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Transporte público

DF: Sindicato questiona legalidade nas alterações da passagem de ônibus

Medida do GDF determina fim do dinheiro para pagamento de passagem apresenta contradições jurídicas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Reunião técnica foi realizada na CLDF no dia 29 de maio. - Foto: Luan Henrique Bastos

O deputado distrital Max Maciel (PSOL), presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU), mediou uma reunião técnica na quarta-feira (29) para discutir as recentes alterações no pagamento de passagem de ônibus no Distrito Federal.

O Governo do Distrito Federal anunciou, através da Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), que a partir de 1º de julho de 2024 se inicia a transição para a digitalização total da tarifa até atingir a fase em que os ônibus do transporte público não aceitarão mais o dinheiro em nota ou moeda como forma de pagamento da tarifa. Ou seja, os carros coletivos passam a receber tarifa somente via pix, cartão bancário, cartão mobilidade ou cartão vale-transporte.

O GDF alega que, dessa forma, aumenta a segurança dos passageiros, reduz o tempo de embarque, combate a sonegação e reduz índices de violência como assaltos. O secretário de Estado de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal, Zeno José Andrade Gonçalves, esteve presente na mesa em nome do GDF e afirmou que “em nenhum momento nós queremos o direito do consumidor e a universalização do acesso ao transporte”. Entretanto, a repercussão da medida gerou reclamações e questionamentos de insegurança sobre a acessibilidade de passageiros, a empregabilidade de cobradores e a qualidade do serviço prestado de um modo geral.

Desde o anúncio da Semob, Maciel tem feito cobranças para que haja urgência na implementação total e eficaz dos chamados “Validadores V6”, a tecnologia que permite recarga e pagamento digital, nos veículos do transporte público.

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Ele destaca que “o processo de implementação de sistema semelhante em outras cidades apresentou algumas dificuldades e provocou questionamentos acerca de um eventual descumprimento de normas de direito do consumidor. Esta comissão já emitiu ofícios ao poder executivo para que disponibilize mais pontos de venda e recarga de valores a serem utilizados no sistema de transporte público do DF. Esta reunião técnica compõe portanto mais uma etapa dos nossos pedidos de esclarecimento às autoridades e aos órgãos envolvidos, além de promover o nosso mais importante princípio que é a Participação Popular nas decisões que impactam diretamente o nosso cotidiano”.

O parlamentar solicitou facilidade de compra da passagem de ônibus, tanto quanto para compra de créditos para celular, por exemplo, como já é praticado em outras cidades do país.

“Onde você adquire cartões e recarrega cartão com muita facilidade em banca de revista, padaria ou farmácia. Aqui nós não o que nós não podemos deixar que essa mudança não pode, em hipótese alguma, dificultar o acesso do usuário no sistema, caso ele não consiga recarregar, ou se for um turista no DF que acabou desembarcar na Rodoviária interestadual, ele deve saber imediatamente onde ele compra um bilhete”, disse Max Maciel.

Acessibilidade e exclusão digital


Fábio Félix apontou contradição entre a proposta da Semob e a leis específicas que regem o funcionamento de serviços. / Foto: Luan Henrique Bastos

Para o deputado Fábio Félix a extinção do dinheiro físico no transporte público tem alta chance de agravar problemas de acesso e circulação da população mais pobre por meio da locomoção coletiva.

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“Já existe uma dificuldade em acessar mecanismos mais informatizados ou cartões. Sabemos que isso pode acabar gerando um nível de exclusão social. Essa é uma preocupação constante para nós. Outra questão é a burocratização e a falta de pontos de acesso para o carregamento do cartão de mobilidade. Essa situação é preocupante, pois dificulta o acesso ao serviço de transporte”, ressaltou o parlamentar.

Foram apontados também pontos de contradição entre a proposta da Semob e a leis específicas que regem o funcionamento de serviços. Por exemplo, sobre o fato de que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, inciso IX, considera como prática abusiva e proíbe expressamente a conduta do fornecedor que se recusa a vender bens ou prestar serviços ao consumidor que se disponha a adquiri-lo mediante pronto pagamento.

