A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) está acompanhando a invasão da Polícia Militar do DF (PMDF) do terreiro Ilé Asè, em Planaltina, na noite desta terça-feira (23). Segundo os presentes no local, eles foram surpreendidos com policiais que entraram de forma truculenta e em busca de um suspeito de tráfico de drogas. De acordo com relatos, agentes teriam desrespeitado as cerimônias que aconteciam no templo religioso.
Com isso, a Comissão encaminhou um documento ao Ministério Público e ao secretário de Segurança do DF. "A policia invadiu a casa pulando o muro, o terreiro teve o portão arrombado e os quartos sagrados invadidos. Tal ato não apenas caracteriza abuso de autoridade, mas também fere o direito à liberdade de expressão e à proteção de seus bens”, aponta o ofício.
O documento pede a investigação do caso, esclarecimento sobre as circunstâncias e o encaminhamento das providências cabíveis. O ofício também solicita a abertura de inquérito para investigar a conduta dos policiais envolvidos na abordagem e na invasão do terreiro; a tomada de medidas necessárias para garantir que situações semelhantes não se repitam, respeitando os direitos humanos e as práticas culturais das comunidades religiosas e o acompanhamento e a proteção das vítimas e testemunhas envolvidas no caso.
A Comissão também estabelece que deve ser apurado as circunstâncias em que ocorreu a retirada do celular de Uanderson Luiz Ribeiro Pereira, líder religioso do local, que estava gravando a ação.
“No DF, uma lei de minha autoria pune a prática de racismo religioso, principalmente quando praticada por agentes públicos. Já pedimos a investigação desse caso e a responsabilização dos envolvidos. É intolerável esse nível de desrespeito às religiões de Matriz Africana e aos seus lugares sagrados de culto”, declara o deputado distrital Fábio Felix (PSOL), presidente da CDH.
Invasão e racismo religioso
A invasão foi gravada por membros do terreiro e, de acordo com vídeos divulgados, o homem, já algemado, entrou no local perseguido pelos policiais. Nas imagens, é possível ver quando um agente da Polícia segura o suposto suspeito pelo braço, que estava com ferimentos na cabeça. Em outro momento, outros policiais pulam o muro do terreiro em busca do homem.
Já em outra filmagem, agentes da PMDF começam a proferir palavrões contra as pessoas que estavam no local. Em um dos vídeos, é possível ouvir o policial falando “macumbão” para os membros do terreiro. "Sem nenhuma preparação, arrombaram o portão, invadiram o terreiro, que estava em função, adentraram os quartos de santo e chamaram o nosso espaço sagrado de inferno", mostra uma das publicações feita pela Casa nas redes sociais.
Ao Brasil de Fato DF, o Pai Uanderson, líder religioso da Casa Ilê Asé, conta que, quando a abordagem começou, ele estava no pátio do local fazendo uma limpeza espiritual. Segundo ele, o foragido é irmão biológico, porém, ele não faz parte da religião.
“O detido é meu irmão, mas nem mora aqui. Não sou a favor disso. Se errou, tem que pagar. Não apoiamos isso. Mas, agora, é diferente bater e espancar uma pessoa que já estava no chão. Foram mais de 15 policiais invadindo e profanando minha fé”, relata Uanderson, também, em um vídeo publicado nas redes sociais.
Em novembro de 2022, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras apresentou um mapeamento do racismo religioso no Brasil, no qual representantes de 255 terreiros de todo o país foram ouvidos. Quase a metade registrou até cinco ataques nos dois anos anteriores ao estudo.
"Eu queria saber se, caso fôssemos uma igreja católica ou evangélica, eles realmente teriam essa conduta. Se eles teriam esse ato de intolerância religiosa, de racismo. Queria saber se eles agiriam dessa forma", destaca Uanderson.
Para Aurélio de Odé, autoridade tradicional do Ilê Odé axé Opô Inlé, esses locais não são apenas lugares de culto, mas também de apoio comunitário. Segundo ele, os terreiros desempenham um papel essencial na preservação das tradições e na promoção da inclusão social. "Reconhecer e respeitar esses espaços, mesmo em situações de emergência, é um passo essencial para garantir que todas as culturas e crenças sejam tratadas com dignidade", destaca.
"A harmonia entre a atuação policial e o respeito aos direitos culturais e religiosos é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Ao valorizar e proteger as casas de matriz africana, a Polícia Militar reafirma seu compromisso com a diversidade e os direitos humanos, demonstrando que a segurança pública pode e deve caminhar lado a lado com o respeito às tradições e à integridade das comunidades que servem", diz Aurélio de Odé.
O que diz a PMDF?
Em nota, a Polícia Militar do DF aponta que foi efetuado a prisão de quatro homens envolvidos em tráfico de drogas, na via pública. O flagrante ocorreu na Vila Buritis, em Planaltina, na Quadra 6, conjunto A. Segundo eles, a equipe do Grupo Tático Motociclístico (GTM-34), estaria realizando o patrulhamento quando visualizou quatro homens vendendo drogas em via pública.
Segundo o órgão, durante a abordagem, um dos detidos teve que ser algemado para garantir a segurança dos policiais militares e do próprio envolvido, uma vez que o suspeito estaria muito agitado, resistindo à prisão e, aparentemente, sob o efeito de droga.
"Dois dos envolvidos se evadiram da abordagem, instante em que parte da equipe se separou a fim de tentar captura-los. O suspeito que estava algemado, realizou uma fuga para uma propriedade privada, momento em que o policial tentou busca-lo. Durante a fuga, o suspeito caiu e bateu a cabeça em uma motocicleta que estava estacionada dentro da propriedade", mostra a nota.
A Polícia ainda informa que, durante a ação do policial, pessoas presentes no local teriam agredido o policial e o expulsado da propriedade, que foi trancada pelos envolvidos. "Foi solicitado apoio policial, em decorrência da grande quantidade de pessoas hostilizando a ação policial. Com a chegada de apoio policial, a situação foi controlada, os quatro envolvidos foram devidamente detidos."
"Cumpre mencionar, que os suspeitos se encontravam em situação de flagrância, legitimando a ação policial. O irmão de um dos envolvidos, tentou obstruir a detenção, mas também foi contido pelos policiais. Um outro homem foi preso por favorecimento pessoal e resistência, pois informou que o suspeito não se encontrava mais no local, tentando impedir a ação policial."
"Os quatro detidos foram conduzidos à 16ª delegacia para os procedimentos legais, sendo autuados por: tráfico de drogas, uso e porte de entorpecentes, desobediência, resistência e favorecimento pessoal. Vale lembrar, que o suspeito que tentou realizou a fuga à propriedade privada, responde a processo criminal pela prática, em tese, dos delitos de associação criminosa e duas receptações qualificadas", aponta a PMDF.
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Edição: Flávia Quirino