Três a cada mil habitantes do Distrito Federal estão em situação de rua, segundo levantamento do governo federal. O problema, reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF), motivou o Governo do DF (GDF) a anunciar o lançamento de um plano de acolhimento para essa população.
A primeira ação aconteceu no dia 15 de março, com o atendimento de 24 pessoas acampadas em frente ao Centro Pop da Asa Sul. A medida, no entanto, foi considerada uma forma de “higienização” por associações que trabalham com a questão. A segunda ação foi realizada no dia 22 de março, em Taguatinga, visando recolher 30 pessoas em situação de rua.
“Retiraram aquelas pessoas dali e a maioria não tem onde ficar. Algumas pessoas foram levadas para casas de acolhimento, que não tem nenhuma condição de acolher, outras chegaram [nos abrigos] e o nome não estava na lista. E hoje a gente tem um governo que está tentando fazer uma higienização nos espaços onde os empresários pedem. O que falta para o governo é fazer uma política pública eficaz”, afirmou o coordenador do Instituto Barba na Rua, Rogério Barba.
O coordenador do Instituto No Setor, Rafael Reis, também criticou a medida. “É preciso enfrentar esse processo de gentrificação, esse processo da arquitetura hostil, esse processo de olhar para a cidade e enxergar uma cidade só para alguns. Brasília é uma das cidades mais desiguais do país. A gente precisa entender que o aumento da população em situação de rua pós pandemia é fruto de uma desigualdade social, do aumento do desemprego. Não são com políticas gentrificadoras, fazendo um processo de higienização, que essa questão vai ser resolvida”, disse.
Segundo o governo, a execução da proposta já foi aprovada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Ele é relator da ação que busca garantir a implementação imediata da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto federal 7.053/2009).
Em audiência pública realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), no dia 12 de março, para debater sobre “Direito à Cidade da População em Situação de Rua”, a coordenadora do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) no DF, Joana Basílio, cobrou que as pessoas que vivem essa realidade sejam ouvidas pelo poder público para tomada de decisões.
“Queremos o protagonismo da população de rua para pensar políticas públicas. A gente pode dizer o que a gente quer. A gente consegue decidir por si mesmo e não queremos mais rédea do Estado. A gente quer ter direito à cidade, à liberdade, direito a escolher onde queremos viver e o que queremos comer”, protestou durante a reunião presidida pelo deputado distrital Ricardo Vale (PT-DF).
DF lidera percentual de população de rua do país mas GDF contesta estatística
O DF tem o maior percentual de população de rua do país, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). O Relatório da População em Situação de Rua, divulgado pela pasta em setembro do ano passado, aponta que Brasília tem 7.924 pessoas sobrevivendo nas ruas. O levantamento foi feito com base nas informações do Cadastro Único (CadÚnico).
Proporcionalmente, isso significa que três a cada mil habitantes do DF estão em situação de rua. O número é o triplo do índice nacional, que é de um a cada mil habitantes.
A estatística do governo federal é contestada pelo GDF. Segundo o 1º Censo Distrital da População em Situação de Rua, realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) em 2022, há cerca de 3000 pessoas vivendo nas ruas do DF.
Diferentemente do relatório federal, que utilizou dados do CadÚnico, o Censo fez uma varredura de cinco dias nas ruas de Brasília, em pontos de concentração da população de rua e em instituições de acolhimento.
“O censo é uma fotografia do momento. E a gente sabe que a população de rua tem uma característica transitória, essas pessoas migram no território. Já o CadÚnico é um marcador. As pessoas se declaram em situação de rua no momento em que elas acessam um determinado serviço, o CREAS ou o Centro Pop. E a gente não tem a garantia que a renovação [do CadÚnico] a cada dois anos é feita. Assim, o CadÚnico acaba se tornando um marcador cumulativo. Por isso, a Secretaria de Desenvolvimento Social [Sedes] usa os dados do Censo”, defendeu a diretora de Estudos e Políticas Sociais do IPEDF, Marcela Machado, durante a audiência pública na CLDF.
O levantamento feito pelo GDF apontou que 71,1% das pessoas em situação de rua no DF se declararam negras e 11,6% indígenas. 80,7% são homens e 3,5% são pessoas trans. O estudo também identificou que 244 crianças e adolescentes vivem nas ruas de Brasília.
Segundo o documento, o Plano Piloto é a região administrativa com maior concentração da população de rua (24,7%), seguida por São Sebastião (13,1%), Ceilândia (12,59%) e Taguatinga (11,95%).
O Censo também apontou que 45,3% das pessoas em situação de rua recebiam algum benefício, sendo o principal o Bolsa Família, e 61,9% dos que não estudavam demonstraram interesse em retornar ou iniciar a trajetória escolar. 41,3% afirmaram ter ficado pelo menos 24 horas sem comer na semana da pesquisa.
A principal atividade para geração de renda das pessoas que participaram do Censo foi a catação de materiais recicláveis. Os principais motivos que levaram as pessoas entrevistadas a situação de rua pela primeira vez foram conflitos familiares e separação conjugal (35,6%) e desemprego/demissão/falta de renda (32,6%).
Decreto publicado pelo GDF em fevereiro deste ano instituiu a obrigatoriedade de realização do Censo da população de rua a cada dois anos. A coleta de dados para a nova pesquisa deve começar no segundo semestre de 2024.
Segundo a coordenadora do MNPR, o grupo pretende acompanhar o novo levantamento “para que não aconteça o mesmo que aconteceu em 2022”. Segundo Joana, houve um processo de “higienização”, ou seja, de retirada de pessoas das ruas, antes da realização da contagem. “Isso é negacionismo. O Estado que fingiu que não viu, o Estado não quis ver”, protestou.
Joana Basílio também entende que encaminhar as pessoas em situação de rua para abrigos não é o caminho mais adequado para a inclusão. “Pensar em acolhimento institucional para essa pessoas hoje é fomentar segregação social. O que muda a vida das pessoas, e eu sou exemplo disso, é moradia digna, é emprego”, defendeu a coordenadora do MNPR durante a audiência pública na CLDF. “Se a gente não tratar elas, a gente fomenta a violência. é responsabilidade nossa enquanto sociedade tratar e cuidar dessas pessoas também”, completou.
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Edição: Márcia Silva