Maik Sales, 27 anos, morador da Cidade Estrutural, carrega um cartaz com os dizeres “contra a covardia policial, meu irmão era rapper e foi vítima”. Ele caminha junto à marcha “Jornada dos Movimentos Negros Contra a Violência Policial”, na quinta-feira, 24 de agosto, em Brasília-DF. “Eu estou aqui atrás de justiça”, declara.
Seu irmão, Mateus Sales, o rapper M10, tinha 25 anos quando, numa manhã de fevereiro, entre 10h40 e 11h, foi alvejado duas vezes nas costas pela Polícia Militar. Ele ficou paraplégico durante 6 meses e no último 17 de agosto veio a óbito. Maik protesta: a polícia “usa da farda para abusar da autoridade”.
Convocada em nível nacional, a mobilização foi realizada depois de uma série de chacinas, entre julho e agosto, com pelo menos 32 mortos na Bahia, outras 20 em São Paulo e 10 no Rio de Janeiro.
Os protestos lembram ainda a liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, Maria Bernadete Pacífico, que foi executada a tiros na última semana, dentro do terreiro Ilê Axé Kalé Bokum, onde era ebomi, na região metropolitana de Salvador (BA).
Mãe Bernadete, como era conhecida, também era coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), que esteve presente no ato empunhando a faixa “quando uma mulher quilombola tomba, o quilombo se levanta com ela”.
A mobilização em Brasília se soma a outras 24 capitais que sediaram o protesto. Na capital federal, teve no Museu Nacional da República, às 15h. A caminhada em direção ao Congresso Nacional começou às 16h, culminando com um ato na avenida José Sarney, onde os movimentos presentes fizeram falas.
Jornada
O dia 24 de agosto é simbólico para organizações do movimento negro – marca o aniversário de morte do abolicionista e advogado Luiz Gama, morto em 1882. Os atos desta quinta foram definidas em uma plenária online feita no último dia 10 com cerca de 250 organizações, e marcaram o início de uma jornada de lutas que terá atividades até 20 de novembro, dia da consciência negra.
Josefina Serra dos Santos, 61 anos, advogada, está na linha de frente do ato, carregando a imagem do também advogado e abolicionista Luís Gama, que viveu no século XIX. Ela nasceu em um quilombo no Maranhão e diz que chegou em Brasília em 1977 trabalhando como empregada doméstica. Entrou no Movimento Negro Unificado e passou a ter consciência da luta.
“Eu estou aqui para lutar contra a violência contra negros, não saio da luta, apenas quando morrer”, afirma.
Rita de Cássia Guimarães, 66 anos, faz parte de movimentos de apoio a famílias de pessoas encarceradas e da Rede DF Sem Tortura. “É preciso mais rigidez sobre a polícia, que está muito emponderada”, diz.
Mariana Andrade, da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e do Instituto de Referência Negra Peregum, explica que a agenda contou com conversas com os Três Poderes. “Estivemos com Gilmar Mendes, alguns deputados, e hoje estivemos com Padilha, Dino, com os presidentes da Câmara e do Senado também”.
As entidades ligadas ao movimento negro lançaram também um documento com onze reivindicações ao Estado e às instituições brasileiras.
São elas:
1 – Que o Superior Tribunal Federal proíba operações policiais reativas (com caráter de vingança) a assassinato de policiais e operações invasivas e em comunidades sob pretexto do combate ao tráfico de drogas, com base no precedente da ADPF 635 das Favelas e nas proposições da ADPF 973 das Vidas Negras;
2 - Ao Congresso Nacional, Lei Federal que torne obrigatório e regulamente câmeras em uniformes de agentes de segurança pública, em todos os níveis (guardas municipais, polícias estaduais e federais), além de agentes de segurança privada em todo país;
3 - Plano Nacional de reparação para familiares e vítimas do estado, bem como para seus territórios, pelo Governo Federal;
4 - Ao Governo Federal, a federalização de todos os casos em que o resultado da incursão policial caracterize assassinatos, execuções e/ou chacinas e massacres;
5 – Ao Congresso Nacional e ao STF, a construção de uma política de drogas que seja fundamentada em evidências científicas, na garantia dos direitos humanos e individuais, na redução de danos, na promoção da educação e da saúde pública, sua descriminalização, colocando definitivamente um fim a guerra às drogas, que segue justificando chacinas contra vidas negras e pobres em todo país;
6 - Ao Congresso Nacional e ao STF que coloquem limites às abordagens policiais para que não sejam racistas e discriminatórias a partir da criação de critérios objetivos para a “fundada suspeita” (instituição de um Sistema Nacional de Abordagem Policial);
7 - Ao STF, ao Congresso e ao Governo Federal, o fortalecimento dos mecanismos de prevenção combate e rigorosa punição à tortura, como as audiências de custódia presencial e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, resgatando inclusive as 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade de 2014.
8 - Ao Congresso Nacional, a revogação da Lei de Drogas 11.343/2006, o fim dos homicídios decorrentes de oposição à ação policial e a desmilitarização das polícias;
9 - Ao Congresso Nacional e ao STF, que imponham métodos de controle externo à atuação policial e a responsabilização e cobrança ao papel constitucional dos Ministérios Públicos no que diz respeito à limitação da atuação violenta das polícias.
10. Suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais, e proibição absoluta da privatização do sistema prisional, sem prejuízo de uma solução imediata às superlotações dos presídios brasileiros, dado o gravíssimo aviltamento à dignidade humana.
11. Pelo reconhecimento dos terreiros como espaços do sagrado e pela Titulação dos territórios quilombolas no Brasil; Proteção e garantia da vida aos defensores de direitos humanos quilombolas e de matrizes africanas! Basta de racismo religioso! Titulação, já!
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Edição: Márcia Silva