Em seu segundo ano de atuação como deputada distrital, Dayse Amarilio (PSB), assumiu nesta sexta-feira (23) o posto de procuradora Especial da Mulher na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Dayse é enfermeira, tem um histórico de atuação sindical, sendo eleita presidenta do Sindicato da categoria, o SindEnfermeiro-DF e é uma das principais vozes na CLDF na luta em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), pelas nomeações de servidores das diferentes áreas e dos direitos das mulheres.
A cerimônia de posse da nova procuradora contou com a presença de diversas lideranças, sobretudo femininas do DF, como a vice-governador Celina Leão (PP), a senadora Leila Barros (PDT), a comandante-geral da PMDF Ana Paula Barros Habka e as deputadas distritais Paula Belmonte (Cidadania) e Doutora Jane (MDB), que ocupava o cargo anteriormente.
O Brasil de Fato DF entrevistou a deputada Dayse Amarilio para falar sobre projetos e desafios à frente do cargo.
“Quando falamos de Procuradoria é uma questão de representatividade social, um espaço de voz da mulher. Só que não tem como, não trabalhar com o mais importante hoje, que é o direito das mulheres de viver”, afirmou Dayse, quando indagada sobre o seu principal eixo de trabalho à frente da Procuradoria da Mulher na CLDF.
“A principal luta da gente, o principal combate vai ser em relação aos números de feminicídios”, completou a deputada, destacando o número recorde de crimes contra mulheres no DF em 2023 e apontando que é preciso entender o problema e fiscalizar as ações.
Ainda falando sobre o assassinato a mulheres por razão de gênero no DF, a deputada citou a CPI do Feminicídio da CLDF, que aprovou um relatório com recomendações em 2021. “Nós percebemos que mais de 80% do que foi verificado, que foi proposto, não foi regulamentado, não virou realidade na vida das mulheres do Distrito Federal”, analisou Dayse. Segundo ela, existem problemas estruturais no serviço publico do DF como a falta de creches agravam o problema da violência contra as mulheres.
A deputada também falou da importância de autonomia da Câmara Legislativa em relação as matérias relacionadas as políticas para mulheres, que segundo ela são poucos recursos destinados e menos ainda executados, como também em relação aos vetos do governador a nomeações de servidores.
“Hoje um dos grandes gargalos do Distrito Federal é o serviço público”, destacou Dayse, acrescentando: “a gente vê investimento em partes que são importantes sim, como as obras, mas falta investimento em gente”.
Confira a entrevista
Brasil de Fato DF: Deputada, qual será o seu principal eixo de seu trabalho à frente da Procuradoria da Mulher da CLDF?
Dayse Amarilio: Já tínhamos um planejamento estratégico sobre o tema que é muito amplo. Então, quando falamos de Procuradoria é uma questão de representatividade social, um espaço de voz da mulher. Só que não tem como, não trabalhar com o mais importante hoje, que é o direito das mulheres de viver. A principal luta, o principal combate vai ser em relação ao número de feminicídios. Precisamos entender onde nós estamos pecando. E é muito triste perceber que cada dia que passa, parece que até socialmente, está virando muito número e estamos perdendo a sensibilidade. O feminicídio em si já é um tema muito amplo, porque ele é muito transversal e denso, perpassa por muitas questões. Então, a nossa luta vai ser em cima do combate ao feminicídio.
Como?
Primeiro fiscalizando desde o orçamento que será aplicado para o combate ao feminicídio até a fiscalização, que eu acho que precisa ser mais efetiva. Se olharmos o relatório da CPI do Feminicídio que teve nessa Casa, vamos perceber que mais de 80% do que foi verificado, que foi proposto, não foi regulamentado, não virou realidade na vida das mulheres do Distrito Federal. Então, não precisamos inventar a roda. Precisamos levantar os problemas, ver o que já foi proposto e fiscalizar porque essas recomendações e lei precisam virar realidade.
De que forma prática a Câmara Legislativa pode atuar na questão do feminicídio no DF?
Eu acho que isso perpassa pelo papel da CLDF que tem que ser resgatado, até socialmente. Quando eu vim para cá, o meu sonho era de uma enfermeira/professora, que queria que esse prédio se tornasse mais realidade. Parece que ficamos ilhados no centro de Brasília, dentro de um prédio bonito, onde não conseguimos vocalizar aquilo que precisamos e temos que fazer. O maior desafio é a Câmara fiscalizar e representar. E quando eu falo, representar, é dar voz a essas mulheres. Eu pretendo não só com a Procuradoria da Mulher, mas de uma forma geral, tentar fazer com que as mulheres entrem mais nesse espaço e que seja um instrumento para vocalização desses grupos de mulheres, para que sejam ouvidas mesmo. É um grande desafio, mas acho que perpassa muito pelo papel fiscalizador da Câmara.
E o orçamento das políticas para mulheres?
Nós fizemos um levantamento daquilo que foi encaminhado como orçamento para a políticas públicas de mulheres e foi muito pouco. E o mais absurdo, é que quando verificamos aquilo que foi executado, foi menor ainda.
No ano passado você fez visitas aos aparelhos de atendimento as mulheres vítimas de violência no DF. Como está o funcionamento?
