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Crise no Rio Grande do Sul: um olhar para as redes agroalimentares

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Terrível evento natural foi potencializado pela falta de planejamento, atenção para a preservação ambiental e de limites à especulação da terra no campo e na cidade - Roberto Liegbott/Cimi
A face mais visibilizada dessa tragédia e que chega até nós pela imprensa acontece no meio urbano

O Rio Grande do Sul enfrenta uma das maiores tragédias climáticas da história do país em razão das chuvas intensas e das enchentes que afetaram o estado no mês de maio de 2024. Cotidianamente estamos acompanhando com muita preocupação as dezenas de mortes já anunciadas, bem como as cenas de milhares de pessoas sendo removidas de suas casas ou que estão completamente isoladas. São cidades, incluindo a capital Porto Alegre, completamente tomadas pelas águas, com interrupções graves nos meios de transporte, mobilidade, fluxo de mercadorias, serviços médicos e de abastecimento.

A face mais visível e visibilizada dessa tragédia e que chega até nós pela imprensa acontece no meio urbano. No entanto, não podemos deixar de levar em consideração os diversos impactos que acometem os espaços rurais. Esse terrível evento natural foi potencializado pela falta de planejamento, atenção para a preservação ambiental e de limites à especulação da terra no campo e na cidade. As consequências serão sentidas durante um longo período com implicações diretas para a organização e o funcionamento das redes agroalimentares. O risco maior será o de comprometer a segurança alimentar da população gaúcha e uma crise generalizada para os agricultores, assentados, quilombolas e povos indígenas que perderam sua produção e que enfrentarão dificuldades para voltar a produzir alimentos. 

Cidades e racismo ambiental: perspectivas da tragédia socioclimática no Rio Grande do Sul

Logo que comecei a acompanhar com mais atenção a extensão geográfica do problema, decidi realizar uma breve análise dos dados da produção agrícola na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) tendo em vista que foi uma das regiões mais afetadas pelas chuvas. O objetivo foi o de dimensionar o potencial impacto das enchentes para a produção agrícola. De acordo com o último Censo do IBGE, A RMPA é constituída por 34 municípios totalizado mais de 4 milhões de habitantes. A partir da análise dos dados da produção agrícola municipal (PAM), do IBGE de 2022, nos 34 municípios da RMPA somente o município de Cachoeirinha não registrou área plantada de nenhum dos 72 produtos de lavoura temporária e permanente. Os cinco produtos com maior quantitativo de hectares de área plantada a RMA em ordem decrescente foram: arroz em casca (71 mil ha), soja em grão (32 mil ha), milho em grão (8 mil ha), mandioca (6 mil ha) e tangerina (4 mil ha). 

O Rio Grande do Sul concentra mais da metade do total de área plantada e destinada à colheita de arroz do país com aproximadamente 1 milhão hectares. Em termos de quantidade produzida essa importância é ainda maior posto que representa 71% da produção nacional com 7 milhões de toneladas (PAM/IBGE, 2022). Diante desse preâmbulo, podemos entender a gravidade que pode representar para o país, justamente na produção de um produto central e simbólico da nossa cesta básica, em termos de segurança alimentar.

A lavoura do arroz está presente em vinte dos trinta e quatro municípios da RMPA sendo que os municípios de Viamão, Santo Antônio da Patrulha e Eldorado do Sul são os que possuem maior quantitativo de produção e de área plantada. É importante destacar ainda que em 11 municípios a cultura do arroz ocupa mais de 50% do total de área plantada de todas as lavouras com destaque para Esteio e Alvorada cuja cultura ocupa 100% da área plantada e destinada à colheita. 

São muitos os relatos de produtores que sofreram prejuízos na produção do arroz. Algumas estimativas preveem a quebra entre 10% e 11% da safra com perdas de R$ 68 milhões (DATAAGRO). A situação sofreu uma escalada nacional quando o Ministério da Agricultura e Pecuária anunciou a elaboração de uma medida provisória com o intuito de garantir a importação de arroz da Tailândia e com isso proteger o mercado interno contra ataques especulativos. 

Passando da produção para o consumo de alimentos os impactos também são alarmantes visto que grande parte das pessoas vivem em áreas urbanas. Logo, o abastecimento alimentar acontece nos estabelecimentos de varejo de autosserviço (supermercados, atacarejos, lojas de proximidade), mercados, centrais de abastecimento e feiras. A população da RMPA está enfrentando dificuldades para garantir os suprimentos básicos. Muitas lojas foram destruídas, estão alagadas e os produtos não conseguem chegar nas cidades por conta da destruição das estradas. A imprensa já relata a prática do racionamento de determinados itens pelos supermercados, especialmente do arroz. O quadro mais caótico tem sido a corrida generalizada para as lojas gerando filas extensas, situações pontuais de desabastecimento de alguns produtos (incluindo água potável), roubos e saques. 

Diante de uma crise de tamanha proporção e sem precedentes na história nacional temos que pressionar o poder público estadual e federal para que possa assegurar recursos financeiros emergenciais de modo a garantir a segurança alimentar da população gaúcha. Ao mesmo tempo em que podemos mobilizar a sociedade civil com o apoio de associações, movimentos sociais, povos tradicionais, organizações não governamentais, cooperativas, setor privado e doações individuais numa articulação que promova a integração entre todos os atores que compõem a rede agroalimentar.

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*Juscelino Bezerra é geógrafo, doutor em Geografia e professor na Universidade de Brasília

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Rafaela Ferreira