No trágico episódio de 28 de janeiro de 2022, Gustavo Henrique, um jovem negro de 17 anos, teve sua vida ceifada por um policial militar do Distrito Federal, com um tiro no peito.
Após quase dois anos de espera, o policial foi absolvido em um júri popular formado em maioria por pessoas brancas. Este evento revoltante coloca em evidência a fragilidade do sistema judicial e também a naturalização da onda de violência contra a população negra.
Gustavo carregava consigo um sorriso contagiante, estudava no ensino médio, trabalhava em uma hamburgueria como chapeiro e ajudava financeiramente sua mãe. Como afirmou seu amigo Gustavo Matheus no depoimento, ele era “puro, um mil grau” e essa imagem perdura na memória de quem o conhecia. Além disso, o resultado do exame do IML revelou a ausência de drogas e álcool em seu sangue; e o delegado, em uma retratação pública após afirmar o contrário, elucidou que ele não tinha antecedentes criminais.
A condução do caso e as argumentações da defesa são permeados por uma série de erros graves. Dentre elas, a falsa acusação de que Gustavo estaria em uma moto roubada e portando um simulacro. Em seu depoimento, o réu afirmou ter visto Gustavo dando a entender que iria atirar, o que o motivou a disparar.
O relato das testemunhas contrapõem essa argumentação, pois afirmam que Gustavo não teve menção a atirar e que depois de baleado a assistência não foi prestada de forma ágil, sendo a demora um fator crucial que custou a vida de Gustavo. Os investigadores elucidaram que a moto estava no nome do motorista e a perícia apontou que não havia como Gustavo estar baleado e, ao mesmo tempo, arremessar o simulacro, destacando também a ausência das digitais de Gustavo na arma.
É notável destacar que o suposto simulacro foi entregue especificamente ao policial que matou Gustavo Henrique, além dos dados de uma criança listada como uma das principais testemunhas oculares do ocorrido terem sido recolhidos e repassados ao assassino, não para a Polícia Civil, que chegou a ela por meio de investigação própria. O piloto da moto, Gustavo Matheus, relatou ainda que foi ameaçado, demitido do antigo emprego devido ao medo de seu chefe e, ao abrir uma barbearia, várias viaturas com cães apareceram e um policial disse que o próximo seria ele.
Linha de defesa negligenciou a dor da família
No tribunal, uma mudança significativa ocorreu em relação à narrativa apresentada pelos dois policiais presentes na “blitz” e pelos advogados do réu, abandonando a tese de que Gustavo estaria portando um simulacro.
Curiosamente, nenhum policial quis assumir a responsabilidade de afirmar que um dos jovens estava em posse do objeto e passaram a justificar que na região de Ceilândia e Samambaia é muito perigoso, logo é comum encontrar simulacros nas ruas, uma percepção equivocada que, por sua vez, contribui para a perpetuação de preconceitos contra as periferias e seus moradores.
As testemunhas do acusado eram formadas apenas por policiais que não estavam no momento do ocorrido e, a partir de seus discursos idênticos, explicitam o corporativismo e o protecionismo entre os colegas de farda.
Apesar de a própria defesa reconhecer a ação como desastrosa, a argumentação se baseou na linha que o réu agiu por medo, é pai e tem uma família.
Essa linha de defesa negligencia a família da vítima, os sonhos interrompidos do jovem e o impacto devastador sobre seus entes queridos.
Mesmo com todas as evidências e testemunhas indicando o contrário, o policial foi surpreendentemente absolvido.
Neste momento, ecoamos a longa reivindicação do movimento negro brasileiro e do Black Panther Party: queremos ser julgados pelos nossos pares, por pessoas negras da nossa quebrada.
A representação na justiça é fundamental para garantir um julgamento imparcial e justo. Em um esforço para retificar decisões absurdas como a do dia 14 de novembro e combater a impunidade. O movimento negro permanece firme ao lado das vítimas e suas famílias.
Essa decisão chocante agora confronta a família de Gustavo, que já enfrentava a dor insuperável da perda, com a injustiça da absolvição, como se Gustavo tivesse morrido mais uma vez.
A situação se agrava quando se observa a insensibilidade dos advogados e policiais presentes diante do luto dos familiares. No momento em que algum familiar chorava, a falta de empatia era evidente, como se não tivessem direito ao processo de luto.
Violência policial
A violência policial atingiu um pico alarmante no Distrito Federal, sendo 2023 o ano mais violento dos últimos cinco anos, demonstrada não apenas pelo caso de Gustavo, mas também por uma série de incidentes envolvendo vítimas negras.
Na última semana, Fabrício Ferreira da Silva, sofreu uma ação truculenta em um ônibus. Na Rodoviária do Plano Piloto, uma vendedora ambulante teve uma espingarda apontada em seu rosto. Na UPA de São Sebastião, após expressar sua insatisfação com a demora no atendimento, uma mulher foi violentamente empurrada por um policial. Carlos Gabriel Teixeira, de 18 anos, foi alvejado em uma ação policial no Núcleo Bandeirante, mesmo estando desarmado.
É urgente a desmilitarização da polícia, mas enquanto isso não acontece, medidas como câmeras corporais nas fardas são necessárias, porém, esse projeto está suspenso no DF.
Entretanto, essa instituição segue recebendo aumento no salário, mais armamento e baixa punição, em um demonstrativo de que essas ações não são desestimuladas pelo Estado.
No Brasil, o crime que mais parece compensar é tirar a vida de um jovem negro e, enquanto houver impunidade, as vidas negras seguem em perigo.
Em contraste, podemos observar o caso de Nahel, um jovem francês de 17 anos morto na França, que mobilizou toda a nação. O principal jogador do país, Mbappe, e até mesmo o presidente Macron, expressaram solidariedade.
Aqui, mesmo diante do crescente número de mortes em blitz em nível nacional, figuras importantes não tomaram medidas, mas Gustavo Henrique não será reduzido à estatística.
No dia 14 de novembro, o grito por justiça se intensificou para uma chamada para ação, exigindo mudanças agora!
Para aqueles que desejam se manter informados sobre esses casos, atualizações estarão disponíveis nas páginas Pelas Vidas Negras DF e Justiça pelo Gustavo.
*Samuel Vitor, integrante do Pelas Vidas Negras DF, coordenador da Rede Emancipa e estudante de Direito e Sociologia.
**Revisado por Thaiane Miranda dos Santos, integrante do Pelas Vidas Negras DF e estudante de História.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino