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Julho das Pretas: celebração e resistência

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Neste momento, mulheres negras de todo o Brasil se organiza para a realização da 2ª Marcha de Mulheres Negras que será realizada na capital federal em novembro de 2025 - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.
As mulheres negras brasileiras têm mais avanços a celebrar ou desafios para travar?

25 de julho é o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. No Brasil foi instituído, por meio da Lei 12.987/2014, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma líder do Quilombo Quariterê, localizado entre o rio Guaporé e a atual cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, que resistiu à escravização durante duas décadas do século XVIII, lutando pela comunidade negra e indígena que vivia sob sua liderança.

Neste 10º ano do Dia da Mulher Negra, podemos perguntar se as mulheres negras brasileiras têm mais avanços a celebrar ou desafios para travar. Não podemos deixar de considerar a pandemia da Covid-19, o avanço dos fundamentalismos, do discurso de ódio no mundo e os quatro anos de um governo antidemocrático no Brasil, com maior impacto sobre as mulheres negras. Em 2022, chegamos ao nosso mundialmente conhecido patamar de 33 milhões de pessoas em situação de fome

Mesmo com inúmeras incidências da sociedade civil, movimentos de mulheres negras, e esforços da atual gestão federal com a reestruturação do Ministério das Mulheres e da Igualdade Racial, por exemplo, a situação é grave. Em 2023, no Brasil, a cada 24 horas, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica e quatro morreram vítimas de feminicídios.

Luta contra retrocessos

As mulheres negras seguem sub representadas em cargos de liderança e decisão, como é o caso da disputa nos espaços políticos. Após lutas que garantiram cota de vagas e de recursos para mulheres e pessoas negras nas disputas eleitorais, o atual balanço contabiliza partidos anistiados por descumprirem a legislação vigente e o PL 112/2021, do Novo Código Eleitoral, retrocede e legitima a falta de compromisso político com as reivindicações já duramente conquistadas. Enquanto grande parte dos países da América Latina e do mundo lutam por paridade de gênero entre parlamentares, no Brasil, lutamos contra retrocessos e pela manutenção do mínimo de direitos.

As mulheres seguem sendo submetidas às maiores cargas tributárias devido ao caráter regressivo da tributação brasileira, que incide mais sobre o consumo do que sobre a renda e o patrimônio. Como resultado, são as pessoas empobrecidas as que pagam, proporcionalmente, mais impostos. Considerando as interseccionalidades de gênero e raça no Brasil, as mulheres negras pagam, proporcionalmente, mais impostos quando o assunto é tributação indireta.

E como último exemplo, que também podemos considerar um dos efeitos devastadores da ascensão da extrema direita no mundo somada ao racismo e sexismo à brasileira, cito o PL 1904/2004, ou PL do Estuprador, que pretende igualar o aborto ao crime de homicídio, incluindo casos em que a prática já é legal, no Brasil, desde 1940.

Ou seja, numa violência em que uma adolescente ou mulher seja estuprada e opte pelo aborto, o juiz pode determinar que ela receba uma pena de 6 a 20 anos de prisão por homicídio. Seria mais do que uma revitimização, mas uma violência permitida e executada pelo Estado contra meninas e mulheres. Alguém tem dúvidas de que as principais vítimas dessa legislação seriam meninas e mulheres negras, considerando que são as mais acometidas pelas violações sexuais e com menos acesso à saúde no Brasil?

Marcha de Mulheres Negras

Os desafios são muitos, mas a história demonstra a luta e resistência das mulheres negras, seja durante a escravização que fundou o Brasil, seja na escravização moderna pós abolição de 1988. Tereza de Benguela, celebrada no Dia da Mulher Negra, é um desses símbolos. Neste momento, mulheres negras de todo o Brasil se organiza para a realização da 2ª Marcha de Mulheres Negras que será realizada na capital federal em novembro de 2025. A meta é reunir 1 milhão de mulheres negras marchando por reparação e bem viver da população negra brasileira.

Temos ainda o Festival Latinidades, uma iniciativa nascida no Distrito Federal, e que desde 2008 celebra as potencialidades de mulheres negras em diversas áreas e linguagens, com ênfase nas artes e na cultura como estratégicas para equidade de gênero e raça. Em sua 17ª edição conta com programação potente, feminista, antirracista e diversa em Salvador, Goiás, Brasília e São Paulo.

Luta e resistência não sem celebração, essa é a regra daquelas que seguem em marcha, sob a reivindicação unívoca de que não é possível falar em democracia no Brasil sem reparação e bem viver para as mulheres negras.

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*Cristiane Ribeiro é do Colegiado de Gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos)

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Rafaela Ferreira