Distrito Federal

Higienização

GDF realiza mais uma ação de acolhimento pessoas em situação de rua, mas ativistas alertam sobre viés elitista

Plano de acolhimento iniciou em março; população em situação de rua é estimada em 7 mil pessoas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Três a cada mil habitantes do Distrito Federal estão em situação de rua, segundo levantamento do governo federal. - Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

O Governo do Distrito Federal (GDF) colocou em operação mais uma ação de acolhimento e assistência social a pessoas em situação de rua. As ações do Plano de Acolhimento iniciaram no dia 15 de março. Nesta quinta-feira (4) foi realizada mais uma remoção em três pontos: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Trecho 2 do Setor de Clubes Esportivos Sul e a Superquadra Sul 203 (SQS 203).

No entanto, relatos de pessoas em situação de rua e organizações que atuam nesta área, questionam questionam a abordagem e a forma de remanejamento. Para o Instituto Cultural e Social No Setor as ações de acolhimento realizadas pelo GDF até agora têm sido insuficientes e mal direcionadas.

"Observamos uma política que frequentemente prioriza a remoção de moradores de rua ao invés de oferecer soluções de longo prazo e dignas. Essa postura revela uma tendência do governo de se alinhar com grupos que possuem interesse em 'limpar' áreas públicas, muitas vezes visando a valorização imobiliária e a gentrificação, sem considerar os direitos e necessidades das pessoas em situação de rua”, aponta o coordenador-geral da entidade, Rafael Reis.

Grupos que lidam com atendimento humanizado às pessoas em situação de rua reforçam que a abordagem ideal para esta população deve ser multifacetada e orientados para “criar centros de acolhimento que respeitem a dignidade e os direitos humanos, oferecendo condições adequadas de higiene, alimentação e saúde”, diz o dirigente do No Setor.

"O governo está dando resposta aos empresários que são aporofóbicos, que odeiam pobres e pessoas em situação de rua", destaca Joana Basilio, coordenadora regional do Movimento Nacional da População Em Situação de Rua. Ela acrescenta que existe na política do GDF um problema crônico de tratar a população em situação de rua com uma tabela de ações programadas em que o indivíduo “ajudado” deveria se enquadrar. “Eles não levam em consideração que se trata de um público heterogêneo, muito diverso. São pessoas com várias especificidades. Então o ideal é pensar nessas pessoas como um cidadão de direito”. 

Os coletivos avaliam que somente uma ação que esteja orientada em garantir acolhimento de fato, como medida em primeiro contato, e, em seguida, desenvolver sua autonomia dando meios para conquistar um conjunto de recursos básicos para a sustentação. Basilio afirma que entre esses mecanismos de atendimento estão “reforço ao serviço dos Centro Pop (oferecido por assistentes sociais da Secretaria de Desenvolvimento Social) e reforçar os acolhimentos de pernoite, para que a pessoa posso ter pelo menos esse local fixo pra dormir. Enquanto isso, desenvolver ao mesmo tempo moradias populares, expandir postos de emprego e capacitação profissional”.

A prática do GDF em seguir “políticas de maneira limitada e muitas vezes esporádica, sem uma estratégia consistente e abrangente” obedece uma lógica variável conforme a pressão de diversos setores que disputam o governo a atenção do Estado. Medidas como as citadas por Joana deveriam ser padrão, porém “a razão pela qual essas políticas não são a regra adotada é multifatorial, incluindo falta de vontade política, recursos inadequados e pressão de grupos com uma visão gentrificadora que influenciam as decisões governamentais”, explica Rafael.

Causas sociais

De acordo com um estudo, publicado pelo urbanista Matías Ocaranza Pacheco, as sociedades capitalistas se desenvolvem com a premissa de concentração de riquezas e, consequentemente, hierarquização socioespacial entre zonas de centro e periferia. Assim ocorre um fenômeno típico desse desenvolvimento conhecido como “gentrificação”.

Ele explica que “em diversas metrópoles ao redor do mundo ocorrem processos de transformação da paisagem física e social que promovem a elitização do espaço urbano, o que acaba expulsando os residentes e usuários mais pobres. Esses processos, que se caracterizam pelo abandono (desvalorização) e posterior renovação (valorização) de bairros pobres centrais, são definidos globalmente como gentrificação”.

Sobre o contexto de Brasília como cidade gentrificadora, em diversos estudos os autores ressaltam as particularidades do processo de urbanização e metropolização da capital com conceitos como “metrópole incompleta; espaço de exceção, cidade "tricéfala" ou tricêntrica; metropolização desigual e combinada. "Essas categorias, que refletem características como a segregação residencial, a dispersão urbana e o tombamento da área central, apresentam a metrópole brasiliense como um caso de estudo sui generis de desenvolvimento urbano”, acrescenta Matias.

De acordo com o Instituto No Setor, as causas sociais do aumento da população em situação de rua em Brasília incluem uma série de problemas com raízes em comum. “Desigualdade Econômica: Crescente desigualdade social e econômica que leva à marginalização de grupos vulneráveis. Desemprego: Alta taxa de desemprego que impede as pessoas de sustentarem suas vidas de maneira digna. Falta de Políticas Habitacionais: Ausência de políticas efetivas de habitação que garantam moradia acessível para todos”.


A soma de negros e pardos chegam a 68% do total da população de rua no DF / Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

DF em números

De acordo com o relatório Relatório da População em Situação de Rua, divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o DF é a unidade da federação com o maior percentual de pessoas nessa situação. Os dados, que consideram informações da assistência social e da saúde do Governo Federal, revelam que a capital possui quase três pessoas em situação de rua para cada mil habitantes.

Em termos absolutos, Brasília ocupa a quarta posição no ranking nacional, com 7.924 moradores de rua, representando 3,4% da população total em situação de rua no país.

Os dados do Cadastro Único (CadÚnico) registrados em dezembro do ano passado delineiam um perfil específico da população em situação de rua no Brasil. A maioria é composta por homens (87%) e adultos, com 55% tendo entre 30 e 49 anos. A população negra é predominante, com 51% se identificando como pardos e 17% como pretos. A maioria dessas pessoas sabe ler e escrever (90%) e já teve emprego formal, com carteira assinada (68%).

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Edição: Márcia Silva