Félix acrescentou também que “a Lei de Contravenções Penais, no seu artigo 43, e a jurisprudência do Tribunal de Justiça do DF também abordam a questão do uso da moeda e consta que multa aplicada para aquele que “recusar-se a receber, pelo seu valor, moeda de curso legal no país. Esses elementos nos geram preocupações em termos de segurança jurídica”.

Representando as categorias profissionais, João Osório da Silva, diretor financeiro do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Terrestres do Distrito Federal (Sittrater/DF), afirmou que a medida necessariamente marginaliza uma parcela da população.

"É impossível eliminar por completo a utilização do dinheiro no sistema de transporte coletivo, exceto se o governo deliberar em excluir uma parcela dos usuários, afinal sempre haverá uma parcela de passageiros que precisam utilizar o transporte pagando em dinheiro por várias razões. Dessa forma, a portaria 78 ao invés de ampliar o acesso, acaba restringindo”.

Permanência dos cobradores

Os mais de 5.300 cobradores de ônibus do Distrito Federal estão temerosos quanto à perda de seus empregos. O Sindicato dos Rodoviários do Distrito Federal (Sittrater-DF) criticou a alegação do GDF de que esses trabalhadores seriam realocados dentro das próprias empresas, afinal não há demanda suficiente para absorver todos os cobradores em funções internas.

Fábio Félix (PSOL) reforçou a necessidade de manutenção do exercício de cobradores. “Estes profissionais não apenas realizam a cobrança na entrada dos ônibus, mas também desempenham um papel crucial na mediação de conflitos, no cuidado com a população e na prestação de informações. Dada a condição precária do transporte, esses trabalhadores são fundamentais. Respeitamos muito esse segmento, que conta com milhares de trabalhadores no Distrito Federal, e estamos atentos às suas necessidades e preocupações”.

Max Maciel também destacou que além da reclamação de cobradores, motoristas também relatam a proximidade da sobrecarga de trabalho pelas funções transferidas dos cobradores.

“Muitas reivindicações chegaram ao conhecimento da CTMU, em especial no tocante aos postos de trabalho dos cobradores e à dificuldade que seria enfrentada pelos motoristas que passam a ser responsáveis pelas tarefas paralelas ao cobrador, como tratar eventuais problemas no momento de embarque dos usuários e do pagamento das passagens e, agora, dar orientações importantes no processo de adaptação desse novo sistema de pagamento. Os cobradores poderiam ser assessores de bordo ou fiscais de transporte público. Eles estão muito além da simples troca de moeda ou de percepção se o validador funcionou”.


Diretor do Sindicato destacou as consequências da ação da Semob para cobradores. / Foto: Luan Henrique Bastos

Do lado do sindicato, João Osório colocou que as consequências da ação da Semob serão irreparáveis, pois causa “uma exposição muito maior do motorista, que terá que dividir a atenção com vários outros incidentes ao longo da viagem, fatores que geram maior atraso do veículo e risco de acidentes de trânsito”.

Ele apresentou os recursos cabíveis ao sindicato, que entrou em contato com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) para que juntos entrem “com uma ação cível-pública para impedir que a portaria entre em vigor. Isso é necessário, pois infelizmente esse assunto chegou para nós sem um diálogo prévio, logo então temos uma posição antagônica ao governo”.

O secretário da Semob, Zeno Gonçalves, garantiu que “ninguém sai do sistema, ninguém perde emprego, ninguém será mandado embora. Não há exoneração, nem demissão, nem fuga de cobrador”.

A advogada do Sindicato, Alessandra Camarano, acrescentou também que existe uma “decisão do Supremo que determina que a garantia de emprego dos cobradores não é tema de lei distrital, mas sim tema de lei federal”.

Apesar da colocação da Semob, para Alessandra não existe uma garantia legal de que esses empregos serão mantidos. "Governos e secretários mudam ao longo do tempo. Existem grandes chances de que os cobradores fiquem num primeiro momento, mas que após qualquer alteração de pessoal em gestões futuras da secretaria, essa garantia se desfaça”.

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Edição: Márcia Silva