A cantora Indiana Nomma se apresentou duas vezes nesta semana em Brasília, no Infinu Comunidade Criativa da 506 Sul e no Clube do Choro no Eixo Monumental, com músicas consagradas na voz da argentina Mercedes Sosa. O repertório das canções carrega a energia cultural e os processos políticos da América Latina.
Mais do que seleções musicais, Indiana Nomma carrega essa influência também em sua experiência de vida. Filha de pai baiano e mãe gaúcha, exilados políticos por conta da ditadura militar no Brasil, Indiana nasceu em Honduras, na América Central, e teve a infância marcada por diversas culturas dos lugares onde morou, crescendo no México, Portugal, Nicarágua e Alemanha Oriental.
Em conversa com o Brasil de Fato DF, ela explica que por muito tempo, o que considera hoje como diversidade e interação soava como inadequação devido à falta de raízes. “Mas ao compreender o quanto a vida e as culturas são ricas de possibilidades e tornam tudo mais lúdico, acabei assumindo uma curiosidade e uma liberdade em relação à música, que se espelha nos meus trabalhos, que vão de divas do jazz ao tributo à memória de Mercedes Sosa”.
Nomma conheceu Mercedes Sosa aos quatro anos de idade na Nicarágua, poucos meses após a Revolução Sandinista, quando a “voz dos sem voz” se apresentou na Plaza de la Revolución, em Manágua. Para Nomma, o impacto da musicalidade latino-americana se mescla com seu contexto político e histórico. Ela assistiu a Sosa nos ombros do pai, enquanto a mãe e o irmão mais velho faziam parte da Cruzada Nacional de Alfabetização, que organizava voluntários que soubessem ler e escrever.
“Após uma guerra civil terrível (combate ao governo da Família Somoza), a campanha subiu no pau de arara e todo tipo de transporte nos confins da Nicarágua para educar, mesmo sob risco de morte e de sofrer ataques das milícias que ali atuavam (paramilitares dos Contras)”, diz antes de cantar "El tiempo pasa".
Portanto, ela faz questão de expor sua preocupação política na performance musical. “Isso faz com que a escolha de todo o repertório passe por valores de defesa aos direitos humanos, à igualdade e principalmente à propagação da esperança de que, através do amor incondicional e da percepção do outro, podemos ter uma sociedade melhor, mais igualitária e um mundo mais equilibrado”.
Aos 8 anos, iniciou seus estudos em canto erudito, e aos 13, começou a aprender piano. Já no Brasil, aprofundou-se no canto coral e no teatro. Suas apresentações na Costa Rica e no Carnegie Hall, nos Estados Unidos, consolidaram seu interesse pela música clássica.
“Como eu também sou cantora de jazz, minha vida se divide nos dois estilos, em função da influência musical que recebi do meu pai no jazz e da minha mãe na música latino-americana. Além da música, gosto muito da dança, apesar de não ser boa dançarina. Faço aula de lindy-hop e gosto muito de salsa, estilos musicais pelos quais passei ao longo da minha carreira também”, ela acrescenta.
Em 2002, Indiana fundou a Indiana’s Angels Band, seguida pelo surgimento do Indyanna Trio em 2003. Com uma fusão única de teatro e música, seus shows são conhecidos pelas performances cênicas, com figurinos temáticos que remetem ao jazz dos anos 30 e à discoteca dos anos 70.
Com uma linha musical que combina jazz, MPB e black music, acompanhada de violão, bateria e voz, Indiana lançou o CD caseiro “UK Brasil ao vivo”. Em 2008, ela montou o espetáculo cênico-musical “Indiana Nomma canta Tim Maia”, que foi um grande sucesso em Brasília.
Iniciou a produção dos seus trabalhos em Brasília. Por isso, sua apresentação na capital era tão aguardada. “Brasília é a cidade que escolhi como sendo minha. Vivi por 23 anos nesse avião vasto, experimentando e estreando todos os projetos que pude com a tal curiosidade e liberdade de que falei antes. E amadureci nisso. Tenho um filho brasiliense, e isso me fez querer homenagear os compositores brasilienses também no meu primeiro álbum de carreira lançado em 2015, o Indiana Nomma”, afirma a cantora.
Homenagem a Mercedes
Indiana Nomma presta homenagem a Mercedes Sosa há 24 anos. E faz questão de ressaltar que as apresentações desta semana são ainda mais especiais por serem realizadas em Brasília, na semana em que Mercedes Sosa, falecida em 2009, completaria 89 anos. Além da representatividade do mês de celebração do Dia Internacional da Mulher Afro-Latina e Caribenha, que ocorre em 25 de julho.
Em 2023, Indiana recebeu a chancela oficial da família de Mercedes Sosa e do governo argentino, sendo condecorada com a distinção “Amiga da Argentina”, além de amplo reconhecimento da Fundação Mercedes Sosa.
Trata-se de uma apresentação simples, mas muito apurada musicalmente, basicamente violão dedilhado por André Pinto Siqueira e a potência vocal de Indiana. O show inclui canções eternas como "Gracias a la vida", "Volver a los 17", "Alfonsina y el mar" e "Yo vengo a ofrecer mi corazón".
“Muita gente fala que minha voz é parecida com a da Mercedes, mas na verdade não é. Temos registros um pouco diferentes, cores diferentes da voz. Porém, acho que a mesma herança emocional cruza o nosso caminho em função de sermos latino-americanas, de países com língua hispânica. Metaforicamente falando, nossas vozes surgem de outros lugares. A força que ela transmitia na voz dela era realmente algo fora do comum. Não força física, falo da força espiritual que ela transmitia”, destaca a hondurenha-brasileira.
Do vasto repertório para homenagear Sosa, Nomma explica que a seleção de canções vai do romântico ao político, e que esses dois eixos estão entrelaçados pelas circunstâncias de vida das duas.
“Pela história da minha família, eu também escolhi nesse primeiro álbum músicas politicamente posicionadas. E nos tempos atuais, essa memória se torna urgente. Alguma outra canção pode parecer romântica, mas na verdade tem cunho político, sempre tem cunho político. E talvez essa seja a herança emocional que eu carrego também do exílio dos meus pais. É da minha vida fora do Brasil, filha do exílio”.
Ela aproveita também para dedicar o show a grandes nomes da música latino-americana que fizeram parte da geração Nueva Canción Latinoamericana e contribuíram com composições e arranjos para o repertório de Sosa. Nomes da esquerda cultural dos anos 60 e 70, como Violeta Parra e Victor Jara. “A cultura e a história da música e da arte não podem ser extintas por quem quer que seja”, diz, e segue com a canção de Horacio Guarany que diz “Si se calla el cantor, calla la vida”.
O show foi encerrado com a música "Maria Maria", do mineiro Milton Nascimento, amigo e parceiro de Mercedes Sosa, como forma de homenagem ao Mês Internacional da Mulher Afro-Latina e Caribenha.
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Edição: Flávia Quirino