Distrito Federal

Déficit na educação

Mães e crianças ficam vulneráveis com a falta de vaga em creches no DF

Movimento critica déficit de 16 mil vagas e aponta que problema retira mulheres do mercado de trabalho

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Fernanda Braga, de 28 anos, teve seus filhos gêmeos separados na seleção para creche - Acervo pessoal/Reprodução

A falta de vagas em creches no Distrito Federal (DF) deixa mães e crianças em situação de vulnerabilidade e tem retirado mulheres do mercado de trabalho. Esse é o caso da recém-formada psicóloga Fernanda Braga, de 28 anos, que é mãe do Miguel, de 3 anos, e dos gêmeos Jorge e Lorenzo, de 1 ano e 7 meses. 

Ao pleitear duas vagas para os mais novos, em um local perto de sua casa, a moradora da Ceilândia conta que o sistema distrital separou os gêmeos, colocando as crianças em creches separadas, com 4,5 km de distância uma da outra. A Lei 13.845/19 garante que irmãos da mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica estejam na mesma escola, e que esta seja próxima da residência familiar. 

Sem condições de levar Lorenzo para a creche que lhe foi correspondida, ela afirma que deixou de trabalhar para ficar com o filho. “Esse ano todo o Jorge foi para a educação infantil e o Lorenzo não. Eu não pude e não consegui trabalhar, e fiquei com meu filho. Estou parada em casa desde então”, comenta. 

No sistema distrital de educação infantil, os procedimentos para preenchimento de vagas são os seguintes: a pré-inscrição, a validação, a classificação, o encaminhamento e a matrícula. Nesse processo, mãe, pai ou responsável interessados na vaga deve telefonar para Central Única de Atendimento Telefônico (no número 156) e entregar uma papelada com nove documentos à Coordenação Regional de Ensino.

A classificação é definida a partir dos critérios “renda familiar”, “mãe trabalhadora”, “família de baixa renda”, “medida protetiva”, “risco nutricional”, “mãe adolescente” e “tempo de inscrição”. Cada um dos critérios têm especificações que correspondem a uma pontuação. 

É nesta etapa que um “ranking” com as pontuações dos inscritos é definido. E foi essa lista classificatória que separou os meninos: um ficou em 12º colocado, ocupando uma vaga no Centro de Educação da Primeira Infância Flor de Pequi. E o outro na sequência, em 13º, e acabou classificado para uma instituição que fica no sentido oposto da casa de Fernanda, dentro da mesma região administrativa. 

“A creche para mães que não têm rede de apoio é a maior rede de apoio que existe. Quando consegui colocar Miguel na educação infantil, a creche foi minha salvação e as pessoas que trabalhavam naquela instituição foram uma rede de apoio”, explica Fernanda.

Hilma Santana do Nascimento, de 37 anos, vive uma situação parecida. Mãe de uma menina de 2 anos e quatro meses, ela conta que aguarda uma vaga para a filha desde que a menina tinha 6 meses. “A falta de creche para minha filha dificulta minha vida, fica muito difícil poder trabalhar. Se eu tivesse a vaga, poderia trabalhar com emprego formal, atualmente estou informal”, comenta a moradora de Sobradinho. 


Hilma Santana está na espera para uma vaga na creche para sua filha há quase dois anos / Acervo pessoal/Reprodução

Ela conta ainda que chegou a fazer medida protetiva, ir à Defensoria Pública e mesmo assim a filha não foi contemplada – nem com vaga na creche pública, nem com vaga em creche conveniada e nem com cartão creche, que são modalidades oferecidas pela rede de ensino do DF.  

“Fiz a inscrição, liguei no 156, fiquei guardando, fiz medida protetiva, entrei na defensoria pública, que determinou que minha filha fosse matriculada na creche, e mesmo assim ela não foi contemplada”, lamenta. 

O mesmo processo foi feito pela mãe dos gêmeos. “Estou lutando desde fevereiro pela vaga do meu filho”, explica Fernanda, acrescentando que procurou o Conselho Tutelar, abriu processo na Defensoria Pública em abril, e, na sequência, recorreu à Justiça, que lhe deu decisão favorável: “quando houver vaga na mesma instituição, Lorenzo deve ser matriculado”.

Outra questão em comum entre Hilma e Fernanda é que ambas acabaram se juntando ao Movimento Autônomo de Mães Ativistas (MAMA) para lutar pela inserção de seus filhos na educação infantil do DF. “Esse grupo me deu um pouco de esperança de saber que não estou sozinha”, comenta a psicóloga. 

O MAMA surgiu em 7 de maio de 2021, durante a pandemia, quando um grupo de mães na Bahia se juntou para cobrar que mulheres lactantes entrassem como grupo prioritário na vacinação contra a covid-19. 

“Éramos o ‘Lactantes Pela Vacina’, um movimento que tomou conta do Brasil, conquistando uma série de leis municipais e federais pela vacinação prioritária de lactantes”, explica Rosilene Costa, umas das lideranças do grupo a nível nacional e no DF. 


Rosilene Costa está à direita do deputado distrital Fábio Felix entregando a carta pública do MAMA / MAMA DF/Reprodução

Em oito dias de movimento, em 15 de maio daquele mesmo ano, mulheres de 22 estados já haviam se juntado ao grupo e alguns destes locais já iniciavam a vacinação de lactantes com ou sem comorbidades. 

No DF, o movimento juntou na ocasião cerca de 600 mães, segundo Rosilene. Ela acrescenta ainda que a pauta da vacinação era pontual e se encerra no momento da conquista. “Percebemos então que a luta das mães não podia se encerrar ali, e foi quando a gente chegou ao MAMA”. 

