Reivindicações do nosso movimento grevista não são apenas justas, mas uma necessidade incontornável
Servidores da educação federal demandam recomposição salarial e recursos para garantir infraestrutura e permanência estudantil
A deflagração da greve nas Universidades Federais, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) e nos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), aliada à criação do Comando Nacional de Greve pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES - SN) em 15 de abril, demonstra uma resposta ao descaso com a educação pública.
Nos últimos anos, esse eterno desmazelo, que, segundo o professor Darcy Ribeiro, não se constitui uma crise, mas um projeto, tem se agravado com o início de uma política de austeridade fiscal, intensificada pelo período sombrio de destruição e negligência durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, respaldados por um Congresso Nacional reacionário.
O governo Lula tem a oportunidade de se distinguir de seus antecessores e reverter os retrocessos.
Um dos aspectos fundamentais para a defesa do ensino público, gratuito e de qualidade reside, necessariamente, na questão orçamentária. As negociações da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) com o governo e o Congresso Nacional não obtiveram êxito. Em uma nota publicada no site da Andifes ainda em 2023, a instituição expressou sua “indignação” com a aprovação do orçamento para 2024 pelo Congresso Nacional.
O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) prevê, para 2024, em valores nominais, um orçamento menor que o do ano anterior, o que não garante o funcionamento minimamente adequado das Instituições Federais de Ensino Superior. Nas palavras de reitores e reitoras das universidades e de centros federais de educação tecnológica da Andifes: “Mesmo após diversas reuniões da diretoria da Andifes com lideranças do Governo Federal e do Congresso Nacional, a redução se acentuou ainda mais na Lei Orçamentária aprovada, resultando no montante de R$ 5.957.807.724,00 para as universidades federais, ou seja, um valor R$ 310.379.156,00 menor do que o orçamento de 2023”.
:: Não é só por reajuste salarial, é em defesa da Educação e da Universidade Pública ::
Os dados apresentados pela Andifes referem-se ao orçamento discricionário (facultativo) das Universidades Federais e CEFETs, ou seja, aos gastos com manutenção e funcionamento, pagamento de serviços terceirizados, assistência estudantil e investimentos em infraestrutura. Excluem os gastos obrigatórios, entre os quais o principal se constitui da folha de pagamentos dos servidores, bem como não contempla o orçamento dos Institutos Federais.
Queda no orçamento das federais
Tomando os orçamentos discricionários dos anos anteriores, observamos uma queda acentuada a partir de 2015. Conforme os dados do Observatório do Conhecimento em que os valores estão corrigidos e arredondados, no ano de 2015 o orçamento foi de R$ 13,16 bilhões, já mostrando uma tendência de queda com relação a 2014 – R$13,94 bilhões – mas mantendo-se ainda próximo. Em 2016, o orçamento perde aproximadamente R$ 2 bilhões, e vai decrescendo ano a ano. Em 2018 e 2019 mantém-se praticamente o mesmo, chegando a $8,83 bilhões. A queda continua nos anos seguintes, alcançando, em 2022, o patamar de R$ 6,39 bilhões.
Chama a atenção o fato de que, de 2014 a 2022, o orçamento discricionário para as Universidades Federais e CEFETs tenha caído para menos da metade. A queda é puxada principalmente pelos investimentos em infraestrutura, em que o decréscimo é vertiginoso, e é seguida pela assistência estudantil, de acordo com estudo de pesquisadores da UNIFESP, disponível em seu website.
Ou seja, o impacto das perdas de investimento incide diretamente na estrutura física de estudo e pesquisa na universidade (prédios, laboratórios, equipamentos etc.) e nas condições de permanência dos estudantes, em especial os de baixa renda.
Universidades Federais - Despesa discricionária
O mesmo estudo faz uma apresentação do orçamento total das universidades. A totalidade do orçamento inclui as despesas de manutenção e funcionamento, o investimento em infraestrutura e material permanente e a assistência ao estudante, despesas que integram a verba discricionária, bem como os custos com pessoal e encargos sociais, que constituem despesas obrigatórias.
