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Há 11 meses sem respostas, caso Carlos Gabriel é uma das 78 denúncias de violência policial recebidas pela CLDF em 2023

Relatório mostra que casos quase dobraram em relação a 2022

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Formação mais humanizada dos policiais é apontada como uma das possíveis soluções para o problema - Renato Alves/Agência Brasília

Há mais de 11 meses, a família de Carlos Gabriel aguarda respostas sobre a abordagem que ceifou a vida do jovem negro, assassinado por policiais civis no Núcleo Bandeirante, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão. Os disparos aconteceram em 15 de fevereiro de 2023 e atingiram Carlos nas costas e na perna. O jovem havia acabado de completar 18 anos e estava desarmado. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ofereceu denúncia contra o policial acusado de efetuar os tiros, mas o pedido foi negado pela Justiça.

O caso de Carlos Gabriel faz parte das 78 denúncias de violência policial recebidas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) em 2023. O número é quase o dobro de 2022, quando foram registradas 40 denúncias. Há uma tendência de crescimento desse tipo de violação registrada ao longo dos anos. Os relatórios de 2021 e de 2020 apontam, respectivamente, 28 e 11 casos denunciados. Ou seja, em três anos, as denúncias aumentaram sete vezes.

O presidente da Comissão, deputado distrital Fábio Félix (PSOL), destacou duas características da violência policial no DF: a territorialidade e a atuação de grupos especializados, como os grupos táticos da Polícia Militar. “Nesses dois casos, há alvos específicos. Especialmente jovens negros, pessoas em situação de vulnerabilidade”, afirmou ao Brasil de Fato DF.

O que diz o relatório

As denúncias registradas no relatório da Comissão de Direitos Humanos da CLDF apontam desde práticas discriminatórias, ameaças, abordagens truculentas e perseguição, até prisão ilegal e mortes. Segundo o documento, foram denunciadas três ocorrências com vítimas fatais, dentre elas, a de Carlos Gabriel. Além dele, o relatório registra o caso de jovens mortos por policiais militares após perseguição policial na rodovia DF-065 e o assassinato de uma pessoa em situação de rua, também por um policial militar. 


PCDF apura casos de morte por intervenção de agente do Estado / EBC

Este número, no entanto, pode ser maior, já que o relatório diz respeito somente aos casos denunciados diretamente à Comissão. De acordo com dados obtidos pelo Metrópoles por meio da Lei de Acesso à Informação, a Polícia Civil do DF (PCDF) registrou, somente de janeiro a outubro de 2023, 20 ocorrências de “morte por intervenção de agente do Estado”. 

O relatório de violência policial foi entregue ao secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar. A pasta deve investigar as denúncias e é obrigada a responder à Comissão sobre o andamento das investigações. Questionado pelo Brasil de Fato DF, o órgão informou que recebeu oficialmente a referida solicitação e encaminhou para as providencias cabíveis pelas forças de segurança”.

Segundo o deputado Fábio Félix, além das medidas de apuração nas corregedorias, é necessário que também haja ações de prevenção, como a implementação de uma formação mais humanizada dos policiais. “Para que haja uma voz ativa do Estado e não se naturalize a violência policial”, completou. 


Presidente da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, deputado Fábio Félix (PSOL) / Foto: Mateus Silva

A medida também é defendida pela articulação Pelas Vidas Negras DF. “A gente entende que como solução tem que reestruturar totalmente a formação dos policiais”, argumentou Samuel Vitor, representante do grupo, ao Brasil de Fato DF. 

Como ação a ser implementada em curto prazo, a organização defende a instalação de câmeras nos uniformes policiais. “É um ponto muito importante e que nacionalmente foi fundamental, por exemplo em São Paulo, para reduzir a violência”, explicou Samuel. 

Após pressão, o governo do DF iniciou a compra das câmaras em 2023, mas o processo foi interrompido com a suspensão, por tempo indeterminado, da licitação da PMDF, no valor de R$ 21 milhões.

Quase um ano sem respostas 

A articulação Pelas Vidas Negras DF, em conjunto com a Defensoria Pública do DF (DPDF), acompanha com preocupação o caso de Carlos Gabriel, que completa um ano em fevereiro. Em setembro do ano passado, a Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Núcleo Bandeirante rejeitou a denúncia feita pelo MPDFT contra o policial civil acusado de matar o jovem negro. Isso significa que o agente sequer será parte de um processo judicial em que poderia ser julgado por um tribunal do júri. 


Carlos Gabriel Teixeira tinha 18 anos quando foi morto com tiros nas costas e na perna em uma ação policial no Núcleo Bandeirantes  / Reprodução

“A gente percebe que, mais uma vez, estão colocando a vida de uma pessoa negra e periférica como menos valorosa e nem digna a ter investigação. Basicamente, a Polícia Civil disse isso: não é digna de ser judicializado, não é digna de passar por um processo legal como qualquer outra vida”, lamentou Samuel Vitor. 

A investigação do Ministério Público correu concomitante à da Corregedoria da PCDF, que concluiu que não havia elementos suficientes para o caso ser judicializado, já que o policial havia feito “uso legítimo da força”. O MPDFT, no entanto, entendeu que o agente acusado matou o jovem para evitar uma fuga e, por isso, o denunciou por homicídio qualificado. 

O Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (NDH) da DPDF considera que a decisão judicial de rejeitar a denúncia do MPDFT é uma situação de “evidente racismo institucional”, com a possibilidade de “impunidade da morte de um jovem que tinha a vida toda pela frente, mas foi morto por intervenção de agente de Estado”. 

O Ministério Público recorreu da decisão, mas o recurso ainda não foi julgado. O processo tramita em sigilo. A própria família Carlos Gabriel só teve acesso ao processo mais de 10 meses após a morte, por meio de mandado de segurança protocolado pela Defensoria.

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Edição: Flávia Quirino