Mulheres foram às ruas de Brasília mais uma vez, nesta quinta-feira (27), para conscientizar a população sobre o que representa o Projeto de Lei (PL) 1.904/2024, que equipara o aborto ao crime de homicídio simples. O ato fez parte de uma Jornada de Lutas nacional contra o PL, organizada por movimentos feministas que exigem o arquivamento imediato da proposta.
“O PL 1.904 ainda está tramitando em regime de urgência. É muito importante que a gente não perca a observação disso”, disse a servidora pública Talita Victor durante o ato. “Essa pauta interessa muito, mobiliza o fundamentalismo e o fascismo nas eleições municipais. E nós temos que nos manter mobilizadas para exigir que ele seja arquivado. Não tem negociação possível”, completou.
Apelidado de PL do Estupro, o texto propõem que pessoas gestantes e profissionais de saúde que interromperem gestações acima de 22 semanas sejam condenados a até 20 anos de prisão, mesmo nos casos em que o aborto é permitido em lei – gestação resultante de abuso sexual, risco de morte à mãe e anencefalia do feto.
“A gente vai se levantar também em defesa dos profissionais de saúde. Criança não é mãe, estuprador não é pai, médico não é assassino, enfermeira não é assassina! Não vamos permitir que nada desse projeto seja aprovado”, defendeu a servidora pública.
As organizações que participaram do ato apontam que o PL 1.904 afeta principalmente crianças e adolescentes vítimas de violência sexual no Brasil. O mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou um número recorde de estupros em 2022: 74.930. Seis de cada 10 vítimas tinham menos de 14 anos.
“[Esse projeto] protege o patriarcado, porque é uma violência contra as meninas e as mulheres, mas principalmente as meninas, que ainda não têm conhecimento do seu corpo, não conseguem reconhecer em tempo hábil que estão grávidas e que precisam e têm o direito de fazer o aborto”, afirmou a diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Vilmara Pereira. “As nossas crianças não são mães e não são criminosas. Arquivamento já!”, bradou.
Pela lei atual, essas meninas têm direito ao aborto legal, embora o acesso ainda seja muito difícil. O projeto que agora tramita em regime de urgência tornaria essa garantia legal ainda mais distante de ser concretizada, já que criminaliza aquelas que interrompem gestações acima de 22 anos, período em que mais comumente são identificadas as gravidezes de crianças e adolescentes.
“Nós mulheres temos que estar nas ruas porque toda gravidez na infância é arriscada, gravidez na adolescência tem risco também. Eu já vi uma adolescente de 14 anos tendo convulsão por causa da gravidez no Hospital do Gama”, disse a assistente social Ludmila Suaid, que também é doula.
“É um absurdo que meninas estupradas de 9, 10, 11, 12, 13 anos sejam obrigadas a continuar uma gestação porque elas não perceberam que estavam grávidas e chegaram no serviço de saúde após 22 semanas de gravidez. É um absurdo ter penas maiores para as meninas do que para o estuprador”, completou Suaid.
Os movimentos feministas destacam ainda que o PL do Estupro vai punir sobretudo mulheres e meninas negras e pobres, que moram em locais com pouco ou nenhum acesso à saúde, o que as torna mais propensas a buscar o aborto acima de 22 semanas de gestação.
“Eu como uma mulher ativista do movimento de mulheres, do movimento negro, uma mulher de 86 anos, bisavó, avó e mãe, sinto na pele o descaso e a injúria que estão fazendo com as mulheres e meninas com essa lei horrível que querem colocar”, disse Lydia Garcia durante o ato.
“Nós não podemos deixar que eles mandem, que eles determinem as leis do nosso corpo e determinem leis que vão prejudicar as meninas e as mulheres negras principalmente. É o povo que está mais à beira, está mais à margem”, defendeu a militante histórica do movimento negro.
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Edição: Flávia Quirino