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Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF será um acordo social pela manutenção de um território vivo?

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Calendário em andamento conta com mais de 54 oficinas participativas previstas para acontecer até dezembro. - Reprodução/Agência Brasília
Os processos de construção dos Planos Diretores no DF envolvem intensa negociação e disputa

O Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (PDOT) é uma lei complementar que busca regular a ocupação do território. Para tanto, é preciso balancear os interesses muitas vezes divergentes das necessidades sociais, ambientais e econômicas, entre os vários segmentos da sociedade.

O PDOT de 2009 (alterado em 2012 e 2019) ainda está vigente apesar de que, por lei, deve ser renovado a cada 10 anos e com participação da sociedade civil. O processo, tardiamente iniciado em 2019 pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitacional do DF (SEDUH), parou durante a pandemia e foi retomado junto às atividades presenciais com oficinas participativas organizadas em cada uma das sete Unidades de Planejamento do DF (UPT).

O Comitê de Gestão Participativa, criado graças às lutas de entidades representantes da sociedade civil, não aceitou esse formato em que a abrangência territorial não condiz com a participação efetiva da população do DF.

Acatando a crítica, a nova equipe de gestão na SEDUH implementou um calendário de oficinas participativas por Região Administrativa e por temática. Iniciado em abril de 2023, o calendário em andamento conta com mais de 54 oficinas participativas previstas para acontecer até dezembro. Entretanto, é necessário um diálogo durante todo o processo e um retorno das propostas à sociedade civil para discussão e formulação final das diretrizes do futuro PDOT.

Historicamente, os processos de construção dos Planos Diretores no DF envolvem intensa negociação e disputas, nem sempre dentro da legalidade. 

Os cofres do DF ainda têm o sinal dos rombos feitos pelas propinas em troca das alterações na lei do PDOT de 2009, que abriram novas áreas para a especulação imobiliária na capital. Ainda lembramos da operação Caixa de Pandora. E seguem se proliferando projetos urbanísticos luxuosos com valor agregado pelas amenidades ambientais (parcialmente destruído pela própria implantação), enquanto persiste o déficit habitacional das classes sociais das faixas 1, 2 e 3 (mais pobres). 

Se por um lado, o setor imobiliário em coalizão com representantes do poder público utilizam-se de artimanhas para consolidar uma convenção urbana favorável para o capital, por outro lado, a sociedade resiste.


 

Setores ambientalistas e associações de moradores resistem à conversão de áreas rurais em urbanas, como são os casos da Associação dos Produtores Rurais do Altiplano Leste de Brasília (APRALB), o movimento da bacia do Rio Descoberto, o Preserva Serrinha, a comunidade do Bem viver, entre outros tantos movimentos. Alegam que a perda de Cerrado e das áreas rurais fragilizam a manutenção dos serviços ecossistêmicos ofertados pela Natureza como, por exemplo, a provisão de água.

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Os movimentos sociais também questionam projetos urbanísticos como a Expansão do Taquari, Quinhão 16, Urbitá, dentre outros, devido às ameaças à capacidade de suporte do território e dos sistemas de abastecimento e saneamento. 

Importância do Zoneamento

Agora, a sociedade dispõe de um instrumento para contribuir na luta pela garantia do direito difuso por um ambiente equilibrado.

Pela primeira vez, o DF terá um PDOT aprovado tendo o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE-DF) para balizá-lo. Aprovado apenas em 2019, o ZEE-DF (Lei nº 6.269/2019), é o instrumento matricial de orientação da ocupação do território, pois articula os conceitos intrínsecos ao terreno com as disputas no território. Esse instrumento é, portanto, a base para discussão dos PDOTs.  

O ZEE-DF traz uma análise da infraestrutura ecológica do DF, que trata das características intrínsecas do território, como recarga de aquífero, propensão à perda de solo, à contaminação dos aquíferos, dentre outros serviços ecossistêmicos fornecidos gratuitamente pela natureza.

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O instrumento quantifica ainda os riscos ecológicos associados à perda de tais serviços. Entretanto, o ZEE-DF não tem força para aprovar ou reprovar um projeto urbanístico ou parcelamento, mas apenas fornece as bases técnicas para subsidiar essa tomada de decisão. Deste modo, cabe às redes técnicas e às redes sociais de proteção dos territórios se apropriarem dos alarmantes riscos previstos no instrumento para pressionarem as instâncias decisórias. 


Mapa do Risco Ecológico de Perda de Áreas Remanescentes de Cerrado Nativo no Distrito Federal / Reprodução ZEE-DF

Cruzando as informações de risco de perda de áreas remanescentes de Cerrado nativo e de risco de perda de recarga de aquífero, o ZEE-DF identificou áreas prioritárias de preservação para execução de uma política territorial “mais inteligente e integrada” com previsão de instrumentos de compensação específicos. No âmbito desta política, aponta-se, por exemplo, como crucial a “manutenção do Cerrado na região da Serrinha do Paranoá” (ZEE-DF, Caderno Matriz Ecológica). 

Balizado pelo ZEE-DF, o PDOT deve orientar  um tipo de ocupação compatível com as sensibilidades ambientais mapeadas, sob a ameaça de comprometimento da capacidade produtora de água do território, visceralmente ligada à presença de remanescentes de Cerrado nativo.

É fundamental preservar essa infraestrutura ecológica provida pela Natureza e para que o PDOT possa garantir isso, existem alternativas ao convencional desenho urbano que lançam mão das as Soluções baseadas na Natureza (SbN), propostas pela ONU.

Ademais, trilhando o que o mundo propõe para limitar as consequências das mudanças climáticas, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável ODS 11 da ONU orienta o desenho de cidades sustentável e resiliente para todos.

O PDOT é uma oportunidade de acordo para o desenvolvimento sustentável do território, a preservação dos serviços ecossistêmicos já existentes e implantação de SbN nos empreendimentos necessários para o futuro.

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* Denise Paiva Agustinho é bióloga, doutora em Desenvolvimento sustentável, diretora administrativa da Fundação Mais Cerrado

**Juliette Lenoir é arquiteta e urbanista, diretora da Trienal do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Distrito Federal e doutoranda em Planejamento urbano na UnB

*** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino