Distrito Federal

25 de julho

Apesar da falta de apoio, mulheres negras disputam cargos políticos no DF

Embora sejam maioria da população, são sub-representadas no Congresso: "é preciso uma ação afirmativa efetiva"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Keka Bagno e Mãe Baiana participaram das eleições em 2022 - Foto: Arquivo Pessoal/Mãe Baiana

Brasília foi fundada em 1960, mas com o golpe civil-militar de 1964, os moradores da capital só puderam escolher deputados e senadores em 1986 e o primeiro governador em 1990. Desde então, aconteceram dez eleições no Distrito Federal, e nenhuma mulher negra do campo progressista e comprometida com as pautas do feminismo negro foi eleita.

Apesar da Justiça Eleitoral ter imposto cotas para mulheres e para negros nos cargos políticos, poucas dessas vagas em disputa foram ocupadas por candidatas negras, que se queixam da falta de apoio político.

Em julho deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 9/23), que pretende anistiar as legendas que descumpriram as cotas para candidaturas de mulheres e pessoas negras. A matéria agora será analisada no Senado.

Para Joseanes Santos, da Frente de Mulheres Negra do DF, a anistia proposta por essa PEC é "mais um golpe" para as mulheres negras, que encontram barreiras para se eleger, como acontece no Distrito Federal.

“Todas as mulheres negras que se dedicam à vida política tiveram uma derrota com a aprovação da PEC 9, que demonstra a falta da seriedade que esses agentes tratam a política de ação afirmativa, que é tão importante sobretudo para mulheres negras, que são o grupo mais sub-representado”, avaliou Joseanes, mestra pela Universidade de Brasília (UnB).

A sub-representação a que Joseanes se refere tem a ver com o fato de que as mulheres negras constituem o maior grupo demográfico tanto do DF (28,7% da população), quanto do Brasil (quase 30%), e, no entanto, são minoria nos espaços de representação política. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, apenas 8% das parlamentares são mulheres negras, enquanto homens brancos representam 60%.

“É preciso uma ação afirmativa efetiva, sem anistia em toda eleição, porque se não a candidatura de mulheres negras seguirá no campo do voluntariado, enquanto outros grupos são convidados a ocupar esses espaços e recebem recursos dos partidos”, defendeu Joseanes.

Candidatas progressistas

Nas eleições de 2010, a jornalista Jacira da Silva foi candidata a uma das 24 cadeiras de parlamentar distrital pelo PT-DF. Ela não conseguiu se eleger, mas obteve 681 votos, o que permitiu uma projeção política para assumir a Ouvidora da Secretaria Especial de Igualdade Racial no governo de Agnelo Queiroz (2011-2014).

“Quando eu entregava o papel, o material de campanha, algumas pessoas perguntaram quem era o candidato e se surpreendiam quando descobriam que era eu, porque não esperavam uma mulher preta como candidata, mas muita gente ficava feliz também”, relatou Jacira.


Jacira da Silva : "algumas pessoas perguntaram quem era o candidato" / Foto: Arquivo Pessoal/Jacira da Silva

Atualmente, a jornalista atua no coletivo Mulheres Negras Baobá, que trabalha com apoio e formação política no Setor de Chácaras Lucio Costa, no DF.

“Depois dessa experiência [de mulher negra candidata no DF] a minha grande pergunta foi o que torna uma pessoa elegível”, questionou Jacira, destacando o papel de capacitação política, o que a motiva a seguir atuando nos movimentos sociais. Segundo a ativista, esse espaço de formação política, bem como apoio financeiro, é algo que falta para as mulheres negras em todos os partidos, apesar de reconhecer que nas legendas de esquerda, como o PT, o espaço para discussões do feminismo negro é maior.

Já Mãe Baiana foi candidata em 2022 ao cargo de deputada federal pelo PSB, recebeu 3.050 votos, segue atuando no movimento negro, feminista e conta a intolerância religiosa no DF.

“Eu cheguei aqui na década de 80 e ser candidata dentro do Distrito Federal, já parece ser um agravante, porque você é mulher, sendo pobre é outro agravante e sendo preta mais ainda. Então, para uma mulher negra ser candidata no DF tem que ser junto com outras mulheres”, defendeu Mãe Baiana, que também se queixou da falta de apoio.


Mãe Baiana: Ser mulher negra candidata dentro do DF parece ser um agravante / Foto: Arquivo Pessoal/Mãe Baiana

De acordo com a ialorixá, para qualquer pessoa se eleger é preciso dialogar com a comunidade, e as mulheres negras contam com menos instrumentos para conseguir esse feito e ter bons resultados nas urnas.

“Tive muita dificuldade na minha campanha, mas não faltou articulação minha com a comunidade. Eu sempre dialoguei com os pretos e pretas, com o pessoal de terreiro, com as mulheres, apesar de não ter apoio e estrutura de muitos candidatos”, reclamou Mãe Baiana, ressaltando que cumpriu dois objetivos, que eram  “plantar uma semente” para o futuro e ajudar na vitória do presidente Lula (PT).

Também no pleito de 2022, o Distrito Federal contou com a primeira mulher negra concorrendo ao cargo de governadora. Keka Bagno (PSOL) conquistou 13.613 votos e acredita ter contribuído com a quebra de um paradigma.

“Participar do pleito teve um viés legal, que é esses reconhecimentos das pessoas que se sentiram representadas e ter mudado a ‘cara’ dos debates de televisão. O outro ponto é a gente pensar que só em 2022 ter uma mulher negra candidata ao governo, com certeza não é porque não tinha mulheres negras com condições de disputar esse pleito”, analisou Keka.


Keka: Muitas vezes as mulheres negras conseguem se fortalecer mais nos seus territórios / Foto: Arquivo Pessoal/Keka Bagno

A ex-candidata a governadora também destaca o fato de o DF não contar com eleições municipais, com os cargos de vereadores, por exemplo, como algo que dificulta ainda mais a trajetória política para as mulheres negras da capital.

“Muitas vezes as mulheres negras conseguem se fortalecer mais nos seus territórios e se elegem primeiro como vereadoras e depois para outros cargos, como vimos em outros estados”, lembrou Keka, destacando por outro lado o crescimento da bancada de mulheres negras na Câmara Federal e o maior espaço para discutir o feminismo negros dentro dos partidos progressistas.

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Edição: Flávia Quirino