Deu grande destaque e protagonismo aos sujeitos sociais (não assujeitados) e suas geografias
No dia 06 de Setembro de 2023 a comunidade geográfica brasileira e latino-americana foi surpreendida com o anúncio da passagem do eminente geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Minha primeira oportunidade de ouvi-lo foi no ano de 2005 no Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) em Fortaleza.
Eu estava na graduação e a palestra do professor me impactou profundamente a ponto de renovar meu orgulho pelo o curso que eu havia escolhido. Suas falas, além do texto é claro, eram sempre uma rara combinação entre erudição, perspectiva crítica, didatismo, subversão e muitos, muitos causos.
A utilização dos causos se devia por conta da sua caminhada com os sujeitos sociais, sendo um mais conhecido, parceiro, o ambientalista Chico Mendes, com quem mais aprendeu a geografia vernacular. Impossível esquecer dos causos das suas andanças na Amazônia, de lembrar que as pessoas que dizem “nós vai”, muitas vezes sabem melhor para onde estão indo do que muitos acadêmicos, técnicos e gestores públicos. De enfatizar a importância da ação da sociedade ao afirmar que “Jacaré parado vira bolsa”.
Ou ainda, a genialidade de extrair de uma indagação aparentemente simplória diante da cena que testemunhou de um caminhão da Sadia atolado em plena transamazônica e de se perguntar “Será que um camponês na Amazônia não tem capacidade de criar um frango?”. Dessa singela observação ele ajudou a destrinchar como o agronegócio vem impondo transformações drásticas aos territórios, modificando o modo de vida das populações.
Outra dimensão das suas falas era também a dimensão do amor. Afirmo isso porquê somente a razão e o domínio da literatura científica e dos clássicos não explica tamanha dedicação do Prof. Carlos Walter para buscar entender a realidade dos povos originários, do reconhecimento de saberes antes subalternizados e invisibilizados.
Carlos Walter foi uma das primeiras vozes na Geografia brasileira a chamar atenção para a necessidade de discutirmos a decolonialidade. Essa nova mirada é uma perspectiva radical (no sentido mater de ir a raiz) na forma como entendemos a natureza, as relações sociais, a criação de mundos epistêmicos novos e, no limite, a forma como nos vemos
Através das suas contribuições foi possível observar com maior atenção as cosmovisões dos povos indígenas. Principalmente no momento em que a sociedade busca desesperadamente criar técnicas, tecnologias, formas de convívio que possam mitigar os efeitos das mudanças climáticas motivadas pela pilhagem da natureza.
Carlos Walter sempre demonstrou que os indígenas, os seringueiros, os camponeses já convivem de forma sustentável com a natureza há milênios. Eles, portanto, sempre souberam manter a floresta em pé e com gente e usufruir das riquezas naturais sem a necessidade de destruir seu território. Até porquê o território não é um repositório de recursos a serem explorados e sim o verdadeiro fundamento da vida.
Sempre lembrava que foi o pensamento moderno-colonial ocidental que realizou a separação entre homem e natureza. E nesse caso, a natureza deveria ser dominada, posto que é exterior ao homem. E dominar a natureza, como nos lembrava Carlos Walter, era dominar a inconstância, o imprevisível, o instinto, as pulsões e as paixões.
Em uma das suas últimas intervenções públicas no café filosófico no Paraná, Carlos Walter nos alertava que estamos passando de uma situação de encruzilhada imposta pela crise ambiental sistêmica, para uma situação pior que é a do beco sem saída.
Por fim, Carlos Walter deu grande destaque e protagonismo aos sujeitos sociais (não assujeitados) e suas geografias, no plural. Para eles, os grupos sociais subalternizados, na sua diversidade, reinventam a sociedade ao ressignificar o espaço, dando-o novos signos, contornos. Eles grafam a terra, ou seja, geografam e nesse sentido “A Geografia, deste modo, de substantivo se transforma em verbo – ato de marcar a terra”.
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*Juscelino Bezerra é geógrafo, doutor em Geografia e professor na Universidade de Brasília
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino