia 8. Esses que financiaram foram os mesmos que financiaram um número gigantesco de outdoors aqui em Brasília, no mês de setembro, de forma clandestina com mensagens da extrema direita de apoio à candidatura do Bolsonaro. O PT foi à Justiça e o Superior Tribunal Eleitoral determinou que aqueles outdoors fossem arrancados, mas no outro dia os mesmos outdoors voltaram com as mesmas mensagens. Eles diziam que era por causa da Copa do Mundo. Aí colocavam um negócio verde e amarelo para dizer que era alusão a Copa, quando na verdade era propaganda eleitoral antecipada e criminosa do Bolsonaro.
Portanto, esses empresários que financiaram aqueles outdoors são os mesmos que financiaram os acampamentos no Quartel General do Exército.
Sobre as pessoas presas? A oposição ao governo Lula diz que há inocentes presos.
Eu acho bom que eles estejam agora se preocupando com direitos humanos. Que agora estejam preocupados com os cárceres, porque enquanto só tinha pobre e preto dentro das prisões eles achavam que que tinha vida de luxo. Achava que prisão era hotel. Agora que tem golpistas presos ficam reclamando das celas, da comida que está sendo servida. No início era servida a mesma comida dos restaurantes comunitários que alimenta 30 mil pessoas todos os dias no Distrito Federal e eles reclamavam. Portanto, eles não têm do que reclamar.
Quanto dizem que inocentes foram presos, prefiro ficar com a palavra do ministro Alexandre de Moraes. Quando a gente fez uma visita a ele [Moraes], ele disse que aquele acampamento golpista não era lugar de oração, até porque nem em monte de oração tem aqui no DF.
O que se descobriu sobre os acampamentos na CPI?
Aqueles acampamentos eram sim locais de golpistas, que estavam tramando contra a democracia. Estão agora arcando com a responsabilidade que eles tiveram. Havia criminosos ali dentro daquele acampamento, que saiu de lá o artefato para colocar naquele caminhão com 30 mil litros de combustível de aviação na tentativa de atentado no Aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro. Se o plano tivesse funcionado o aeroporto e todos que estavam ali na véspera do Natal teriam ido pelos ares. E eles planejaram, minuciosamente, tudo ali no acampamento.
Os depoimentos já prestados dão conta de que no acampamento havia estupro, tinha drogas, tinha armas e que tinha comércio ilegal, ou seja, tinha de tudo ali dentro. Portanto, não era um lugar de santos, era um lugar de criminosos. E isso já está sendo devidamente investigado.
:: Heleno fazia parte de grupo de militares que discutiu ação golpista ::
E as responsabilidades do Exército? Nos depoimentos na CPI ficou claro que foram eles que não permitiram a desmobilização do acampamento golpista?
Na verdade, o Exército tem dito que não tinha uma ordem judicial para desmobilizar o acampamento. Mas se os sem-terra amanhã tentarem fazer um acampamento ali não vai durar uma hora. Portanto, ficaram ali porque teve conivência. Tanto que o próprio Exército abriu um inquérito. As apurações que estão sendo feitas vão chegar em alguém, que de maneira deliberada contribuiu para que aquilo acontecesse. No próprio documento trazido pelo Exército aqui pra CPI diz que tinha porte ilegal de arma, tinha prostituição e drogas. Num era um lugar de religiosos que estavam rezando. Era um lugar de criminosos.
Nessa reta final da CPI que tem previsão de acabar em setembro, tem previsão de alguém mais para ser ouvido? O ajudante de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid?
Sim, ele [Mauro Cid] já está convocado e vamos trazer mais gente para ser ouvida, inclusive o delegado da polícia Civil do DF que também fez uma investigação sobre o 8 de janeiro. Ele tem um vasto relatório e por isso nós convocamos o delegado que chefiou essa investigação para que ele venha aqui nos dar esclarecimentos sobre seu trabalho.
:: O que a PF encontrou no celular de Mauro Cid sobre plano golpista? ::
Existem várias investigações, certo?
Sim, tem a nossa [CLDF], a Polícia Civil do DF, o Ministério Público Federal, tem a Polícia Federal por determinação do ministro Alexandre de Moraes que também está investigando, tem o inquérito policial da Polícia Militar do Distrito Federal que investiga o comportamento dos oficiais e acredito tem também alguma investigação por parte do Exército também. Então, é uma gama muito grandes de investigações e acredito que à medida que eles tiveram acesso agora àquelas mensagens do telefone do tenente-coronel Cid eu acho que a tendência é que as investigações no campo do Exército, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal vão avançar ainda mais pra chegar no chefe de tudo isso que a meu ver chama-se Jair Bolsonaro.
E a CPMI do Congresso? Tem havido algum compartilhamento de informações?
Senadores e deputados da CPMI já procuraram e eu tenho dito para eles que está tudo disponibilizado no site [da CLDF]. É só entrar lá que está tudo ali já com bastante avançado. Que tem são várias frentes de investigações.
:: Para Helena Chagas, faltou 'contestação mais incisiva' contra Silvinei na CPMI do 8 de janeiro ::
O que o senhor tem a falar sobre o clima de funcionamento da CPI? Os trabalhos vão mesmo terminar em setembro?
Esse clima de funcionamento ocorreu graças à rigidez com que eu tenho tratado as coisas por aqui. Então seguindo o regimento e não permitindo que a CPI aqui descambe para palanque de quem quer que esteja. Nós temos um objetivo único que é apurar a verdade. Dos a quem doer e disso eu não me afasto um milímetro.
Sobre o prazo acredito que vamos sim encerrar em setembro, sem adiamento, e vamos apresentar um bom trabalho.
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Edição: Flávia Quirino