Distrito Federal

'Voltando em Paz'

‘Estávamos esperando a morte em Gaza’: uma conversa com repatriados palestinos

Parte do grupo de 32 palestinos repatriados, Mohamad Farhat e Shahed Al-Banna falam sobre chegada ao Brasil

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Jovem palestina mostra pingente com ilustração de bandeira palestina - Camila Araujo

Era 19h quando Shahed Al-Banna deu a sua última entrevista, na Base Aérea Brasileira, em Brasília, nesta terça-feira, 14 de novembro. A jovem de 18 anos é uma dentre os 32 palestinos repatriados pelo Brasil vindos de Gaza. 

“Alguém tira foto minha assim sendo famosa”, brincou Shahed, diante de uma dezena de câmeras e microfones apontados para ela. A repatriada ficou conhecida no noticiário por ser uma das vozes brasileiras que relataram nas redes sociais o dia-a-dia sob bombardeio israelense. 

Fruto de um esforço diplomático do governo brasileiro, o grupo pousou no Brasil na noite de segunda-feira, 13 de novembro. Pela manhã, já na terça, tiveram um dia de vacinação e atendimento social e psicológico. No período da tarde, quatro deles toparam conversar com a imprensa. 

Shahed declarou que não vai ficar calma até que todos os brasileiros e a outra parte de sua família que está na Faixa de Gaza sejam evacuados. “Esse é meu plano agora e eu não vou ficar calma até eles saírem de lá”, disse, destacando que os demais repatriados também deixaram familiares no território palestino. 


Saguão do hotel de trânsito da Base Aérea de Brasília, onde repatriados foram hospedados / Camila Araujo

A Operação Voltando em Paz é a maior missão de retirada de civis de zonas de guerra e conflitos operada pela Força Aérea Brasileira (FAB). Foram 1.477 repatriados, sendo 1.462 brasileiros. Além disso, vieram para o país 53 animais domésticos.

O governo afirma que os repatriados receberão CPF, carteirinha do SUS e terão direito de se inscrever no Cadastro Único. A intenção é que os ministérios da Justiça, Direitos Humanos, Desenvolvimento Social e Saúde, junto de agências da ONU, realizem um processo de acolhida, para atender necessidades e demandas. 

Dentre o grupo que chegou ao Brasil, 22 são brasileiros, sete são palestinos com Registro Nacional Migratório (RNM) e outros três são palestinos familiares próximos dos demais integrantes. Entre eles, 17 crianças, nove mulheres e seis homens. 

Na recepção da imprensa, os repatriados estavam acompanhados por membros da Força Nacional do SUS, um programa que realiza missões de apoio a situações de desastres naturais.

Débora Noal, psicóloga especializada em desastres e eventos climáticos, orientou as e os repórteres presentes: é preciso ter cuidado com perguntas que possam gerar gatilhos. 

Segundo ela, o estado emocional dessas pessoas é extremamente sensível e o período de estabilização pode levar cerca de 30 dias. “Boa parte das crianças tiveram dificuldade para dormir essa noite e fizemos um plantão de 24 horas para acompanhá-las”, disse, acrescentando que até o barulho de aviões voando foi motivo para desconforto.

“Algumas crianças estão apontando para aviões no céu e dizendo ‘bomba, bomba’”, relatou a psicóloga.

“Estávamos esperando quem era o próximo a morrer”

Mohamad Farhat tem 43 anos e foi repatriado com sua família – a esposa, que tem o RNM, e seus quatro filhos. 

“Meu primeiro país é a Palestina, mas agora o Brasil também é meu país”, disse ele, acrescentando que “todas as pessoas aqui estão lidando com a gente de uma maneira muito digna e isso é respeitável”. 

Ele mencionou a recepção do presidente Lula na noite desta segunda, quando o grupo de repatriados desceu do avião da Força Aérea Brasileira (FAB). “Vivenciamos uma cerimônia maravilhosa das pessoas nos recebendo. Foi muito positivo para nossos sentimentos, e traz uma sensação de segurança em relação ao nosso novo futuro”.


Mohamad Farhat, palestino repatriado, ao lado de uma integrante da Força Nacional do SUS que o acompanha / Camila Araujo

O plano de Mohamad é seguir com sua família para São Paulo. Ele é um entre os 24 repatriados que vão para São Paulo, sendo que metade vai para casa de parentes e a outra metade para um abrigo. Uma pessoa seguirá para Novo Hamburgo (RS), uma para Cuiabá (MS), duas para Florianópolis e quatro permanecerão em Brasília. 

Ainda sobre a situação em Gaza, Farhat comenta que lá se sentia como se a qualquer momento pudesse morrer. “Nós nos tornamos números”, disse. “Estávamos esperando quem era o próximo a morrer”, acrescentou, contando ainda que perdeu uma tia e diversas outras “pessoas amadas” no conflito.  

“Quando a gente dormia… na verdade, a gente não tem dormido em Gaza. Mas, uma vez que conseguimos ficar em uma casa, o tempo todo pensamos que a casa poderia ser destruída sobre nossas cabeças ou atacada a qualquer momento”. 

A repatriação de Mohamad e de demais membros do grupo demorou 12 dias desde que os primeiros estrangeiros e familiares começaram a ser autorizados a sair de Gaza. Quando finalmente foi publicada, a lista original constava o nome de 34 pessoas mas, segundo um comunicado do Itamaraty, duas delas desistiram da repatriação, permanecendo em Gaza. 

Com a operação concluída e após manter um discurso moderado sobre o massacre israelense contra o povo palestino, Lula “subiu o tom” para Israel, comparando o estado sionista com o Hamas e condenando “atos de terrorismo”.

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“O estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que crianças e mulheres não estão em guerra”. “Tem mais de 1,5 mil crianças desaparecidas que certamente estão no meio dos escombros”, disse o presidente. 

O número de mortos em Gaza superou 11 mil, desde o dia 7 de outubro, de acordo com o Ministério da Saúde em Gaza. Desse total, 5 mil são crianças.

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Edição: Flávia Quirino