Distrito Federal

Coluna

A greve é (também) pela saúde docente

Imagem de perfil do Colunistaesd
"A luta, inclusive, se torna um mecanismo de produção e fortalecimento de saúde, de não adoecimento, podendo até ser terapêutica" - Ascom ADUnB-S.Sind
Todas as reivindicações dizem respeito, ao fim e a cabo, à melhores condições de trabalho

O conjunto das reivindicações do movimento grevista nas Instituições Federais de Ensino (IFESs) brasileiras, a saber, Recomposição Orçamentária, Reajuste Salarial, Reestruturação de Carreira, Respeito a Aposentado(a)s e Revogaço de Medidas Autoritárias, são também uma denúncia contra as condições de trabalho precárias e adoecedoras e, portanto, um clamor por melhores condições de trabalho e de saúde.

O movimento paredista é, também, uma luta pela saúde docente. Todas as reivindicações dizem respeito, ao fim e a cabo, à premência de melhores condições de trabalho para que as ações fundantes da educação superior sejam asseguradas no ensino, na pesquisa e na extensão e, portanto, de vida e de saúde de docentes - e não só, se referindo também a melhores condições de trabalho de Técnicos Administrativos da Educação (TAEs) e de aprendizagem e permanência estudantil.

Sabemos que a saúde docente remete às condições de trabalho, uma não podendo ser analisada separadamente das outras. Portanto, não é de se espantar que o arrefecimento do financiamento público das IFES, a defasagem e as perdas salariais sobretudo nos últimos governos (Temer e Bolsonaro), a não reestruturação de carreira, a desconsideração de docentes aposentado(a)s, bem como uma série de retrocessos nas políticas educacionais tenham consequências negativas para a saúde docente. Melhor dizendo, todo esse processo e dinâmica tendem a se expressar em/por uma saúde mais precária; em/por um quadro de avanço do adoecimento docente.

Por exemplo, de acordo com revisão da literatura, o trabalho docente no Ensino Superior tem sido cada vez mais pautado  e determinado por condições adoecedoras, tais como: sobrecarga; exigências burocráticas e administrativas; horas excedentes à jornada; pressão por produtivismo; recursos escassos; e perda de direitos na carreira. Ainda de acordo com a referida pesquisa, foi constatada uma série de indicadores de sofrimento ou adoecimento psíquico, a saber: fadiga crônica, estresse, insônia, falta de motivação, sintomas ansiosos, dores crônicas; sintomas depressivos.

Ainda nessa direção, em estudo preliminar do DIEESE (2024) solicitado pelo ANDES-SN, que analisou o financiamento público das Universidades Federais de 2010 a 2022, constatou-se um aumento de 7,8% no número de discentes matriculados por docente, chegando ao número de 13,7 discente por docente (enquanto em 2010 era de 12,7 matrículas para cada docente). Se por um lado o ensino superior ficou mais acessível a grande parte da população historicamente excluída, que avaliamos de fundamental importância, por outro, os desafios de melhorar as condições para garantir esse direito de entrada e permanência se mantêm. É preciso atuar para que as condições materiais sejam asseguradas para que a categoria docente possa manter seu trabalho com qualidade e por outro, que os discentes tenham o direito de entrar e permanecer na Universidade.

Vejamos mais alguns dados, oriundos do relatório da primeira etapa da Enquete Nacional do ANDES-SN (2023), sobre condições de trabalho e saúde do(a)s docentes que atuam em Universidades Públicas, Institutos Federais e CEFETs. A Enquete foi realizada com 1.874 docentes de 11 Instituições de Ensino Superior do país, dentre elas a Universidade de Brasília (UnB). Ao todo, 234 docentes da UnB responderam à enquete.

Ao serem questionados sobre a frequência em que o(a)s docentes se sentiam sobrecarregado(a)s no trabalho profissional, 42% responderam que sempre, 33% frequentemente e 21% algumas vezes. Ou seja, 96% se sentiam sobrecarregado(a)s com alguma frequência, sendo que 75% sempre ou frequentemente. A maioria do(a)s docentes também respondeu que sempre (46%) ou frequentemente (33%) se sentiam pressionadas com prazos e metas para cumprir, totalizando 79%.

Ademais, toda essa dinâmica de intensificação do trabalho associada à precarização das condições de trabalho tende a resultar na precarização das condições de vida e, nisso, de saúde. Conforme dados coletados na enquete, 40% do(a)s docentes avaliaram a sua saúde como regular, 13% como ruim e e 2,1% como péssima. Somando tais porcentagens, temos que 55% do(a)s docentes - ou seja, mais da metade - avaliaram sua saúde de regular à péssima. A mesma porcentagem (55%) do(a)s docentes respondeu que relacionava o seu quadro de adoecimento às questões do trabalho.

Dentre os quadros de adoecimento mais prevalentes, destacados pelas(os) docentes destacam-se:

doenças muscúlo-esqueléticas, como LER-DORT, tendinites, síndrome do túnel do carpo, afecções da coluna vertebral (418 docentes; 22% do total);

transtornos de ansiedade (393 docentes; 21%);

doenças cardiovasculares (346; 18%);

doenças digestivas, como gastrite, úlcera gástrica etc. (324; 17%);

enxaqueca (273; 14%);

transtornos de humor, como depressão, bipolaridade etc. (266; 14%)

Síndrome de Burnout (147; 8%).

Não é um acaso que sejam tais situações de adoecimento as mais prevalentes. Por mais que não possamos atribuir relação de causalidade, todas elas são sintomas que apontam para quadro de  precarização das condições de trabalho, e, dialeticamente, também são denúncias dessa situação cada vez mais presente no cotidiano da vida acadêmica.

Frente a isso, a greve se torna um instrumento no/pelo qual as denúncias da precarização das condições de trabalho e de vida, ao serem coletivizadas, ganham força e se orientam contra as causas do adoecimento, ao invés de se voltarem contra quem as denuncia, justamente na forma de (mais) adoecimento.

Reiteramos: a presente greve é, também, pela saúde docente - e não só a docente, sendo também pela saúde de toda a comunidade acadêmica e da sociedade que é assistida ou fortalecida pelo trabalho das Instituições Federais de Ensino Superior.

A luta, inclusive, se torna um mecanismo de produção e fortalecimento de saúde, de não adoecimento, podendo até ser terapêutica, afinal, a partir do momento em que lutamos juntos, socializamos não só nossos problemas, mas também as soluções e, nisso, somamos braços, mãos, cabeças e a nossa força.

:: Leia outros textos desta colunista aqui ::

* Comando Local de Greve da Universidade de Brasília - ADUnB-S.Sind.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

Edição: Márcia Silva