Cerca de 600 estagiários que participam do Programa Jovem Candango serão convocados pelo Governo do Distrito Federal (GDF) para auxiliar nas tendas de hidratação montadas para atender pessoas com sintomas de dengue. A convocação foi anunciada pela Secretaria da Família e Juventude (SEFJ) na semana passada.
Entidades ligadas à educação e à proteção dos direitos de crianças e adolescentes criticam a medida, que consideram uma forma de expor os jovens à condição de trabalho insalubre. A Secretaria afirmou que vai garantir a segurança sanitária dos adolescentes.
Para Raissa Menezes, integrante do Centro de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do DF (Cedeca-DF), a proposta do GDF de usar jovens em situação de vulnerabilidade e em processo de desenvolvimento, não é adequada.
“Não é o ideal porque os Jovens Candangos têm uma política de aprendizagem. É voltado para um outro objetivo, que deveria ser a capacitação desses jovens para atuarem no mercado de trabalho futuramente, ganhando novas habilidades e não tampando buraco de uma política de saúde que está precária há muito tempo”, criticou.
O Programa Jovem Candango, criado em 2023, seleciona jovens entre 14 e 18 anos para atuarem profissionalmente nos órgãos do GDF. As atividades são realizadas no contraturno escolar, com duração de 4 horas diárias. Os participantes recebem meio salário mínimo, auxílio alimentação e vale-transporte.
A seleção leva em consideração critérios socioeconômicos e há um percentual de vagas reservadas para jovens egressos do sistema socioeducativo, em situação de rua, órfãos de vítimas de feminicídio, filhos de catadores de recicláveis, entre outros. Entre 2023 e 2024, 1,8 mil estagiários já foram admitidos pelo programa, segundo a SEFJ.
Normas da Constituição Federal, da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbem que pessoas com menos de 18 anos trabalhem em condições perigosas ou insalubres.
Segundo o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), a medida é “irresponsável e cruel”, porque pode aumentar o risco dos jovens contraírem a doença.
Uma das formas de transmissão da dengue acontece quando o mosquito Aedes Aegypti sem o vírus pica uma pessoa infectada e, logo em seguida, pica uma pessoa saudável. “Além de ficarem doentes, eles(as) poderiam levar um risco bem maior de contaminação para familiares e para o ambiente escolar”, afirmou o Sindicato.
O que diz a Secretaria?
Segundo a SEFJ, os estagiários convocados serão remanejados dos órgãos da administração pública em que atuam para trabalhar na recepção das tendas de hidratação realizando o cadastro das pessoas com sintomas da dengue. O trabalho será realizado sob orientação das equipes da Secretaria de Saúde.
A realocação será temporária, enquanto durar o funcionamento das tendas. Segundo portaria divulgada no Diário Oficial do DF (DODF), o serviço prestado pelos estagiários que se voluntariarem para o remanejamento será considerado de relevante interesse público, o que ficará registrado na carteira de trabalho.
“Os jovens atuarão nesta missão auxiliando as equipes que estão nas tendas com o objetivo de aumentar a capacidade de atendimento à população”, justificou o secretário da Família e Juventude, Rodrigo Delmasso.
Em entrevista ao Brasil de Fato DF, o secretário afirmou que os adolescentes não realizarão trabalho insalubre e atuarão apenas em atividades administrativas de preenchimento das fichas dos pacientes, o que atualmente é feito por técnicos de enfermagem.
“A ideia é justamente que esses profissionais sejam liberados para efetuarem o seu trabalho na ponta, que é aplicar a hidratação para aqueles que estão com sintomas de dengue, enquanto os jovens fazem o cadastro”, explicou Delmasso.
As tendas de hidratação estão localizadas nas regiões administrativas que mais registram casos de dengue.
Questionado pela reportagem sobre esse risco, o secretário da Família e Juventude afirmou que “as tendas de hidratação são os lugares mais seguros”. Segundo ele, para a instalação do espaço, há um procedimento para garantir que não haja mosquitos da dengue no local. “É uma segurança sanitária, inclusive para que os trabalhadores da saúde também não sejam infectados”, completou.
O texto da portaria garante que será criada uma comissão de acompanhamento que irá supervisionar, em conjunto com a Secretaria de Saúde, as atividades desenvolvidas pelos jovens, a fim de assegurar que “os direitos e o bem-estar dos participantes sejam respeitados”, promovendo um ambiente de trabalho “saudável, inclusivo e seguro”.
Déficit de profissionais
A proposta de realocação foi anunciada em meio a um novo recorde de casos no DF. Segundo o boletim epidemiológico mais recente, divulgado pela Secretaria de Saúde nesta quarta-feira (14), já foram registrados mais de 66 mil casos prováveis de dengue no DF desde o início do ano. O número representa um aumento de 1.303,9% se comparado ao mesmo período de 2023.
O Sinpro-DF defendeu que o trabalho nas tendas de hidratação e nas unidades de saúde deve ser feito por profissionais qualificados. “Ao invés de colocar na frente de batalha adolescentes que deveriam se preocupar com a escola, [o governador] Ibaneis Rocha deveria anunciar novos concursos públicos para a contratação de profissionais especializados”, afirmou.
Segundo resposta da Secretaria de Saúde, obtida por meio da Lei de Acesso à informação, há atualmente um déficit de 1.460 enfermeiros na rede pública de saúde. Paralelamente, profissionais aprovados em concurso de 2022 ainda aguardam convocação.
Para a representante do Cedeca-DF, a atual emergência sanitária devido aos números alarmantes de casos de dengue é resultado da “falta de investimento” do GDF na política de saúde. “Há muito tempo não tem convocação de servidores suficientes, que seriam os profissionais devidamente qualificados para atuar em uma situação de crise de saúde”.
O secretário Rodrigo Delmasso concordou que a contratação de mais profissionais é necessária, mas precisa ser feita com cautela. “É claro que precisa contratar. E eu te garanto que o governo está empenhado em fazer isso. Mas existe um dispositivo da lei de responsabilidade fiscal ao qual o governo precisa estar atento, porque não adianta contratar e depois lá na frente ter que demitir por causa do que é previsto na norma”, defendeu.
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Edição: Márcia Silva