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"Mês das mães": Será que todas as maternidades são representadas, valorizadas e vistas? 

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"O capacitismo por associação nos atravessa, porque nós mães somos majoritariamente, as pessoas com o vínculo de cuidado da pessoa com deficiência". - Foto: Arquivo Pessoal
Pouco se aborda sobre a mãe da pessoa com deficiência sem o discurso de que "vivemos um luto"

Sempre vemos muitas propagandas, comerciais de TV e redes sociais, programas dedicados à maternidade com relatos de muitas mulheres-mães. 

Mas será que maio, o “mês das mães”, todas as maternidades são representadas, valorizadas e vistas? 

Trazendo o recorte da maternidade atípica te digo que ainda não! 

Pouco se aborda sobre a mãe da pessoa com deficiência a não ser trazendo o discurso trágico de que “vivemos um luto” ao descobrir o diagnóstico de um filho com deficiência. Ou, matérias repletas de trechos chamando-nos de “guerreiras”, “especiais” e “escolhidas por deus”. Aquela pesquisa bastante conhecida de que a nossa maternidade é mais estressante que a rotina de um soldado em guerra, sempre vem à tona! 

Relatos trazendo a dificuldade de se criar um filho com deficiência são os mais explorados, porque o sofrimento gera engajamento. Uma vez estava reunida com outras mães de pessoas com deficiência e um familiar de uma delas disse: “Vocês são felizes né? Achei que encontraria mulheres tristes aqui.” Porque a idealização que se tem em nossa sociedade é justamente essa, de que somos mães infelizes por termos filhos incapazes. 

Mas a pesquisa do Instituto Baresi, de 2012, indicando que 78% dos pais acabam abandonando a família pouco tempo depois que o filho com deficiência recebe o diagnóstico, é sempre citada. Sempre! Essa pesquisa revela duas coisas: a primeira é a falta de dados atualizados sobre o maternar atípico. E a segunda é que homens abandonam seus filhos com deficiência e famílias porque eles precisarão de mais apoio, cuidado, atenção, paciência e aprender itens a mais pra paternidade atípica e muitos desses homens não querem. Porque precisarão cuidar integralmente. O privilégio de não poder cuidar, é masculino.  

E se trouxermos mais um recorte dentro da maternidade atípica, temos mais de 11 milhões de mães solos no Brasil. Como a vida da mãe solo avança, se ela fica limitada a garantir que os direitos do filho sejam assegurados? 

As evidências da ausência de políticas públicas, do abandono paterno, da falta de oportunidades no mercado de trabalho, da escassez de políticas públicas do cuidado que sobrecarregam e marginalizam as mães atípicas, estão aí. Mas nada é feito. 

E quando iremos tratar das oportunidades pra essas mulheres mães-atípicas? Quando vamos parar de achar que ter um filho com deficiência é algo penoso, um castigo? 

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Quando se falará sobre o capacitismo por associação? Que é a discriminação contra pessoas por causa de sua associação com uma pessoa com deficiência. Ele nos atravessa, porque nós mães somos majoritariamente, as pessoas com o vínculo de cuidado da pessoa com deficiência. Sofremos constantemente com a violação dos direitos de nossos filhos, e também, não possuímos a rede de apoio necessária para o exercício da maternidade de forma leve e tranquila.

Capacitismo por associação

Com isso, acabamos por anular outros setores da nossa vida (como o profissional e o afetivo) para dar conta de tantas demandas. Além disso, quem nunca participou de entrevista de emprego e viu os olhos do entrevistador “perder o brilho” quando você fala que é mãe de pessoa com deficiência, não sabe o que é perder uma vaga de emprego por conta do capacitismo por associação que nos atravessa. 

Tenho visto algumas empresas oferecerem cursos profissionalizantes para que mães de PcD se capacitem, mas fica o questionamento: todas as vagas nas empresas privadas terão flexibilidade de horário, creches? Porque a jornada de 44 horas semanais não é pensada para quem precisa lavar, passar, cozinhar, levar em terapia, brigar por direitos e cuidar de outra pessoa. 

Tenho visto também o crescimento do empreendedorismo materno por necessidade. Não sou contra empreender, mas sei que é extremamente difícil. Eu já tentei empreender por um tempo e vendia bijuterias nas horas “vagas”, na recepção da clínica enquanto aguardava minha filha na terapia. Sem preparo, sem planejamento, apenas numa tentativa desesperada de ter uma grana pra mim e pra ajudar no pagamento das intervenções multidisciplinares que ela precisa para ter qualidade de vida.

Conclusão: não consegui levar adiante porque o lucro era pequeno, como também, é preciso investir tempo para produzir e estudar melhor estratégias de venda.

Para as vagas no serviço público, existe a possibilidade de redução de carga horária, mas não são todas as mães que conseguem passar num concurso público até porque, estudar nem sempre é tarefa fácil com a rotina de cuidados. Durante o período em que o filho está na escola, muitas de nós passam uma boa parte do tempo em algum órgão público reivindicando os direitos dele. Exigir direitos é necessário, mas extremamente desgastante! 

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Maternidade atípica

Maio também é o mês da maternidade atípica, esse espaço social também é nosso, ainda que não estejamos em pauta. Ainda que sejamos “a mãe que todos acham especial, mas a que ninguém quer ser.” As reivindicações das questões maternas são legítimas, mas não podemos invisibilizar os outros recortes maternos e suas intersecções porque eles não são bonitos ou estão fora do padrão. 

Talvez possa parecer óbvio, mas ainda é preciso dizer que quando uma mãe atípica diz que está cansada, não é porque não ama o filho. Esse cansaço é sobre todos esses abandonos que sofremos: paterno, afetivo, social, emocional e financeiro! 

Nós queremos ser cuidadas, não somos fortes o tempo todo, somos humanas. Mas para isso, é preciso que cada um assuma a sua responsabilidade no trabalho do cuidado: Estado, sociedade e principalmente os homens! Como a Cristina Rioto, do perfil @caixadesaida, disse: “Fazer do cuidado uma postura!”. O cuidado é um trabalho coletivo e precisa - urgentemente - ser redistribuído. 

A discussão não só sobre políticas públicas do cuidado, sobre a remuneração desse trabalho, equiparação de oportunidades e salarial,  sobre profundas transformações sociais e culturais, que ainda estão se moldando e fortalecendo. Diversas ações conjuntas e coletivas precisam ser formadas. Enquanto a realidade materna efetivamente não muda, seguimos acolhendo umas às outras e na luta, porque a maternidade atípica é um ato político!

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*Andréa Medrado é ativista, mãe típica e atípica, membro do grupo Pitt-Hopkins Brasil.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Rafaela Ferreira