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Dar relevância às Doenças Raras é lutar por direitos humanos

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teste do pezinho
"Teste do pezinho representa a primeira oportunidade de detectar algumas DRs" - Créditos: Blog da Saúde/Ministério da Saúde
Embora possa ser "raro" individualmente, coletivamente são 300 milhões de pessoas com Doenças Raras

Estamos no mês de fevereiro, um mês conhecido popularmente pelo Carnaval. Mas também um mês mundialmente reconhecido pela Conscientização das Doenças Raras. O Ministério da Saúde considera como Doenças Raras aquelas que afetam 65 pessoas a cada 100 mil. Ou, atinge 1 a cada 2.000 pessoas. 

Embora possa ser "raro" individualmente, coletivamente são 300 milhões de pessoas com Doenças Raras em todo o mundo, de acordo com a ONU. Só no Brasil estima-se cerca de 13 milhões de brasileiros "raros". Pode parecer pouco se analisarmos de forma isolada, porém o conjunto de Condições Raras e a quantidade de pessoas é bastante alto. Por exemplo, equivale a população do terceiro país mais populoso do mundo, os Estados Unidos, que tem 331 milhões de habitantes.

Grande parte das Doenças Raras (DRs), em torno de 80%, são de origem genética e apresentam uma diversidade de sintomas, manifestações clínicas, tanto em sistemas e órgãos afetados, como em gravidade que podem variar de pessoa para pessoa. A estimativa é de que existam 7 mil Condições Raras descritas na literatura médica e o número só aumenta, à medida que a medicina e a ciência avançam. 

Temos como exemplo de algumas Doenças Raras as Hemofilias, os Cânceres raros, os Erros Inatos do Metabolismo, as Condições imunológicas raras, as infecções bacteriais ou virais raras, as síndromes raras, como: Síndrome de Angelman, Síndrome de Pitt-Hopkins, Síndrome de Rett, entre outras, que levam a alterações do desenvolvimento neuropsicomotor. É impossível listar todas elas. Mas sabemos que 30% podem se desenvolver ao longo da vida. Os outros 70% começam ainda na fase da infância e é aí que podemos confirmar a importância do diagnóstico precoce e da triagem neonatal através do teste do pezinho, que representa a primeira oportunidade de detectar algumas DRs num momento em que há possibilidade de tratamento, intervenções terapêuticas e prevenção de possíveis agravamentos dos sinais e sintomas.

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Em 2022, o teste do pezinho foi ampliado e poderá detectar até 50 DRs no final da implementação de todas as etapas do processo da nova lei, pelo Ministério da Saúde. O exame é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e também será possível testar a Atrofia Muscular Espinhal, a AME.

Mas a caminhada da pessoa com Doença Rara é repleta de desafios, a começar pela demora em estabelecer o diagnóstico, sendo uma saga que dura em média cinco anos. O diagnóstico da síndrome rara que a minha filha caçula tem demorou 3 anos e 8 meses, quase confirmando este dado. As famílias enfrentam uma verdadeira odisseia até que seu familiar seja diagnosticado, o que inclui inúmeras idas a vários profissionais da saúde, baterias de exames e testes que não estão disponíveis em qualquer hospital público. Por isso, o acesso fica ainda mais difícil se colocarmos os recortes sociais e raciais para que as famílias acessem o caminho do diagnóstico. 

Com base em levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), 30% das crianças morrem antes de completar 5 anos e terem a confirmação do diagnóstico. Isso alerta para a necessidade de o Estado melhorar as políticas públicas voltadas para o diagnóstico e tratamento das Doenças Raras.

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Muitas delas não têm tratamento específico ou medicamento próprio capaz de controlar a condição. Por isso, os tratamentos são feitos com base nos sinais e sintomas de cada pessoa e consistem em acompanhamento clínico, fisioterápico, fonoaudiológico e psicoterápico para aliviar os sintomas e controlar as comorbidades. Além do geneticista, é importante contar com especialistas de outras áreas como neurologia, pediatria, cardiologista, entre outras. Quanto mais multidisciplinar for a avaliação e o acompanhamento dos "raros", melhor o cuidado oferecido a eles e consequentemente, melhor a qualidade de vida.

Invisibilidade

Em 2014, o Ministério da Saúde lançou a Portaria 199 regulamentando a assistência a pessoas com Doenças Raras, medida que vem sendo implementada a passos muito lentos. Pouco avançou de lá até aqui. Além disso, dos quase 75 mil projetos de lei apresentados pelo Legislativo Brasileiro entre os anos de 2000 e 2022, somente 0,3% deles têm a ver com as Doenças Raras. O que equivale a apenas 218 deste número, escancarando a falta de informação e interesse do Estado, a invisibilidade que ainda cerca essa fatia extensa da população e com isso, direitos básicos sendo negados para as pessoas com DRs e seus familiares. 

É essencial garantir recursos direcionados para pesquisa e tratamento, ampliar os centros de referência e de atendimento pelo país, treinar e capacitar os profissionais da saúde desde a ponta com o aumento de disciplinas sobre as doenças raras nos cursos de medicina e enfermagem, reduzir o tempo do acesso ao diagnóstico, pois em muitos casos estamos falando de tempo de vida, diminuir o preconceito e o estigma de que pessoas com doenças raras são incapazes e impossibilitadas e assegurar assim, seus direitos para além da área da saúde.

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Existem outros eixos que também impactam a vida desses sujeitos.

Buscar compreender as vivências, os problemas sociais, econômicos, emocionais, os estereótipos sociais a respeito dos "raros", os obstáculos de acesso às tecnologias adequadas, a burocratização da liberação de medicamentos órfãos, a falta de oportunidades no mercado de trabalho, a dor física que muitas vezes pode acompanhar, a perpetuação das desigualdades desse grupo que nem sempre são vistos socialmente e ainda assim, recebem tantos rótulos.

Mostrar as dificuldades dos diagnósticos e o desconhecimento médico sobre as condições é um eixo necessário, mas voltar a nossa atenção para as pessoas que diretamente convivem e sentem a sua própria condição e a repercussão de tudo isso na vida delas e, particularmente de seus cuidadores que em grande maioria são as mães. E como essas questões, atravessam o eixo da saúde e passam por questões morais, éticas, culturais e raciais. 

Mais do que dias e um mês inteiro dedicado à conscientização das Doenças Raras, que é importante sim, claro. Se informar é o pontapé inicial, mas é o ponto de partida e não o fim.  Dar relevância às Doenças Raras é lutar por direitos humanos, pela equidade e inclusão da singularidade de 300 milhões de pessoas.

Os raros são muitos. 

*Andréa Medrado é ativista, mãe típica e atípica, membro do grupo Pitt-Hopkins Brasil.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Márcia Silva