A discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48/2023 marca um momento crítico na luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil. Historicamente, os povos indígenas enfrentam diversos desafios, mas, nos últimos 10 anos, forças políticas têm exercido influência decisiva sobre as demarcações territoriais. No judiciário, o julgamento prolongado do marco temporal trouxe algum alívio no ano passado, enquanto o governo anterior, de Jair Bolsonaro, lançou ataques diretos contra as terras indígenas. Com a chegada do presidente Lula, a criação do Ministério dos Povos Indígenas apresentou novas perspectivas, apesar dos desafios enfrentados.
No Congresso Nacional, uma série de propostas legislativas intensificam as ameaças aos direitos indígenas. Projetos como os PLs 709/2023, 8262/2017, 10010/2018 e 4183/2023, impulsionados pela bancada ruralista e de extrema direita, visam criminalizar lideranças indígenas, dificultar o acesso a programas sociais e aumentar penalidades para conflitos em áreas de retomada.
Nesse cenário, a PEC 48/2023 emerge como uma das mais controversas, sendo apelidada pelo movimento indígena brasileiro como "O PL da Morte".
Apresentada em dezembro passado e atualmente sob análise na CCJ do Senado, a PEC 48/2023 propõe alterações constitucionais para condicionar demarcações ao marco temporal de 5 de outubro de 1988. Esta exigência, não prevista na Constituição e contestada por decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF), representa um retrocesso significativo na garantia dos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas.
A resistência à PEC 48/2023 reflete não apenas uma questão de justiça social, mas também ambiental. As terras indígenas desempenham um papel crucial na conservação ambiental, regulando o clima e protegendo a biodiversidade. Qualquer medida que enfraqueça sua proteção pode resultar em aumento do desmatamento, grilagem de terras e perda irreparável de ecossistemas vitais para o equilíbrio climático.
Portanto, é imperativo que a CCJ do Senado Federal rejeite essa proposta.
A PEC 48/2023 não apenas desafia princípios constitucionais fundamentais, mas também representa um sério retrocesso nos esforços para promover uma sociedade justa e sustentável para todos os brasileiros.
Em uma nota técnica divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reafirma-se que a aprovação da PEC 48/2023 compromete gravemente o direito fundamental à terra dos povos indígenas, garantido pelo Art. 231 da Constituição. O documento pede a retirada de pauta da PEC e o arquivamento definitivo da matéria, argumentando a imutabilidade e irrevogabilidade desses direitos fundamentais, protegidos pelo Art. 60, §4º, da Constituição Federal de 1988.
Em contraponto, no dia 02 de julho, a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4566/23, de autoria da deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), que proíbe a imposição de qualquer marco temporal para demarcação de terras indígenas. O PL fixa o ano de 1500 como Marco Temporal do Genocídio Indígena e segue para análise na Comissão de Constituição e Justiça.
No ano passado, a Apib questionou no STF a edição da Lei 14.701/2023, que também incluiu o marco temporal na legislação e promoveu profundos retrocessos aos direitos indígenas. Em resposta aos pedidos da entidade Apib, o ministro do STF, Gilmar Mendes, agendou uma conciliação para o dia 5 de agosto, quando acontecerá a primeira reunião da comissão especial que avaliará a Lei 14.701/2023. A lei legaliza o marco temporal, abre terras indígenas para a possibilidade de arrendamentos, dificulta o processo de demarcação e permite construção de rodovias e linhas de transmissão sem consulta prévia aos povos indígenas e diversos crimes contra os povos indígenas. A Apib repudia a decisão e afirma que o direito ao território tradicionalmente ocupado é um direito originário previsto na Constituição Federal de 1988 e não pode ser negociado.
A Apib pediu, também , que todos os processos que tratam do marco temporal tenham como relator o ministro Edson Fachin, responsável pelo Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que declarou o marco temporal como inconstitucional em 2023, em caso que envolvia a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, território do povo Xokleng.
Nas ruas e nas redes sociais, o movimento indígena brasileiro está intensamente mobilizado contra a PEC 48. Personalidades como a cantora Anitta, Xamã, Isabelle Nogueira e artistas como Gloria Pires têm desempenhado um papel crucial ao se posicionar publicamente contra a proposta. Seu engajamento tem sido fundamental para mobilizar apoio popular e pressionar os senadores a rejeitarem a medida, que é vista como uma ameaça aos direitos indígenas garantidos pela Constituição.
Essas figuras públicas têm utilizado suas plataformas para aumentar a conscientização sobre os impactos negativos que a PEC 48 poderia ter sobre os povos indígenas, enfatizando a importância de proteger seus direitos territoriais e culturais. Com suas vozes influentes, elas contribuem significativamente para ampliar o debate público e fortalecer a resistência contra propostas legislativas que possam enfraquecer as garantias constitucionais dos povos indígenas no Brasil.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), manifestou confiança em uma solução para o impasse envolvendo o marco temporal para demarcação de terras indígenas, através de uma tentativa de conciliação entre todas as partes interessadas promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"Estou muito entusiasmado com a iniciativa do STF de, ao invés de simplesmente decidir pela inconstitucionalidade daquilo que aprovamos no Congresso, poder inaugurar um ambiente de conciliação e composição. Ontem (segunda-feira), indiquei membros do Senado para participar dessa comissão instituída pelo ministro Gilmar Mendes. A Câmara também vai indicar, o governo federal também", disse Pacheco.
Para este dia 10 de julho, os povos indígenas estão mobilizados em todo o país contra a PEC 48, principalmente nas redes sociais. Apoie o movimento indígena, a proteção de seus direitos e a proteção das florestas!
A causa indígena é de todos nós.
*Hony Sobrinho e Erisvan Guajajara são integrantes da Mídia Indígena.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Márcia Silva