HSVP é ilegal, mas continua sendo o principal dispositivo para internações na saúde mental no DF
O Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) foi inaugurado como instituição psiquiátrica em 18 de maio de 1976. Na época de sua inauguração, ele foi denominado Hospital de Pronto Atendimento Psiquiátrico, ficando conhecido pela sigla HPAP.
Mantido pela extinta Fundação Hospitalar do Distrito Federal (FHDF), ele surgiu como único hospital especializado em psiquiatria da rede hospitalar do Distrito Federal e recebia pacientes de toda a região geoeconômica do DF, e ia além dela, incluindo Minas Gerais e Goiás.
O então HPAP herdou suas instalações do antigo Hospital (Geral) São Vicente de Paulo, que atendia às especialidades de Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Clínica Geral, Odontologia e Cirurgia. A origem do hospital remonta a 1959, quando era conduzido pelas religiosas da Companhia das Irmãs de Caridade São Vicente de Paulo.
Com a inauguração do Hospital Regional de Taguatinga, em 1974, o HSVP foi desativado, sendo utilizado emergencialmente em 1975 durante um surto de meningite e, em 1976, passando a atender exclusivamente pessoas em sofrimento psíquico.
A inauguração do HPAP, em 1976, foi criticada à época por especialistas, que a consideravam um retrocesso no atendimento psiquiátrico do Distrito Federal e tinham como proposta a criação de Unidades de Psiquiatria nos Hospitais Gerais - algo que posteriormente foi adotado e institucionalizado pela Reforma Psiquiátrica brasileira.
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O hospital foi inaugurado com capacidade total de 92 leitos, realizando serviço de assistência emergencial, ambulatorial e de internação.
Pacientes em sofrimento psíquico mais grave eram encaminhados para clínicas particulares conveniadas com o Inamps (extinto em 1993 com o desenvolvimento do SUS), sendo elas: Clínica São Judas Tadeu (Gama), Clínica Nossa Senhora de Fátima (Asa Norte), Clínica de Repouso Planalto (Planaltina) e Clínica São Miguel (Luziânia). Pacientes que não contribuíam com a Previdência Social, muitos deles por estarem fora do mercado formal de trabalho, eram encaminhados para o Sanatório Espírita de Anápolis.
Após 11 anos funcionando como HPAP, a instituição mudou o nome novamente para Hospital São Vicente de Paulo. A proposta surgiu após eleição de nova direção do hospital, assumida por André Rangel, e era uma tentativa de mudar a representação do hospital perante a comunidade, por meio do resgate da história de Taguatinga com a instituição.
A mudança foi oficializada em 27 de setembro de 1987, dia da morte do santo padroeiro do hospital, em uma cerimônia com missa campal, apresentação da banda do Corpo de Bombeiros e presença do secretário de Saúde.
Mudanças e retrocessos
O resgate do nome São Vicente de Paulo tinha como objetivo diminuir os estigmas que envolviam o HPAP a partir dos vínculos históricos e afetivos da população do DF com o antigo hospital geral, em que muitos brasilienses haviam nascido. O nome também foi intencionado como homenagem às irmãs vicentinas, remetendo ao caráter assistencialista e religioso do hospital anterior, ao passo que reforça também tal caráter, junto da hegemonia moralista, no campo da saúde mental.
O período dessa mudança foi seguido de alterações na instituição, como a instalação do hospital-dia como porta de entrada, criação de oficinas terapêuticas e interrupção dos convênios com clínicas privadas.
As mudanças ocorriam em um momento de avanços da Reforma Psiquiátrica nos anos 1990, como a homologação da Lei da Reforma Psiquiátrica do DF (Lei 975/95), a aprovação do Plano Diretor de Saúde Mental da FHDF/SES/DF e a realização do I e II Fórum de Saúde Mental do DF em 1995 e 1997, respectivamente.
Foi colocada, nesse contexto, a extinção progressiva do HSVP e a transformação gradual do hospital em um serviço substitutivo, não asilar-manicomial, da rede em saúde mental que, em 2011, passou a ser a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
No entanto, a partir de 1999, com as mudanças na conjuntura política do DF, iniciou-se um movimento de retrocesso nas conquistas da Reforma Psiquiátrica.
As propostas voltadas à atenção integral do usuário são descontinuadas e mantém-se o HSVP como instituição centralizadora dos atendimentos em saúde mental no DF, reforçando um modelo hospitalocêntrico, asilar-manicomial, sem a devida articulação com os serviços da RAPS, ou, quando existente, enfraquecendo o caráter substitutivo, territorial-comunitário desses serviços e da RAPS.
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O que se tem hoje, com a permanência do HSVP após 47 anos da sua fundação, é a manutenção de uma lógica asilar-manicomial no DF, contrariando os princípios da Reforma Psiquiátrica.
A existência do HSVP está em desacordo com a Lei 975/95, que previa a redução progressiva da utilização de leitos psiquiátricos e extinção destes em hospitais psiquiátricos e clínicas especializadas no prazo de quatro anos.
O HSVP, portanto, é ilegal, mas continua sendo o principal dispositivo para internações na saúde mental no DF, em um cenário de precarização dos serviços da RAPS. Soma-se a isso, as inúmeras e contínuas violações de direitos e violências em tal instituição, e temos um cenário inaceitável; que não deveria mais existir!
Mais do que nunca é necessário um plano de fechamento do HSVP, com: a criação e/ou o fortalecimento de serviços assistenciais não asilares-manicomiais, como leitos e enfermarias em hospitais gerais, Serviços Residenciais Terapêuticos, Unidades de Acolhimento, Centros de Atenção Psicossocial, dentre outros; a devida redistribuição orçamentária e das equipes multiprofissionais do HSVP para os serviços substitutivos da RAPS; um fluxo de cuidado que privilegie o cuidado em liberdade.
O fim do HSVP não significa o fim da assistência às pessoas, mas uma mudança necessária para que tal assistência se dê em serviço(s) e modelos não asilares-manicomiais, assegurando direitos e em concordância com a Reforma Psiquiátrica.
*Júlia Goulart, Fernanda Periles e Pedro Costa são membros do Grupo Saúde Mental de Militância do Distrito Federal UnB.
**Este é um artigo de opinião. A visão das autoras e do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Márcia Silva