Distrito Federal

racismo obstétrico

Pesquisadora aponta falta de políticas para diminuir a mortalidade materna das mulheres negras no DF

Maioria das mortes de grávidas e purpúreas seriam evitáveis com melhor atendimento

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
66.248 brasileiras foram vítimas da mortalidade materna em 2023 - Divulgação/Fiocruz

“O Brasil é um país muito difícil para uma mulher negra ser mãe, por diversos fatores, dentre eles as dificuldades de acesso a saúde pública, até a violência obstétrica”, foi o que o que afirmou a pesquisadora Marjorie Nogueira Chaves, coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra (Nesp/FS) da Universidade de Brasília. Marjorie listou diversos fatores que contribuem para a mortalidade de mulheres negras ser maior que outros grupos, conforme mostra o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, do governo federal.

“São várias questões, mas é preciso ter atenção com as questões étnico-raciais dentro do SUS, porque precisamos dialogar sobre racismo para que o atendimento as mulheres negras melhore”, defendeu a pesquisadora da UnB, citando que o Brasil já tem instrumentos, como a Política Nacional de Saúde integral da População Negra, instituída pelo governo federal em 2009, mas que não implementada no DF. “Instrumentos já existem, mas não tem nenhuma ação concretizada no DF para essa política [saúde da população negra]”, acrescentou.

De acordo com o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna em 2023 foram 66.248 mulheres vieram a óbito em decorrência de gravidez, sendo 896 no Distrito Federal. O número de mortes é considerado alto por especialistas, sobretudo porque a maior parte dos hábitos ocorrem por falta de atendimento de saúde adequado a médica especialista em Saúde Reprodutiva, Ana Maria Costa.

O Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna traz os dados desde 1996 e o pico foi o ano de 2021, em que 94.826 mulheres grávidas ou puérperas vieram a óbito no Brasil e 1.096 no DF. Em 2022, esses números caíram para 95.154 no Brasil e 793 no Distrito Federal.

Apesar da pequena redução, as mulheres negras (pardas e pretas) seguem sendo o maior grupo vítima da mortalidade materna, sendo 58% no Brasil e 61% no Distrito Federal, em 2023.  “O fato da necessidade de peregrinação para o atendimento é uma das principais causas e a gente assisti isso com frequência no FF, em que a mulher precisa passar por dois ou três hospitais para conseguir atendimento e infelizmente algumas vem a óbito, em sua maior negra”, destacou a Marjorie.

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Em abril o caso de uma mulher negra gravida que morreu depois de não ser atendida no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) exemplifica bem o ponto apresentado pela pesquisadora. A mulher, de 30 anos estava grávida de dois meses, passou mal e buscou atendimento no HRT, mas foi transferida para os hospitais de Samambaia e depois Ceilândia, antes de falecer. Segundo relato do marido nas redes sociais, os profissionais do HRT informaram que a mulher não pode ser atendida, porque não morava em Taguatinga. Dias depois o HRT exonerou a médica que teria negado o atendimento a mulher.

A pesquisadora Observatório da Saúde da População Negra listou como problemas que normalmente incidem mais sobre as mulheres negras, como a violência obstétrica, a necessidade de transporte público ineficiente para ter acesso ao atendimento de saúde, a necessidade de trabalhar até a véspera do parto e a falta de integração entre os sistemas primária, secundário e terciário de saúde. “São todos problemas que incidem mais sobre as pessoas mais vulneráveis economicamente e negras e por isso podemos fazer em racismo obstétrico e injustiça reprodutiva, uma vez que por uma série que questões os serviços de saúde não são assegurados as mulheres negras.


Marjorie Chaves é coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra/UnB / Arquivo Pessoal

Morte evitável

“A mortalidade materna é um evento nefasto, porque ocorre pelo mal atendimento, ou seja, é uma morte evitável”, apontou a médica especia Ana Maria Costa. Segundo ela, a principal causa da mortalidade materna é a eclâmpsia, que é facilmente identificada e controlada com um devido pré-natal. Já as outras causas estão relacionadas a infecções e hemorragias, que em grande parte grande estão associadas ao aborto ou a tentativa de aborto sem assistência, que ocorre com maior frequência com pessoas mais vulneráveis financeiramente, dentre elas as mulheres negras.

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Ao falar especificamente do DF, Ana Costa lembra que todas as etapas do atendimento a saúde pública estão precarizados. “No DF a gente vem tendo uma piora gradativa do sistema de atendimento e as mulheres aqui precisam  peregrinam para ser assistidas. É o resultado do pouco caso do governo do DF”, analisou a médica especialista, acrescentando:  “O governo central [Federal] não faz serviço, mas política e libera os recursos. Quem deveria executar é o GDF e a gente sabe que a situação da Saúde aqui é um escândalo”.

GDF

Em nota, a Secretaria de Saúde do Distro Federal (SES/DF) informou que o Plano Operativo Distrital de Implantação da Política Nacional de Saúde da População Negra (PNSIPN) encontra-se em fase final da construção.

De acordo com a Pasta foram realizadas 4 oficinas de trabalho com vistas a elaborar e propor ações, capacitações e metas que dialogassem intrinsecamente com a dinâmica do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a realidade do Distrito Federal (DF). “Aponta-se, ainda, que tal Plano Operativo tem como finalidade estabelecer as estratégias que nortearão a implementação PNSIPN no Distrito Federal, buscando, dessa forma, o enfrentamento das iniquidades e desigualdades em saúde com enfoque na abordagem étnico-racial”, destacou a nota.

Segundo a pasta, a construção do PNSIPN foi fruto de um trabalho coletivo nas oficinas realizadas a partir da parceria entre a Gerência de Atenção à Saúde de Populações em Situação Vulnerável e Programas Especiais (GASPVP) e o Observatório de Saúde da População Negra da Universidade de Brasília (NESP/UnB) e que teve participação de estudantes, membros e membras do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN), trabalhadoras e trabalhadores da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF)  e sociedade civil.

“Além disso, a SES/DF e a UNB aderiram ao Programa PET Saúde Equidade. Neste programa, um dos grupos de estudo e intervenção vem tratando da temática "gênero, sexualidade, raça, etnia e maternidades", acrescentou a nota.

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Edição: Márcia Silva