Distrito Federal

Fim da violência

Casa Ieda Santos, referência para vítimas de violência no DF, busca sede definitiva

DF registra altos índices de feminicídio, até outubro deste ano 30 mulheres foram assassinadas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Casa Ieda é um local de referência para vítimas de violência doméstica - André Ribeiro

Após ser alvo de dois despejos no ano anterior, a Casa Ieda Santos segue na busca por uma sede definitiva. O espaço é referência para vítimas de violência doméstica no Distrito Federal e, segundo a coordenadora Thaís Oliveira, a intenção é torná-lo parte da Rede Distrital de Proteção à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.

“Nosso objetivo é fazer parte da rede, fornecendo informação, fazendo contato com órgãos como Conselho Tutelar, CRAS e CREAS, e acolhendo mulheres que são vítimas de violência doméstica”, explica Thaís, que é servidora pública e militante do Movimento de Mulheres Olga Benário há 10 anos.  

A violência contra a mulher no Distrito Federal chama atenção, até outubro deste ano, 30 mulheres haviam sido vítimas de feminicídio, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública. Se comparado com o mesmo período em 2022, houve um aumento de mais de 85%, com 16 mulheres mortas.

Esse cenário, junto com a constatação da falta de políticas públicas, mobilizou o movimento a organizar a casa de acolhimento e buscar a sede definitiva no DF. A Casa Ieda é a 13ª ocupação do grupo no país e a primeira a ser realizada na região Centro-Oeste. 

Ato público 

Quando completou um ano do primeiro espaço ocupado pelo movimento no DF, no último dia 24 de outubro, uma nova ocupação foi realizada no lote 21 da quadra 603 Sul. “Achamos um terreno com uma pequena construção, local acessível, na frente de um ponto de ônibus, próximo da rodoviária do Plano”, explica Thaís. 

O local estava “erroneamente” na lista de patrimônios da União, há anos sem ser utilizado, segundo ela conta. O edifício é, na verdade, do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). 

Então o Movimento Olga, junto com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), fez um acordo com o IAB: desocupar o espaço e buscar, de forma conjunta, uma nova e definitiva sede para a Casa Ieda. Thaís afirma que o Instituto ainda “buscou soluções” para as mulheres que estavam abrigadas no local até aquele momento. 

“Isso foi inédito, geralmente quando o dono sabe que sua propriedade foi ocupada é reintegração de posse na hora.”

Ali naquele mesmo espaço, um ato foi realizado no último 31 de outubro em prol da sede definitiva. O encontro reuniu ativistas, jornalistas, sindicalistas e representantes de instituições do DF, além do deputado distrital Max Maciel, do PSOL DF. 

Após essa manifestação pública, o movimento se reuniu com a Superintendência de Patrimônio da União (SPU), que se comprometeu a identificar e destinar uma sede definitiva à Casa Ieda.

Histórico da luta 

A Casa Ieda nasceu em 24 de outubro de 2022, em uma ocupação da Casa de Cultura do Guará II, interrompendo um abandono de mais de 10 anos da área, que é pública e pertence ao Governo do DF. O espaço foi então revitalizado, contando com uma horta orgânica comunitária plantada na área externa da casa. 

Era segunda-feira, 21 de novembro do mesmo ano, quando a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) promoveu a desocupação do local pela primeira vez. Samara Mineiro, uma das coordenadoras da casa, que acompanhava o caso na Delegacia de Polícia, relatou o caso na ocasião. 

"Eles invadiram a casa, sem nenhum tipo de mandado judicial, prenderam e agrediram a Thaís e começaram a fazer a retirada dos móveis e objetos pessoais do local, sem a nossa presença.”

O segundo despejo ocorreu na manhã do dia 21 de dezembro, a poucos dias do feriado de Natal, ordenado pela Administração Regional do Guará. O grupo que estava na casa no momento teve que deixar o local embaixo de chuva, levando roupas, pertences pessoais e alguns alimentos. Camas, colchões, travesseiros, eletrodomésticos e outros itens foram colocados em um caminhão e levados pela administração. Até hoje, o movimento não conseguiu reaver os objetos. 

Processo de acolhida 

O primeiro contato das mulheres com a Casa Ieda se dá geralmente pela internet, por meio do Instagram, de acordo com Thaís. O espaço conta sempre com uma coordenadora para fazer a acolhida das vítimas. 

Ao chegar no local, a mulher tem à sua disposição um banho, um quarto e comida. Uma vez que esteja descansada, começa o processo de recepção – tarefa que geralmente envolve psicóloga e advogada voluntárias. Neste momento, é realizada uma ficha relatando a situação – esse procedimento de relatoria evita que a mulher tenha que repetir sua história, evitando assim a chamada “revitimização”. 

Na sequência, o grupo de voluntárias e a vítima elaboram juntas um plano de ação personalizado para o caso. Por exemplo, o plano vai variar se a mulher tem família em outro estado, se ela não sabe ler ou escrever, se ela tem filhos, etc. “Tem um plano diferente para cada caso e o objetivo é recuperar a moral e dignidade para essa mulher”, diz Thaís. 

Referência 

Uma das principais referências para a Casa Ieda é a Casa de Referência da Mulher Tina Martins, que fica na região centro-sul de Belo Horizonte. Fundada em março de 2016, trata-se da primeira ocupação do Movimento Olga e a primeira ocupação de mulheres da América Latina. 

O espaço foi ocupado no centro da capital mineira em 8 de março de 2016, como uma reivindicação de mulheres por mais abrigos e políticas públicas para vítimas de violência. Pouco antes da ação, um feminicídio cometido dentro de uma das ocupações coordenadas pelo MLB motivou as mulheres a se organizarem.

Atualmente, o local faz parte da rede de enfrentamento à violência de Belo Horizonte e, embora não receba apoio financeiro ou de donativos nem do estado e nem da prefeitura, a Casa acolhe mulheres que são encaminhadas pelos órgãos públicos, como a Delegacia Especializada, o CRAS ou CREAS.

Quem foi Ieda Santos

A 13ª ocupação do Movimento Olga Benário foi batizada de Casa Ieda Santos Delgado em homenagem à militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) durante a ditadura militar, que se formou em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Brasília (UnB) em 1969. 

Devido à sua atuação política, iniciada ainda no movimento estudantil, Ieda foi presa e desaparecida pelo regime em abril de 1974. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Ieda foi torturada, morta e enterrada por agentes do Estado brasileiro.

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Edição: Flávia Quirino