Neste estudo, observamos que, de 2014 a 2016, os valores permanecem estáveis, de 2017 a 2019 há um aumento, e a partir de 2020 apresenta queda significativa. Em 2014, o orçamento foi de R$ 58,14 bilhões, em 2019 chega a R$ 62,23 bilhões, e a partir de 2020 vai reduzindo até chegar em 2022 ao patamar de R$ 53,23 bilhões. Os dados são corrigidos para os valores de 2023 e aqui estão arredondados.
Embora a maior queda esteja no orçamento discricionário, é interessante notar que a folha de pagamento também apresenta decréscimo a partir de 2020. Entre 2014 e 2019, há um aumento de pagamento da folha, de R$ 46 bilhões a R$ 51,68 bilhões. A partir de 2020, esta parte do orçamento também sofreu redução, e retorna em 2022 aos mesmos R$ 46 bilhões de 2014. Esses dados refletem tanto um congelamento nos salários, como uma diminuição de pessoal.
Servidores públicos federais empobreceram
Considerando que a inflação acumulada no período de 2014 a 2022 foi de 69,68%, conforme o IPCA/IBGE, é possível afirmar que houve um significativo empobrecimento dos servidores públicos federais: o poder de compra dos salários é hoje francamente menor. Essa diminuição do poder de compra vem sendo percebida pelos servidores, bem como um aumento da carga de trabalho devida ao acúmulo de funções.
É preciso pontuar ainda a preocupante elevação do percentual de emendas parlamentares que vem compor o orçamento discricionário das universidades federais.
De acordo com o Observatório do Conhecimento, essa proporção era de 0,88% em 2014 e passa, em 2022, a 6,11%. Os gestores universitários vêm recorrendo a essas emendas para suprir o prejuízo acumulado, o que acarreta perda de independência orçamentária universitária e reflete o aumento da destinação de verbas para essas emendas no orçamento geral do Estado. Essa tendência vem sendo seguida no atual governo: em 2023, a proporção de emendas no orçamento discricionários das universidades chegou a 6,82%.
Por fim, é preciso salientar que toda perda de orçamento do período está atrelada às medidas de austeridade implementadas a partir de 2014 e, especialmente, à Emenda Constitucional n.º 95, ou Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, aprovada em 2016 e vigente até a sua substituição, em agosto de 2023, pelo Novo Arcabouço Fiscal.
O pequeno aumento da maleabilidade para os investimentos públicos que o novo projeto permite com relação àquela emenda – que ficou conhecida como “PEC da Morte” – passa longe de ser suficiente para a recomposição do orçamento público da educação superior e técnica. Mantém uma lógica similar, de destinação de verba para pagamento de juros da dívida pública correndo por fora das determinações do ajuste fiscal, enquanto encerra e engessa os investimentos públicos nas áreas sociais. Vai na contracorrente da compreensão, tantas vezes comprovada, de que os investimentos públicos são necessários para o próprio crescimento econômico e da arrecadação. E constitui hoje o principal entrave ao cumprimento das reivindicações do movimento grevista.
Os dados evidenciam a necessidade urgente de recomposição orçamentária para as universidades, a fim de alcançar patamares anteriores de investimento e condições de permanência dos estudantes de baixa renda.
Vale pontuar que a reivindicação da Andifes para o ano de 2024, de acordo com a reitora da Universidade de Brasília e presidenta da Andifes, Márcia Abraão, em reunião com o Comando Local de Greve dos docentes da UnB, é por um orçamento discricionário para universidades e CEFETs no valor R$8,5 bilhões, o que retomaria os patamares de 2017 – que, como indicado acima, já representa uma queda significativa com relação aos de 2014 e 2015.
Os dados comprovam ainda a premência da recomposição salarial para os servidores técnico-administrativos da educação federal, os quais constituem hoje a categoria mais empobrecida de todo o serviço público federal, bem como para a categoria docente.
Para a categoria docente, a reivindicação é de um reajuste de 22%, que não constitui um aumento, e sim uma reposição de parte das perdas salariais do período.
As reivindicações do nosso movimento grevista não são apenas justas, mas uma necessidade incontornável para garantir a continuidade da educação superior e técnica de excelência, da produção de conhecimento e ciência no país.
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* Comando Local de Greve da Universidade de Brasília - ADUnB-S.Sind.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Márcia Silva