Distrito Federal

Luta antimanicomial

TCDF mantém suspensão de recursos públicos à clínica Salve a Si, acusada de violação de direitos humanos e desvio de finalidade

Comunidade terapêutica pode ter causado prejuízo de R$300 mil aos cofres públicos

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
De acordo com profissionais da psicologia, "comunidades terapêuticas são uma mistura de prisões, igrejas e senzalas" e aplicam tratamento manicomial - Foto: Agência Brasília

O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) decidiu manter a suspensão de investimento público na Organização da Sociedade Civil (OSC) Salve a Si, localizada em São Sebastião. A decisão unânime entre os conselheiros foi anunciada na quarta-feira (17), seguindo o voto do relator André Clemente.

Durante a sessão, Clemente destacou os indícios de irregularidades na instituição, incluindo desvio de finalidade de imóveis, uso de mão de obra de acolhidos para tarefas alheias ao tratamento e precarização dos serviços prestados. Além disso, há suspeitas de dano ao erário, com recursos previstos para repasse que ultrapassam R$ 300 mil.

“Mantenha a suspensão do repasse de recursos à Salve a Si até que toda a prestação de contas seja realizada e ocorra nova deliberação desta corte”, afirmou Clemente. Ele também estipulou um prazo de 30 dias para a instauração de um processo administrativo para avaliar possíveis sanções à OSC.

Essa não é a primeira vez que a Salve a Si enfrenta problemas com o TCDF. Em agosto de 2023, os repasses foram suspensos pela primeira vez, e uma inspeção in loco foi realizada pelo corpo técnico da corte.

Em dezembro, as informações foram denunciadas ao Conselho Nacional de Direitos Humanos por violação de princípios básicos de ética terapêutica para dependentes químicos e precarização do serviço de reabilitação. A CNDH instaurou processo administrativo para apurar as irregularidades no uso desses recursos e instaurou procedimento para acompanhar a questão.

Ex-membros denunciam que a casa que deveria ser usada para abrigar pessoas em tratamento, e que havia sido construída com mão de obra dos acolhidos, estava sendo utilizada como casa particular do presidente da OSC e que as verbas públicas eram desviadas para pagar despesas pessoais dele. A utilização de mão de obra dos egressos para cumprirem funções não previstas no contrato também foi verificada pelas instituições.

“Importante destacar que a denúncia foi acompanhada de documentos que revelam que o Tribunal de Contas do Distrito Federal determinou fiscalização imediata na organização Salve a Si - e também a suspensão do repasse de dinheiro público à Salve a Si” destacou o Conselho em ofício enviado ao MDS.

Em resposta à decisão, a instituição afirmou respeitar a determinação do Tribunal de Contas e reiterou seu compromisso com a transparência e conformidade com as exigências da Secretaria de Justiça. 

A comunidade terapêutica, por sua vez, alega que os antigos gestores foram destituídos e que um boletim de ocorrência foi registrado para garantir a responsabilização dos envolvidos.

Comunidades terapêuticas

Apesar de a Salve a Si destacar que vai seguir um procedimento diferente de sua gestão anterior, especialistas analisam que as irregularidades encontradas nessa OSC é o padrão das comunidades terapêuticas. 

Para Pedro Costa, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília e coordenador do coletivo Saúde Mental & Militância as comunidades terapêuticas funcionam como instituição asilar e manicomial. "São gestões privadas, apesar de que estejam dentro das políticas públicas e recebendo uma grande parcela de dinheiro público. É um absurdo que modelo exista e esteja inserido dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Elas fazem parte do nível de atenção residencial de caráter transitório. Mas isso está errado; não é para compor a RAPS”.

Na pesquisa acadêmica de Pedro, conclui-se que comunidades terapêuticas “são uma mistura de prisões, igrejas e senzalas, que formam um pilar constitutivo do que eles chamam de laborterapia, mas que tem sido, na verdade, concretamente, trabalho não pago, quando não trabalho escravo, análogo à escravidão”.

Segundo Thessa Guimarães, presidenta do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, há anos o CRP se manifesta de forma crítica às comunidades terapêuticas.

"Estão explicitadas a fiscalização, identificação e acionamento dos órgãos competentes nos casos de denúncias de violações de direitos humanos em CTs; a defesa da abordagem de redução de danos; a reafirmação do compromisso ético-político da Psicologia do cuidado em liberdade, em especial no enfrentamento às práticas asilares das comunidades terapêuticas, que violentam, humilham e aniquilam a subjetividade e autonomia dos usuários; e o posicionamento contrário ao financiamento de comunidades terapêuticas ao invés dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial, o que requer a retirada imediata de repasse financeiro público às comunidades terapêuticas”, afirma a psicóloga.

Em 2023, o Conselho de Política sobre Drogas do Distrito Federal (Conen) aprovou um edital com várias irregularidades voltado para a contratação de Comunidades Terapêuticas (CTs) sem licitação. O processo levantou suspeitas sobre devido ao tempo insuficiente para análise e critérios poucos objetivos nas prestações de contas.

De acordo com o coletivo Saúde Mental & Militância no DF, a ação do GDF, através do Conen, “1) financiar ainda mais as CTs do DF com verba pública; 2) escapar do processo de licitação; 3) sem sequer haver análise de prestação de contas dos anos anteriores; e 4) descumprindo o Regimento do Conen, ou seja, feito de maneira irregular”.

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Edição: Flávia Quirino