Cada estado ou município tem sua própria pauta. No DF, a principal demanda agora é o acesso a creches. 

Mais de 16 mil crianças sem creche

Se antes o acesso a creche e pré-escola não era um dever constitucional do Estado, o entendimento mudou em setembro de 2022, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a educação infantil é um direito fundamental do qual o estado ou distrito – no caso do DF – tem o dever de assegurar vagas em creches e na pré-escola às crianças de até cinco anos. 

A corte ainda decidiu que esse direito é de aplicação direta e imediata, sem que haja a necessidade de regulamentação pelo Congresso Nacional. Além disso, a oferta de vagas para a educação básica pode ser reivindicada na Justiça por meio de ações individuais. 

“Quando observamos a situação do atendimento das crianças da primeira infância do Distrito Federal, percebemos que não há cumprimento do previsto na Constituição Federal e assegurado pelo Supremo Tribunal Federal”, escreve o MAMA DF em carta aberta do dia 20 de outubro. No documento, o movimento ainda traz dados da Secretaria de Educação sobre crianças sem atendimento em 2023:

• Berçário 1 - 2.349 vagas

• Berçário 2 - 8.237 vagas

• Maternal 1 - 3.022 vagas

• Maternal 2 - 2.469 vagas

O déficit total de vagas demandadas ultrapassa 16 mil crianças. A carta destaca ainda que no último período da creche, o maternal 2, são 2.469 crianças que tiveram o “direito à educação negado na primeira etapa de suas vidas”, já que na etapa seguinte elas já estarão na pré-escola. 

“Se a criança não consegue a vaga, você tem uma situação de vulnerabilidade, como é a que temos hoje no DF. Crianças que ficam com a mãe, que deixa de trabalhar, ou, quando possível, ficam com a tia ou avó. Essa é uma situação de vulnerabilidade”, diz Rosilene. 

A taxa de escolarização em creche, de acordo com o Mapa Social da Educação, Assistência Social e Saúde, do Ministério do Distrito Federal e Territórios, é de 21,84% em relação à meta do Plano Nacional de Educação, que quer garantir 100% de adesão de crianças em idade escolar do berçário ao maternal. 

Na carta pública do MAMA, 15 pontos de reivindicações são elencados, dentre os quais a ampliação do número de vagas em creches e escolas de tempo integral, a oferta de creches e escolas em tempo integral e tempo parcial, a transparência nos critérios de pontuação e a fiscalização das creches conveniadas. Leia o documento completo aqui

O movimento aponta ainda para o “excesso de burocracia” já que as famílias que querem cadastrar suas crianças no sistema devem apresentar uma cópia de nove documentos na regional de ensino. 

“Esse procedimento é arcaico e oneroso, quando vivemos na era digital. Até mesmo contas bancárias são abertas com documentos digitalizados, mas a Secretária de Educação exige documentos físicos, que além do descaso com o meio ambiente, são um problema para famílias que muitas vezes não dispõem de dinheiro para fazer as cópias”, diz o documento. 


Integrantes do MAMA DF ao lado do secretário executivo da Educação Isaias Aparecido da Silva / MAMA DF/Reprodução

Questionada, a Secretaria de Educação do DF afirmou que “trabalha de forma incessante para assegurar o direito à creche” e que atualmente “26.782 crianças de 0 a 3 anos são atendidas em 199 creches públicas no DF”. 

Leia a resposta na íntegra: 

“A Secretaria de Educação do DF informa que trabalha de forma incessante para assegurar o direito à creche. Atualmente, 26.782 crianças de 0 a 3 anos são atendidas em 199 creches públicas no DF. Entre as ações empreendidas, a Pasta destaca:

- a ampliação da oferta de vagas. Até 2024, a SEEDF prevê a entrega de 17 novos Centros de Educação da Primeira Infância (CEPIs);

- chamamento Público contínuo para oferta de educação infantil pelas OSC parceiras;

-  implementação e ampliação do Cartão Creche;

- o novo Manual das Creches, com atualização dos critérios de pontuação e, consequentemente, mais celeridade à dinâmica da fila.

A SEEDF esclarece ainda que os documentos necessários para realização do recadastramento na fila de creches são os mesmos para todas as regionais de ensino e estão indicados no novo Manual das Creches, publicado em 12 de setembro de 2023. A forma de atendimento de recadastramento variou de acordo com a Coordenação Regional de Ensino (CRE) em que o responsável aguarda uma vaga.

Para revalidação dos documentos, a mãe, o pai ou responsável legal precisava comparecer na respectiva Coordenação Regional de Ensino, portando uma cópia e o original dos seguintes documentos:

• Certidão de nascimento ou documento de identificação da criança com foto;

• Caderneta de saúde da criança com tipagem sanguínea;

• CPF da criança;

• CPF da mãe, do pai ou do responsável legal;

• Carteira de Identidade da mãe, do pai ou do responsável legal;

• Comprovante de residência da mãe, do pai ou do responsável legal ou declaração de próprio punho;

• Documentos que comprovem os Critérios de Prioridade para o Atendimento, constantes

no Quadro 01 deste Manual;

• Documentação comprobatória do quantitativo de filhos mencionados na inscrição (Certidão de nascimento);

• Declaração de responsabilidade legal, caso seja necessário.

A SEEDF reforça que o prazo para o recadastramento nas creches da Secretaria de Educação do Distrito Federal se encerrou nesta quinta-feira (16), mas as famílias que perderam o prazo ainda podem comparecer nas respectivas regionais em que estão inscritas para revalidar os documentos e serem inseridas na fila.”

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Edição: Márcia Silva