Esse é um desafio que a Câmara precisa fiscalizar e cobrar a integralidade e a transversalidade da pauta. Para você ter noção as secretarias, elas não se conversam, não tem um sistema único para conversar. Então a mulher ela passa pelo serviço da Secretaria da Mulher, depois ela passa pelo serviço da Assistência Social, depois ela passa pelo serviço da Secretaria de Justiça, sem sabermos por onde ela passou. Não existe um prontuário unificado, não existe nada interligado. Então a mulher, é revitimizada no próprio sistema e ela também peregrina nesse sistema, precisamos de transversalidade. Não temos um cadastro único, um fluxo institucionalizado.
Algumas categorias que lidam com o atendimento à mulher em casos de vulnerabilidade, principalmente a assistência social e a polícia civil, falam da questão da falta de pessoal. E a gente sabe que está parado na CLDF a votação dos vetos das emendas à LDO sobre as nomeações de servidores. Não está faltando um posicionamento da CLDF nesses casos?
Falta sim um posicionamento. Independente de ser base ou oposição, a Câmara precisa caminhar e entender que inclusive nós estamos vivendo, por exemplo, com a dengue, por falta de profissionais. Se nós estamos vivendo um serviço de assistência social, com uma greve que nós enfrentamos com muita dificuldade desses servidores serem ouvidos, acho que falta muitas vezes diálogo também no conjunto com o Executivo. Hoje um dos grandes gargalos do Distrito Federal é o serviço público. Não temos um cronograma de nomeações, o governo Distrito Federal não tem um planejamento. Na questão da arrecadação, não tem um cronograma efetivo de fortalecimento do serviço público, entendendo fortalecer o serviço público para prestar uma melhor qualidade para essa população. E por outro lado, a gente vê investimento em partes que são importantes sim, como as obras, mas falta investimento em gente.
Voltando a pauta dos feminicídios, qual sua avaliação sobre o aumento desses crimes no DF no ano passado?
Temos tentado entender um pouco esse fenômeno do número de feminicídios no DF, inclusive, esses dados são subnotificados. Algumas estatísticas de movimentos sociais, de pesquisadoras na área mostram que é pior do que a gente imagina. Por exemplo, existe mais ou menos uma taxa de subnotificação de 30 a 40%. Então mais mulheres morreram e entendemos que é uma coisa que tem aumentado. E eu não sei se pela polarização ideológica da própria política, que nós vivenciamos nos últimos anos, mas acho que isso acabou contribuindo para esse aumento também.
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Houve algum avanço no DF?
Nós temos algumas coisas que foram muito importantes, como por exemplo, o projeto Viva Flor, que antigamente aquele aparelhinho do socorro, eles eram entregues pelo judiciário. Agora, as mulheres que estão realmente em risco iminente de morte podem já sair da delegacia com aquele aparelhinho, mas muitas vezes, essas políticas param no estrangulamento do sistema. Por exemplo, ela sai com esse aparelho, mas a gente não tem para onde encaminhar ela para um direito à creche, para atendimento no CAPS, para um apoio psicológico, porque a rede está estrangulada. Então, na verdade não conseguimos abraçar essa mulher de verdade e muitas vezes as mulheres acabam voltando para o ciclo de violência, por falta do papel do Estado.
Como está a situação das creches hoje?
Bom, nós temos 6 mil crianças esperando na fila da creche. Mas essas mulheres precisam ter o direito de creche garantido, se não ela não consegue deixar o filho para trabalhar e ela vai morrer de fome. Isso é um direito das mulheres. E isso contribui para que muitas mulheres, por falta de trabalho continuem com o agressor, porque não tem como trabalhar e não tem para onde ir. Então, nós precisamos pensar numa política completa paras as mulheres do DF.
O Brasil de Fato DF fez uma série de matérias no ano passado sobre o problema do feminicídio e ouvimos especialistas da academia e do movimento feminista que criticam as políticas para mulheres no GDF e cobram inclusive participação da sociedade civil nas decisões. Seu trabalho vai conseguir contribuir com essa maior participação da sociedade nas discussões?
Esse é meu desafio: trazer não só a academia, os movimentos, todas as mulheres para pensarmos juntas. Estou sempre nas reuniões de mulheres, no movimento feminista, do Levante, de várias articulações e a gente já esteve com a ministra [Cida Gonçalves] e a ideia é a gente a trazer [ministra] para um seminário que nós vamos promover agora no primeiro semestre. A ideia é nós do DF dialogarmos mais, porque ela [ministra] está muito assustada, com a situação do feminicídio em Brasília e nossa ideia é contar com o governo federal.
Então, vemos essa força tarefa na fiscalização também, para começarmos a investir mais na Pasta da mulher aqui no DF. A ideia é trazer também experiências exitosas como a Casa da Mulher Brasileira, que Brasília tem um perfil diferente, um pouco desconfigurado.
Nós também queremos trabalhar inicialmente com os alunos de segundo grau. Nós estamos fazendo um projeto de procuradoras e procuradores mirins. Nós vamos levar isso para as escolas e estamos fazendo projeto. Vai ser um projeto inovador. Não posso dar spoiler, mas a gente vai trabalhar de uma maneira muito lúdica e muito impactante com os jovens do para que os assuntos das mulheres comecem a ser discutido nas escolas.
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Edição: Márcia Silva