8 de janeiro é resultado de uma década de ascensão da direita
Em 2018 uma faixa estampada na entrada da favela da Rocinha (RJ) anunciava: “Se Lula for preso o morro vai descer”. Teve grande repercussão na mídia. Contexto: governo Dilma contido por um golpe, Lava Jato em alta, Sérgio Moro pousando de herói, Bolsonaro chamado de mito pela extrema direita - deixando de ser um candidato improvável e fanfarrão para se tornar a bola da vez da direita nacional.
A frase na faixa da Rocinha soou como chamado para uns, ameaça para outros. Fato é que teve efeito. Mas, apesar de alguns protestos, o povo não desceu... o golpe não foi impedido pela luta popular. Lula passou 580 dias na prisão, foi impedido de disputar a eleição e Bolsonaro foi eleito. Desde 2016, a cartilha de nova modalidade de golpe vinha sendo implementada no Brasil, que envolve lawfare e, no caso brasileiro, uma participação ativa dos militares no protagonismo das disputas políticas.
A Lava Jato vem sendo desconstruída pela Vaza Jato, o que não impediu que Sérgio Moro tenha se tornado senador da república. O promotor Deltan Dallagnol foi destronado da cadeira de deputado por um erro mais primário, e não pelos crimes que cometeu coordenando a força tarefa da Lava Jato.
Passadas as CPIs da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) e do Congresso Nacional, com toda a documentação arrolada, temos a evidência que o que aconteceu no 08 de janeiro de 2023 foi uma tentativa de golpe, não foi tumulto circunstancial, nem turba descontrolada, foi premeditado, anunciado, convocado, envolveu financiamento de empresários – em grade parte do setor do agronegócio – e conivência e apoio dos militares.
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Não vingou a manobra golpista. A reação imediata do governo Lula foi eficaz como tática de contenção.
Todavia, olhando para trás, observando como a extrema direita operou para derrubar o governo da primeira Presidenta eleita do Brasil, impedir que o Presidente mais popular da história brasileira disputasse as eleições de 2018, e depois de assentada no poder agisse em prol do desmonte de estruturas democráticas até o ponto de boicotar previamente as eleições, de agora em diante, o que está em jogo é o que fazer para desmontar a estrutura do neofascismo que se instalou e cresceu no Brasil durante a última década, de 2013 à 2023.
O que está em jogo?
Ou seja, o que está em perspectiva nesse terceiro governo Lula não é somente como impedir que novamente um protesto na Esplanada “descambe” em tentativa de golpe, é como desmontar a estrutura de poder que envolve a fábrica de fake news, agindo em parceria com frações do judiciário brasileiro, com apoio de parte do Poder Legislativo, e suporte econômico empresarial, além de suporte de órgãos de inteligência de outros países – não nos esqueçamos do grampo do governo Obama sobre Dilma quando da descoberta das gigantescas bacias do Pré-Sal brasileiro.
Vai prevalecer a tradição conciliatória, o 'passa pano' que mantém no poder os de cima e pune exemplarmente os de baixo?
Vai prevalecer a expectativa ingênua de que é possível conciliar no Congresso Nacional e apaziguar a mídia empresarial distribuindo recurso de verba publicitária?
Nos quartéis continuará sendo tolerado que o Golpe de 1964 – que iniciou uma ditadura que durou 21 anos – possa ser chamado de revolução?
Como as escolas e universidades vão trabalhar o que significa esta última década da história brasileira, à luz de nossa tradição política conservadora, autoritária?
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e demais movimentos sociais brasileiros vão prevalecer sendo alvos de simulação dos treinamentos das forças de segurança, conforme a doutrina do inimigo interno e da “ameaça comunista”?
As medidas punitivas de passados autoritários e dos algozes de massacres e torturas constituem uma frente fundamental, como a Argentina deu exemplo, no sentido oposto do Brasil que optou pela chave da anistia geral ao final da ditadura.
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Porém, a eleição de Javier Milei nos mostra que o passado autoritário não está enterrado, e as medidas jurídicas de um tempo histórico não sustentam, por si, as barreiras de contenção da ascensão do fascismo.
Ações estratégicas estruturais
A convergência de fatores econômicos, políticos e sociais que operam como gatilho para a ascensão da extrema direita demandam daqueles que defendem a democracia não apenas medidas pontuais de efeito, notas de repúdio, atos políticos, mas ações estratégicas estruturais, que possam punir os grandes responsáveis, e não apenas os agentes de campo, e mudar a cultura política de uma população refém de personas públicas reacionárias, de celebridades com discursos de efeito, que mobilizam o ressentimento das massas.
Se podemos aprender com nossa história e a de países vizinhos, além do caso argentino, vale lembrar a primeira tentativa de golpe que sofreu Hugo Chavez, na Venezuela, em 2002.
A reversão da manobra política, militar e midiática se deu por meio da mobilização urgente de milhares de pessoas, por meio de rádios comunitárias, de mobilizadores com capacidade de agitação e organização em seus territórios, que foram capazes de se contrapor ao discurso de cobertura do golpe, e pela luta popular e com apoio de parte das forças armadas que não se subordinaram ao golpe, conseguiram reverter a prisão do presidente e a farsa da renúncia.
O que fazer?
No caso brasileiro, já aprendemos que não basta inflação controlada e PIB em crescimento para segurar o ímpeto golpista da direita brasileira.
Há trabalho a ser feito na construção de elos mais fortes com forças populares organizadas, que passa pelo diálogo com movimentos sociais – por meio não apenas do atendimento imediato de suas pautas, mas pela construção coletiva de um projeto popular; pelo investimento em parcerias sólidas com universidades e institutos federais e estaduais; pelo fortalecimento da rede nacional de comunicação pública e de redes locais e regionais de comunicação comunitária e popular.
O equívoco será medir o sucesso do governo pela comparação com a desestabilização do governo de extrema direita de Bolsonaro. Por essa régua o terceiro governo Lula sempre aparecerá bem na fita, entretanto, outro parâmetro se faz mais urgente: a avaliação do governo pela capacidade de suas medidas desmontarem ou enfraqueceram o neofascismo a tal ponto que ele não retorne mais forte como ameaça à democracia em curto ou médio prazo pelas vias legais ou ilegais.
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*Rafael Villas Bôas é jornalista e professor da Universidade de Brasília.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Flávia Quirino