A professora Fátima Correia Lopes é uma mulher negra, professora da rede pública do Distrito Federal há cinco anos e nesse período sempre procurou trabalhar no território que mora desde 2003 - a Estrutural, que é a região administrativa mais negra do DF e que neste sábado (27) completa 20 anos. “Eu acredito que o educador tem que vir do seu próprio território”, justifica Fátima, que atua na Escola Classe 1 da Estrutural e desenvolve um trabalho de educação antirracista, a partir do livro Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus.
“Na educação antirracista trabalho a identidade, autocuidado, autoestima e representatividade da criança preta”, observa a professora, que também é mãe de dois filhos e contou que durante a infância deles, ela sentiu falta de um trabalho de representatividade da pessoa preta. “A Estrutural é a cidade mais preta do DF e eu senti a necessidade de estar trabalhando a questão do racismo o ano todo”, aponta Fátima, destacando o projeto antirracista do qual faz parte.
O projeto consistiu na leitura do livro, roda de conversas com autores negros, oficina de turbante, roda de capoeira e também na escrita de um diário dos alunos, que no final do ano se transformou em um pequeno livro com desenhos e poesias dos alunos. “A escritora que fomentou nosso projeto foi a escritora Carolina de Jesus, que era uma mulher preta, mãe solo e catadora e eu achei que ela dialogava muito com a história das mães da Estrutural, que são mães dos alunos”, explica a professora.
Fátima Lopes lembra que a história de superação da escritora Carolina de Jesus, por meio de escrita é por si estimulante e seus alunos ficaram “encantados” com a história de vida dessa mulher preta. “Eu procuro inserir essa educação antirracista, trabalhando a autoestima deles, o auto cuidado, o cuidado com o outro. Então pudemos trazer a história do nosso povo preto o ano inteiro”, conclui.
20 anos de Estrutural
No dia 27 de janeiro de 2004 foi criado o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA) que foi transformado na XXV Região Administrativa do Distrito Federal e a Vila Estrutural como sua sede urbana. Atualmente a região conta com mais de 35 mil habitantes e uma população estimada em 35.801 habitantes, dos quais 75% são negros, conforme o Mapa das Desigualdades divulgado no ano passado.
Cerca de 15 km separam a Estrutural do Eixo Monumental, onde ficam as sedes dos do Brasil e do Distrito Federal, o que faz dessa região administrativa uma das mais próximas ao centro, graças à resistência de seus primeiros moradores. Brasília é uma das cidades mais segregadas do mundo, com a população negra morando majoritariamente longe do centro, mas a história da formação da Estrutural explica, em partes, o porquê de um território negro nessa localidade.
A formação da Estrutural tem sua origem a partir da instalação de catadores de lixo próximo ao Lixão da Estrutural, que existiu até 2018. Essas pessoas eram atraídas para esse território em busca da sobrevivência e ali começaram a construir seus “barracos” para moradia. Na década de 1980 foi aberta a rodovia DF-095, para ligar o Eixo Monumental a Taguatinga e a BR-070, o que contribuiu com o crescimento da então Vila Estrutural. Na década de 1980 foram feitas tentativas de remoção, que não tiveram sucesso graças a resistência dos moradores.
Para o pesquisador Guilherme Lemos a capital brasileira é mais segregada que Joanesburgo – maior cidade da África do Sul, que também foi planejada com a ideia semelhante de cidades satélites distantes do centro, para pessoas pobres e negras morarem. “A Estrutural é fruto de um novo processo de ocupação, de pessoas sem moradia e no geral essas pessoas são pretas ou pardas”, afirmao professor, destacando a resistência que simboliza a existência da Estrutural em um local que não foi planejado para pessoas negras morarem.
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Racismo estrutural e ambiental
Para a assessora técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Dyarley Viana, a Estrutural é uma resposta ao não planejamento dentro de uma cidade ‘planejada’ como Brasília, que não considerou o que fazer com as comunidades periféricas e o que se fazer com o lixo. “Esse é um tipo de pensamento muito racista. Do ponto de vista de gentrificação, de quem são as pessoas que vão morar nessa cidade planejada por JK, quem é que vai ocupar as margens dessa cidade e qual é a cor dessas pessoas”, questiona.
De acordo com Dyarley, que é a ex-catadora de materiais recicláveis, esse pensamento de que no Plano Piloto não haveria lixões e que se jogaria esse lixo mais distante, próximo de onde viveriam as pessoas negras e pobres faz parte de uma concepção de racismo ambiental - termo que vem sendo usado desde a década de 1970 nas discussões sobre a distribuição injusta dos recursos e riscos ambientais nos diferentes grupos étnico-raciais e suas consequências.
“É importante a gente pensar quem eram as pessoas que começaram a ocupar o que hoje é a Estrutural: pessoas majoritariamente negras, vinda do Nordeste, em busca de trabalho e encontram na catação uma forma de sobrevivência”, explica a assessora do Inesc, acrescentando que pessoas de outros grupos, com outras atividades que já estavam na luta pela moradia também se aproximam desses primeiros moradores e contribuem com a resistência que culminou na criação da cidade.
O racismo estrutural na Região Administrativa da Estrutural se faz presente sobretudo pelo acesso aos serviços públicos, como transporte, educação, saúde e lazer. “A Estrutural está há 15 minutos do Plano, mas é uma das cidades com a menor renda per capita e sofre muito com o estigma da violência e falta de serviços públicos”, analisa Dyarley, que é mulher negra e militante do movimento negro no DF.
O Brasil de Fato DF entrou em contato com a Subsecretaria de Políticas de Direitos Humanos e de Igualdade Racial, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça e Cidadania no DF, para saber quais políticas antirracistas o GDF vem desenvolvendo, mas até o fechamento desta matéria a pasta não havia respondido.
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Edição: Flávia Quirino