Preocupados com a relação entre religião, política e os ataques aos direitos básicos, a Associação Espírita Sol do Oriente realizou a I Conferência LGBTQIA+ de Águas Lindas de Goiás e Região, com objetivo de debater sobre a vivência religiosa nos espaços de terreiro e os direitos desta população LGBTQIA+.
Realizada no domingo (22), a Conferência reuniu líderes religiosos, parlamentares e representantes da comunidade de Águas Lindas (GO) e pessoas convidadas, entre estas Mãe Beth de Iansã, do Terreiro Sol do Oriente e integrante da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno; Tati Ribeiro, reverenda da Igreja Anglicana; deputada federal Erika Kokay; Ruth Venceremos Drag Queen; Ubirajara dos S. Silva, representante da Candomblé; e Pai Luanderson de Oxossi, representante da Umbanda.
A iniciativa nasce da necessidade de dialogar sobre os direitos da população LGBTQIA+ e dos danos causados pela LGBTIfobia estrutural na vida destas pessoas. Além de colocar as religiões de matriz africana, publicamente, contrárias a qualquer proposta que busca reduzir os direitos desta população.
O Brasil registrou, em média, duas mortes de pessoas LGBTQIA+ a cada três dias, ou uma morte a casa 32 horas, em 2022. Os dados são do dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBT+ no Brasil. Mais da metade das vítimas de crimes de ódio eram mulheres trans ou travestis (58,24%).
Em 2022, o total de mortes LGBTQIA+ foi de 273, em 2021 foi de 316, e em 2020, foram 237 mortes de forma violenta no Brasil em 2022, segundo o estudo. Importante destacar que houve um número significativo de suicídios, com 30 casos registrados (10,99%), o que reflete os danos causados à saúde mental destas pessoas.
Os dados do observatório vêm de encontro à reflexão realizada por Ruth Venceremos, que chamou a atenção para a violência enfrentada no dia a dia pela população LGBTQIA+ e falar sobre esse tema é muito importante, “pois trata-se de nossas vidas”.
Na ocasião, a Drag Queen lembrou que sempre existiram pessoas LGBTQIA+ e ao longa da história foram tratadas de três formas: “A primeira, com o advento das grandes religiões, a nossa existência foi tratada como pecado; em um segundo momento, a nossa existência foi tratada como doença; e terceiro momento, foi tratada como crime. Esse é mais atual do que nunca, sobretudo alimentado pelo conservadorismo da nossa sociedade”.
“Para nós, pessoas LGBTQIA+, essa dimensão da fé é permanentemente negada, sobretudo com ataques permanentes de conservadores, de determinados setores religiosos que entendem que nós, ao estarmos neste mundo, não temos direitos, inclusive o direito à vida”, destacou Ruth Venceremos, que também é suplente de Deputada Federal pelo Distrito Federal.
Teologia inclusiva
Ao falar sobre vidas, a reverenda da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Tati Ribeiro, destacou que infelizmente muitas igrejas fazem uso da Bíblia para condenar, para criminalizar, para atacar as pessoas da comunidade LGBTQIA+. Ela conta que há muitos anos a Igreja Anglicana em todo mundo, no Brasil há pelos menos 34 anos, começou um estudo a partir da teologia inclusiva, das questões de sociologia, psicologia e direito na busca por compreender melhor sobre o tema.
“E nós começamos a perceber que há algo errado. Deus ama todas as pessoas, Deus é amor, Deus não criminaliza ninguém, para Deus não existe uma condição do amor de Deus. Deus não diz assim: Eu te amo se você for assim, se você for daquele jeito, se você é assim eu não te amo”, explica a reverenda. “A Bíblia nos diz que todas nós(pessoas), fomos criadas à imagem e semelhança de Deus, todas. Então por que Deus vai amar mais algumas e menos outras? Não, mas a gente sabe o quanto tantas pessoas morrem vítimas da fé. A partir da fé as pessoas perdem o direito à Deus”, completa Tati Ribeiro.
Direito a viver sua fé
Nos debates, as pessoas participantes levantaram reflexões como as origens das várias negações de direitos, em especial a população LGBTQIA+, como falta de acesso à saúde, educação, alimentação, e também o direito ao exercício da fé. “A Umbanda e o Candomblé são religiões acolhedoras e nós estamos aqui para acolher. Consideramos justas todas as formas de amar”, observou Ubirajara dos S. Silva.
Com a casa cheia, o debate alinhou-se ao fato de que todas as vidas são sagradas, que todas as pessoas têm o direito à vida. O Pai Luanderson de Oxossi, falou da importância da comunidade LGBTQIA+ ser e sentir-se acolhida por sua fé. “Nasci assim e posso ter a minha fé, posso conectar com o sagrado, posso evoluir cada vez mais com o bem para a humanidade e ser quem eu sou, construir uma família e ser feliz”, afirmou o líder religioso de Umbanda. “Esse evento e o papel de vocês é extremamente importante para a nossa comunidade, para nos incluir e não negar nosso direito ao sagrado, e assim a gente exercer a nossa fé”, completou.
O exercício da fé e da afetividade é intrínseca à própria humanidade, logo não se pode negar ou impedir qualquer pessoa. Porém, o Brasil vive uma intensa retirada de direitos conquistados ao longo de anos de lutas, em particular pela população LGBTQIA+, afetando diretamente a democracia, que por sua vez exige que esses direitos sejam respeitados. O tema foi abordado pela Deputada Federal, Erika Kokay.
“A nossa humanidade exige que todos esses direitos sejam respeitados. E nós estamos vivenciando uma investida de um segmento fundamentalista que busca negar todas as formas de credo que não é o seu próprio. Que busca negar todas as formas de ser que não é a sua forma de ser. Ou busca negar como todas as pessoas que não são o seu próprio espelho. Não podemos permitir, que em nome da democracia, da justiça, da cidadania, que direitos como o direito ao casamento da população LGBT possa ser negado”, alerta a parlamentar, ao se referir à aprovação em uma Comissão da Câmara do Projeto de Lei 580/2007, que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Fundamentalismo religioso
Na avaliação da parlamentar, “estamos vivenciando o fundamentalismo religioso dentro do parlamento, mas que não se expressa só no parlamento. Esse é um período de desumanização profunda. O Brasil é o país que mais mata a população LGBTQIA+ do mundo”.
Ainda segundo Erika Kokay, essa condição deve provocar uma inquietude para que possamos dizer que não pode ser a morte, em vida ou literal, seja a norma. “É preciso que enfrentemos isso que é resquício de períodos traumáticos da história brasileira, como a escravidão. Não podemos permitir que tenhamos espaços ou políticas públicas que não sejam de acolhimento”, completou.
Durante a Conferência, muitas pessoas relataram vivências e violências extremas, mas também falaram do acolhimento por suas famílias e casas de axé.
Mãe Beth de Iansã, líder religiosa do Terreiro Sol do Oriente e integrante da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, destacou a importância de realizar o evento e como nasceu a iniciativa. “Quando as pessoas procuram o meu terreiro, eu vejo a necessidade espiritual de cada um, indiferente se é gay ou lésbica. Eu vejo a pessoa e o que ela está precisando naquele momento em que me procurou, independente de sexualidade, raça, corpo, eu atendo o ser humano. Mas, sei que nem em todos os lugares é assim”, explicou.
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Edição: Márcia Silva