Dia 28 de setembro é o dia da Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. A data é celebrada nas ruas desde 1990, quando foi instaurada no 5º Encontro Feminista Latino-americano (EFLAC), na Argentina, no qual esteve presente a médica Ana Costa.
Em entrevista ao Brasil de Fato DF, Ana Costa destaca os avanços em diversos países da América Latina nesses 33 anos e aponta o atraso da discussão na sociedade brasileira.
Para Ana Costa, existe um fundamentalismo dentro do Congresso que não reflete a sociedade. Por isso, ela defende que o julgamento sobre o aborto deve acontecer no Supremo Tribunal Federal (STF). “Agora só depende da vontade dele [Barroso]. Essa é a nossa melhor expectativa e a nossa demanda com o ministro Barroso é que ele cumpra o compromisso e a celeridade que a sociedade brasileira precisa”, destacou.
Confira a entrevista
Brasil de Fato DF - Você poderia falar um pouco sobre a importância desta data?
Ana Costa - Bom, eu por coincidência estive na reunião da Argentina, em 1990, no nosso Congresso Feminista Latino-Americano que instituiu esse dia. E essa é na verdade uma luta central para o feminismo na medida que marca o lugar de direito ao nosso corpo, a nossa autonomia enquanto mulheres. Entendemos que precisávamos falar sobre essa grave situação que criminalização do aborto no Brasil e em toda América Latina.
E o que mudou na América Latina nesses 33 anos?
De lá pra cá nós tivemos muitos avanços. Então, a gente percebe que esse evento contribuiu muito com as mudanças que ocorreram na América Latina, onde a criminalização era a regra. Hoje não é mais. O cenário dessa caminhada pela descriminalização avançou em vários países.
Em quais países houve avanços?
O México é o caso mais recente, mas também houve avanço na Colômbia, o caso da Argentina, a grande mobilização chilena e também o caso do Uruguai. Portanto, hoje temos muitos exemplos positivos na América Latina em relação ao direito ao aborto. Por outro lado, tem vários países em que a discussão está emperrada, como, infelizmente, no Brasil.
Como está essa discussão por aqui? Principalmente depois desse voto da ministra Rosa Weber, que votou a favor da descriminalização do aborto durante as 12 primeiras semanas de gestação?
A ministra Rosa Weber quis apresentar seu voto nessa ação que estava em seu poder há mais de três ou quatro anos. E uma ação que juntou o esforço de centenas de entidades da sociedade civil no Brasil, junto ao PSOL, pedindo justamente a descriminalização e destacando o direito ao aborto. Então, esse voto favorável da ministra Rosa foi uma sinalização importante. Eu acho que ela marcou uma posição avançada, correta, coerente e trouxe argumentos novos e importantes ao debate sobre a questão da inconstitucionalidade dessa criminalização, na medida em que impede o direito à saúde às mulheres, pois as criminaliza. Essa política conduz as mulheres a ausência desse direito que levam muitas, inclusive adolescentes, a morrer por falta de atendimento de saúde.
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E a repercussão contrária no Legislativo?
Eu acho que esse voto também é um debate sobre a opção do Legislativo nesse tema. E isso, é claro, mobilizou os religiosos, fundamentalistas, mas isso é democracia e a maioria da população é a favor desse direito. Acabou de sair uma pesquisa que diz que 56% da população é a favor de descriminalizar o aborto. Então, existem os argumentos velhos de quem é contrário, e cada vez mais e novos argumentos dos movimentos sociais, particularmente do movimento feminista.
Como você avalia esse Congresso, que conta com representantes que inclusive querem retroceder nos poucos direitos que existem hoje, como no caso de estupro?
Eu acho que a sociedade brasileira tem votado mal nas eleições dos seus representantes no Congresso, que é a casa do povo. Infelizmente, nós temos um Congresso Nacional que não reflete os anseios populares e as necessidades da nossa população. Mas isso está revestido de valores de moralidade e crenças religiosas que não levam em consideração a melhoria da vida do povo brasileiro, e em particular das mulheres.
Temo um conservadorismo de ultradireita, que é fundamentalista, e que mobiliza contra esse e tantos outros temas, com projetos absurdos que infelizmente são discutidos naquela casa, que é a casa do povo. O Congresso Brasileiro é composto por gente que defende o retrocesso da sociedade e não deseja e nem tolera avanços para melhorar a situação do próprio povo.
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E qual a melhor forma de abordar esse assunto?
Olha, temos que deixar claro que hoje temos um problema concreto, que são os riscos que as mulheres correm quanto optam pelo aborto. Temos que deixar claro que são as mulheres pobres que morrem, por falta de atendimento. E que precisamos conversar sobre esse assunto, enquanto política pública de saúde de Estado.
A pauta de costumes proposta pelos fundamentalistas não pode travar a discussão. E não podemos retroceder em nenhuma pauta que avança, porque a sociedade é uma construção permanente e ela precisa de avanços e não retrocesso.
Por fim, qual o melhor caminho para as mulheres conquistarem o direito ao aborto?
É o ministro [Luís Roberto] Barroso, atual presidente do STF, cumprir o que ele prometeu que é colocar em pauta o julgamento iniciado e já com um voto da ministra Rosa. Ele mudou o julgamento para o presencial e se comprometeu em colocar em votação. Então, agora só depende da vontade dele. Essa é a nossa melhor expectativa e a nossa demanda com o ministro Barroso é que ele cumpra o compromisso e a celeridade que a sociedade brasileira precisa.
Lembrando que a maioria da população é a favor desse direito. Então é um clamor da sociedade, que não quer mais que as mulheres sejam presas ou corram risco de morte por realizarem a interrupção da gravidez. Ninguém está fazendo apologia ao aborto, mas não podemos permitir que as mulheres continuem morrendo.
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Edição: Flávia Quirino