Distrito Federal

orgulho e luta

Na rua, no lar e no trabalho: organizações lutam pelos direitos da população LGBTQIA+ no DF

Acolhimento, atividades profissionalizantes e culturais transformam vidas de pessoas vulnerabilizadas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Segundo pesquisa, maior parte da violências contra pessoas LGBTQIA+ no DF acontecem em casa ou em ambientes religiosos - Tânia Rêgo/Agência Brasil

O movimento LGBTQIA+ organizado tem alcançado, nos últimos anos, conquistas importantes para a garantia de direitos dessa população, como a criminalização da homofobia e transfobia, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal em 2019, a união estável entre casais homoafetivos e a autorização para pessoas trans alterarem o registro civil em cartório, sem necessidade de processo judicial. 

Apesar do Distrito Federal ser o ente federativo com maior proporção de pessoas que se autodeclaram homo e bissexuais no Brasil e com marcante presença de pessoas LGBTQIA+ em espaços de discussão e poder, a violência e o desamparo ainda se fazem presentes.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF) revelou que 77% das pessoas trans entrevistadas relataram ter passado por uma situação de violência ou discriminação. 

O enfrentamento historicamente realizado por organizações que lutam pelos direitos dessa população no DF é essencial para garantir acolhimento, profissionalização e condições de vida dignas para os mais vulnerabilizados. 

O Brasil de Fato DF conversou com algumas dessas instituições sobre a trajetória e a luta pelos direitos LGBT no DF e Entorno. 

A Casa Rosa

“Todos os dias pessoas são expulsas de casa, sofrem violência do Estado, da família, da sociedade como um todo. E a gente está sempre ali para ser um espaço de acolhimento, de segurança, de proteção”, conta Pedro Matias.

Ele é coordenador pedagógico e de comunicação da Casa Rosa, um local de acolhimento de pessoas LGBTQIA+  adultas em situação de vulnerabilidade no DF. Desde 2017, a iniciativa já acolheu mais de 30 pessoas, além das inúmeras outras impactadas pelas oficinas de formação e pelo apoio jurídico e atendimento psicoterapêutico prestados por voluntários da instituição.

“Todo trabalho da casa é feito por voluntários e voluntárias, um grupo de profissionais de múltiplas áreas, e tudo que a gente tem é fruto de mobilização da sociedade civil”, explica o coordenador. 


Voluntárias e voluntários da Casa Rosa realizam entrega de cestas básicas e kits higiene / Acervo Casa Rosa

Atualmente, três pessoas residem na Casa Rosa, mas o acolhimento de novos moradores está suspenso. “Exige a manutenção constante, são muitos gastos, alimentação, água, luz. Infelizmente, como a gente não tem nenhum tipo de parceria governamental, tivemos que tomar essa decisão momentaneamente”, afirma Pedro Matias.

Além de oficinas de promoção da cidadania e de preparação para o mercado de trabalho, como as de corte e costura, técnica de som e luz cênica, a instituição realiza ações para garantir a segurança alimentar da população. São distribuídas cestas básicas e kits de higiene para pessoas LGBTQIA+ em vulnerabilidade.

A Casa Rosa também atua na realização de pesquisas em relação aos direitos da população LGBT na área da educação, da saúde, da assistência social, além de desenvolver um trabalho de sensibilização da população sobre essas temáticas.


Além do acolhimento de pessoas LGBTQIA+, a Casa Rosa realiza oficinas de promoção de cidadania e profissionalizantes / Acervo Casa Rosa

“Será que a gente tem sido diverso e inclusivo de fato? Então, esse é o dever e essa é a importância da Casa no DF:  ser combativo e enfrentar tudo isso para garantir que as pessoas possam vivenciar as suas vidas e experiências como elas são, sem ter seus direitos feridos, sem ter a sua segurança atingida”, conclui o coordenador.

O trabalho da Casa Rosa pode ser acompanhado no Instagram. A instituição recebe apoio por meio de trabalho voluntário e doações diversas. 

Coturno de Vênus: primeira associação lésbica do DF

Neste ano, a Coturno de Vênus, primeira associação lésbica feminista do DF, completa 18 anos. Ao longo dessa trajetória, o grupo foi responsável por realizar pesquisas, ações e atividades culturais em prol da visibilidade lésbica. 

“Nosso primeiro grande projeto foi a pesquisa do livro ‘Legislação e jurisprudência LGBTTT’, na época era assim que se referia ao movimento. Depois, a gente criou a Casa Roxa, que hoje em dia é um centro cultural, e fomos o primeiro centro de referência lgbtqia+ para atendimento da população aqui no DF”, conta Melissa Navarro, diretora-executiva da Coturno de Vênus. 

Segundo ela, é muito importante ter espaços de defesa da população LGBTQIA+, pois, apesar dos progressos jurídicos, o DF ainda não tem uma legislação que proteja essas pessoas.


Integrantes da Coturno de Vênus, primeira associação lésbica feminista do DF / Melissa Navarro

A Coturno de Vênus também foi responsável, em parceria com a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), por realizar o LesboCenso, uma pesquisa demográfica inédita, divulgada em 2022, que coletou e mapeou dados relativos à à auto identificação, trabalho, educação, saúde, relacionamentos, relações familiares e redes de apoio de lésbicas e sapatão.

As estatísticas são importantes para a elaboração de políticas públicas específicas para essa população, além de ser uma forma de enfrentamento ao cenário de subnotificação de crimes e violação de direitos.

“É super importante ter esses espaços de defesa para que a população LGBTQIA+ tenha um lugar seguro para conversar sobre seus amores e suas dores, e também conhecer mais seus direitos e o que fazer e como fazer em caso de alguma lesbofobia”, afirma a diretora-executiva. 

ANAVTrans: protagonismo trans na luta por direitos

O protagonismo trans e travesti na luta por direitos no DF ganha corpo em setembro de 2009, com o surgimento da Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgênero e o Distrito Federal e Entorno (ANAVTrans).

A associação foi fundada por duas militantes, Ceci Kelly e Charlotte da Mata, com o intuito de ser uma instituição que pautasse as causas das travestilidades e das transexualidades na capital federal. 

“Nessa época, existiam apenas grupos LGB aqui no Distrito Federal, onde as travestis e as transexuais não tinham um processo de protagonismo, de espaços de falas muito bem delimitados. E Brasil a fora a gente já tinha a formação de instituições de travestis e mulheres transexuais, como a Antra [Associação Nacional de Travestis e Transexuais]”, conta Ludmylla Santiago, colaboradora da ANAVTrans.


ANAVTrans celebra orgulho trans e travesti na parada de 2019 / Reprodução Instagram ANAVTrans

Ao longo dos anos, a associação tem realizado um trabalho de advocacy e de conscientização a respeito das temáticas das travestilidades e das transexualidades, além de atividades de capacitação, formação, e empoderamento de pessoas travestis e transexuais.

“É de suma importância ter uma instituição como essa na capital federal para pautar questões dessa população que se encontra em processo de vulnerabilidade, com direitos negados e direitos não adquiridos. Estando na capital, muitas vezes temos a responsabilidade de tratar dessas questões e ser referência para outros estados e municípios”, afirma Ludmylla Santiago.

Atualmente, a ANAVTrans, embora continue participando de eventos e realizando ações de advocacy, tem enfrentado dificuldades para manter os próprios projetos por ainda não ter conseguido formalizar a instituição. A falta de inscrição de um CNPJ bloqueia a possibilidade de se candidatarem a editais e receberem financiamento. 

“A gente aceita qualquer tipo de apoio, principalmente um apoio que pudéssemos ajudar a formalizar a instituição”, explica a colaboradora. O contato com a associação pode ser feito por meio do Instagram. 

Distrito Drag: arte e cultura contra a LGBTfobia

Referência em produção cultural, formação artística, política a técnica para a comunidade LGBTQIA+ na capital do país, o coletivo Distrito Drag atua desde outubro de 2017. Criado por artistas transformistas de Brasília, o grupo luta pela arte e cultura como caminhos para a liberdade, solidariedade e dignidade. 

Entre as grandes ações promovidas pelo Coletivo destacam-se o Bloco das Montadas, o Calendário Drag, Festival Nacional de Arte Transformista, Performática Drag, atividades formativas e de capacitação.

Em abril deste ano, o grupo realizou ato político em que drag queens ocuparam áreas da região central de Brasília para relembrar as violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar, denunciando o teor LGBTfóbico do regime antidemocrático.


Por meio de performances musicais no centro de Brasília, as drag queens, com apoio do público, reforçaram: “ditadura nunca mais!”. / Matheus Alves

Segundo a equipe, o Distrito Drag é “um espaço de auto-organização e auto-formação de artistas, que visa produzir e difundir a cultura LGBTI a partir da arte transformista, na perspectiva de enxergar a cultura enquanto ação política, participando de maneira ativa da cena cultural do Distrito Federal e do Brasil”.

A luta LGBT no sindicalismo

A LGBTfobia é um fator de precarização da vida que impede a concretização de direitos sociais, como o trabalho. Para enfrentar essa questão, a Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT-DF) conta com o Coletivo LGBT, que atua na defesa e no apoio da população LGBTQIA+ no mundo do trabalho. 


Coletivo LGBT da CUT-DF luta por respeito e dignidade para trabalhadores e trabalhadoras / Imprensa CUT

A partir da atuação do Coletivo, foram criados outros coletivos no Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) e no Sindicato dos Bancários. O grupo atua também em mobilizações nas ruas e nas redes, e participa de encontros formativos regionais e nacionais provocando a pauta dos trabalhadores LGBTQIA+ nos sindicatos.

Segundo João Macedo, integrante do Coletivo LGBT da CUT-DF, a organização é importante para “garantir direitos iguais, tratamento justo e respeitoso no ambiente de trabalho, combatendo todas as formas de violência contra essa população”. 

A população LGBTQIA+ no DF 

O Distrito Federal, segundo levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, tem a maior proporção de pessoas que se autodeclaram homo e bissexuais no Brasil: 66 mil pessoas, o que representa 2,9% das pessoas maiores de idade no DF. Este índice ficou acima da média nacional, que é de 1,8% da população.

Já outro levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF) com base nos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), mostra um número ainda maior. 87.920 moradores do DF com 18 anos ou mais se identificaram como LGBTQIA+ em 2021, o que corresponde a 3,8% da população nessa faixa etária. A diferença foi que esta pesquisa analisou não apenas a orientação sexual, mas também a  identidade de gênero, incluindo, portanto, as pessoas transsexuais.

Apesar desses números e da maior presença de pessoas LGBTQIA+ em espaços de discussão e poder, o cenário de violência permanece. A mesma pesquisa do IPEDF revelou que 77% das pessoas trans entrevistadas relataram ter passado por uma situação de violência ou discriminação. 

A maior parte dos casos de violência aconteceram em ambiente familiar, 65% no caso de pessoas trans e 51% de pessoas LGBT+. O ambiente religioso foi o segundo espaço com maior ocorrência de discriminação reportado pelos dois grupos.

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Edição: Flávia Quirino