Conen tem sido conselho das e para as CTs, repassando integralmente a verba que gerencia para elas
A 626ª Reunião Extraordinária do Conselho de Política sobre Drogas do Distrito Federal (Conen), realizada na manhã do dia 27 de outubro, foi convocada com a pauta única de “Deliberação e aprovação da minuta de proposta de edital de credenciamento para a contratação de serviço de acolhimento de pessoas”.
No entanto, a convocação da reunião foi realizada no dia 24 de outubro, por volta de 16h, desrespeitando o prazo de convocação previsto pelo próprio regimento da entidade (Portaria n° 17, de 05 de setembro de 2011): Art. 14 – A convocação das reuniões será feita pelo Presidente, ou a pedido da maioria simples do colegiado, com antecedência mínima de três dias úteis.
O intervalo entre a convocação para a reunião e seu início foi de 65 horas, 7 horas a menos do que às 72 horas previstas no Regimento do Conen. A própria minuta não estava finalizada, precisando ser editada conforme manifestação da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) sobre a “possibilidade de contratação, por meio da nova lei de licitações, na modalidade inexigibilidade de licitação”.
Em ata, ainda é possível constatar que o parecer da PGDF foi positivo, mas teve algumas ressalvas e exigia “modificações que já estão em curso, com vistas à última versão do documento”. Ou seja, o Conen deliberou e aprovou algo que não estava finalizado.
A minuta aprovada virou o Edital nº 12/2023 da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (SEJUS). A título de informação, no Diário Oficial do DF, o Edital possui 19 páginas, com duas colunas de texto em cada e letra pequena. Os e as conselheiras tiveram, portanto, menos de 72 horas para lerem e analisarem tudo isso. Logo, o tempo reduzido e insuficiente - sem contar o descumprimento regimental - para a avaliação de um documento grande como este e a discussão de um Edital não finalizado são pontos marcantes que colocam suspeitas sobre o próprio processo e o Edital.
Ainda quanto ao Edital, apesar de dizer que se volta à contratação, sem licitação, de serviço de acolhimento de pessoas, concretamente, é um Edital para contratação e repasse de verba pública para Comunidades Terapêuticas (CTs).
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E o dito “acolhimento” das CTs é, na verdade, manicomialização, segregação. Ou seja, o Conen descumpriu o seu regimento para repassar dinheiro para as CTs.
A referida modalidade está prevista no ordenamento jurídico no artigo 25 da Lei nº 8.666/1993, indicando os casos específicos em que ela poderá ser utilizada. A justificativa para o uso dessa modalidade de contratação foi “a necessidade de continuidade do serviço de acolhimento das Comunidades Terapêuticas, considerando que a vigência atual do contrato é até dezembro/2023”. Ainda foi destacada “a necessidade de celeridade quanto à análise da minuta, visto que era necessário encaminhar e dar os andamentos devidos da pauta, e considerando o tempo exíguo até a finalização da atual contratação, visando que a população não fique desassistida”.
As falas registradas em ata deixam explícito que o uso da inexigibilidade de licitação está relacionado ao prazo dos contratos já estabelecidos pela Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (SEJUS) com as CTs e não segue a Legislação que prevê esse tipo de contratação entre a administração pública e entes privados.
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Além disso, é importante destacar que, ao longo da Décima Reunião Ordinária de 2023, do dia 05 de outubro, foi discutido o fluxo processual para as prestações de contas anuais dos contratos com as CTs e, conforme ata, a Diretoria de Prestação de Contas ainda está finalizando a análise das contas do ano de 2019!
Ou seja, o Conen está liberando mais dinheiro público para as CTs, mesmo sem saber se tal verba tem sido utilizada correta ou legalmente.
Se ainda não existe análise concluída das prestações de contas desde 2019, como pode o Conen e a Sejus justificar a utilização da inexigibilidade de licitação para “garantir a continuidade dos serviços prestados à comunidade” no ano de 2023?
Através da ata da reunião temos outros indícios de como e porque este Edital foi aprovado, mesmo com irregularidades. O Conen tem sido um conselho das e para as CTs, repassando integralmente a verba que gerencia para elas.
Ainda foi apontado que a minuta do Edital foi “construída a partir da experiência com as CTs, e a partir dos achados e informações dos gestores e da comissão de monitoramento (fiscalização)”. A ideia, então, foi aprimorar o Edital, “com o serviço que gostaríamos de oferecer à população do DF”.
Mas como aprimorar o serviço que as CTs oferecem a população se a população não tem voz dentro do Conen e vemos constantemente na mídia casos de violência nas CTs?
A própria composição do Conselho já indica que é predominantemente formada por pessoas que representam os interesses do GDF, significando, na prática, que a posição do GDF prevalece independentemente de opiniões divergentes na apreciação das matérias. E a posição do GDF tem sido a posição das CTs - vice-versa.
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O Conen, mais uma vez, pretende destinar a totalidade dos recursos públicos gerenciados por ele para uma única estratégia de “cuidado” - manicomial, não governamental -, não respeitando diretrizes e objetivos da própria Política Distrital sobre Drogas, tais como:
“X - estimular a criação de Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas - CAPS-AD nas regiões administrativas do Distrito Federal, inclusive para atendimento a crianças e adolescentes;
XI - definir políticas de fiscalização do cumprimento dos protocolos de tratamento ao usuário de álcool ou outras drogas na rede de assistência do Sistema Único de Saúde – SUS”
Os questionamentos quanto à destinação total de verbas públicas a uma única estratégia - manicomial, não governamental - foram feitos por conselheiras e conselheiros, que pediram vistas da minuta do Edital para análise em tempo adequado - seguindo o próprio Regimento do CONEN. Contudo, a presidenta negou tais pedidos e deu prosseguimento à votação, descumprindo, mais uma vez, o Regimento do Conen.
Foi, portanto, aprovado um Edital para: 1) financiar ainda mais as CTs do DF com verba pública; 2) escapar do processo de licitação; 3) sem sequer haver análise de prestação de contas dos anos anteriores; e 4) descumprindo o Regimento do Conen, ou seja, feito de maneira irregular.
Se há tanta pressa para manter o cuidado dos usuários, por que não há repasse de verba para instituições públicas, como os CAPSad, as Unidades de Acolhimento e o fortalecimento da RAPS?
Considerando tudo isso, requeremos a anulação do Edital 12/2023!
Pelo fim do repasse público às Comunidades Terapêuticas!
Pelo fim das Comunidades Terapêuticas!
Por um DF e sociedade sem manicômios!
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*Débora Couto, Daniel Monteiro e Pedro Costa são membros do Grupo Saúde Mental de Militância do Distrito Federal UnB.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Márcia Silva