Nos dias 6 e 7 de agosto, das 8 às 18 horas, o Conselho Federal de Medicina (CFM) vai escolher seus 54 novos membros que atuarão na gestão 2024-2029, por meio de uma eleição eletrônica que acontece em todo país. Cada estado e o Distrito Federal elegerão dois conselheiros federais, entre titulares e suplentes.
A atual gestão foi eleita em 2019 e desempenhou um papel fundamental de apoio à agenda da extrema direita em diversos assuntos, como as decisões relacionados a pandemia da Covid e a tentativa de restrição ao aborto legal, dentre outras agendas.
A guinada do Conselho de Medicina à extrema direita é observada desde a implementação do programa Mais Médicos pelos governos do PT, com a vinda de médicos cubanos e de outras nacionalidades para atuarem em áreas com ausência de profissionais. No entanto, desde a eleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, esse alinhamento ficou ainda mais evidente e chegou ao ápice na pandemia, em que o CFM endossou muitas ações anticiência do ex-presidente.
Desde o período da pandemia, parte dos profissionais descontentes com os rumos tomados pelo Conselho começaram a se mobilizar coletivamente em redes e coletivos progressistas ou simplesmente comprometidos com a ciência. Em 2023, houve eleições nos Conselhos Regionais de Medicina de todo Brasil e algumas chapas de oposição às atuais gestões foram lançadas, sendo o DF um exemplo ao eleger representantes alinhados na luta contra o negacionismo e integrantes do “Médicos em Movimento”.
Para a eleição deste ano, o “Médicos em Movimento” conseguiu lançar chapas na maioria dos estados e no Distrito Federal.
Mobilização no DF
A disputa das vagas de conselheiros do CFM no Distrito Federal promete ser acirrada, com o lançamento de três chapas. Chapa 1 'Reunir e Trabalhar', do grupo de situação, Chapa 2 'Ciência, Ética e Dignidade' da oposição encabeçada pelo grupo 'Médicos em Movimento' e a Chapa 3 'União e Compromisso', formada pela antiga gestão do CRM-DF.
De acordo com dados do CRM-DF de 2023, o Distrito Federal tem cerca de 20 mil profissionais da medicina, em 2019, 12.529 participaram do processo eleitoral.
A Chapa 2 'Ciência, Ética e Dignidade' é encabeçada pela médica Beatriz Mac Dowell e o médico Ricardo Martins (professor da Universidade de Brasília). Uma das entusiastas da Chapa 2 no DF, é a médica Ana Maria Costa, especialista renomada em Saúde Reprodutiva e diretora do Centro Brasileiro de estudo de Saúde (Cebes), que integra o movimento de médicas e médicos insatisfeitos com a atuação do Conselho, denominado Muda CFM.
“Com os absurdos que foram realizados pelo CFM na pandemia, começamos a entender que tínhamos que fazer alguma coisa para retomar o comprometimento do Conselho com a ciência, com a democracia e com o progressismo, pois foi assim no passado”, narrou Ana Costa, citando o apoio do CFM às lutas democráticas nos anos 1980. “Foram muitos absurdos na pandemia, quando o Conselho não referenda o distanciamento social, questiona a vacina e incita profissionais a utilizarem medicamentos sem comprovação”, lembrou a médica.
Ao falar especificamente sobre toda essa discussão de tentativa de criminalização das mulheres até nos casos do aborto legal, que envolve, por exemplo o estupro, Ana Costa que é uma especialista no tema considera que o CFM foi um “parceiro” de um setor que busca um retrocesso ao código penal de 1940. Antes do tema ser levado ao Congresso, esse tema ganha maior proporção a partir de uma resolução do CFM que foi barrada pela justiça.
“O Brasil respondeu, porque fomos as ruas e não apenas nós, mas todas as mulheres civilizadas, porque infelizmente essa situação, da violência sexual está no cotidiano das famílias brasileiras”, avaliou.
Mobilização nacional
Em todo o Brasil, os grupos progressistas conseguiram lançar chapas em pelo menos 16 das 27 disputas. Além do DF, estados como no MG, PE, RJ, RS e PR, terão candidatos dispostos a mudar a atual configuração do CFM.
Nesse pleito, mais de 400 mil médicos poderão escolher 54 membros (27 efetivos e 27 suplentes), que justamente com outros dois (1 efetivo e 1 suplentes), indicados pela Associação Médica Brasileira, farão a composição da nova diretoria do CFM em dia 1º de outubro.
De acordo com o médico de São Paulo e coordenador da Rede de Médicos pelo Direito de Decidir, Cristião Fernando Rosas, as eleições dos dias 6 e 7 de agosto serão uma das mais importantes para que os profissionais descontentes com atuação do CFM possam buscar uma mudança necessária.
"Temos observado cada vez mais um grande descontentamento entre médicos e médicas que não se sentem mais representados pelo CFM por uma série de posicionamentos e atitudes recentes sem grande fundamentação na ciência e no melhor da saúde pública”, analisou Cristião, destacando a atuação do CFM na pandemia, nos casos do aborto e em outros “retrocessos”.
Já a médica mineira Helena Paro, que também integra a Rede de Médicos pelo Direito de Decidir, analisa que existe uma necessidade urgente de mudar a atual gestão do CFM, bem como dos CRMs. “É urgente essa mudança porque nos últimos anos os conselhos regionais e o Conselho Federal têm se mostrado um conselho composto por médicos misóginos, racistas, que discriminam os pacientes, e antiéticos”, destacou Helena.
Para o médico Gerson da Costa Filho, que integra a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, a classe médica não pode continuar com um "conselho da antimedicina”. “É absolutamente crítico reparar esse desvio de escopo e missão das instituições médicas, nomeadamente o CFM que tem essa prerrogativa de autarquia pública”, defendeu o médico, que também integra a Associação de Médicas e Médicos pela Democracia.
Gerson ainda classificou a agenda da atual gestão da CFM como "político-partidária" e "sem compromisso com a saúde publica e com a ciência". Segundo ele, esse tipo de gestão no Conselho trouxe diversas consequências negativas para a boa prática da medicina e para a sociedade, que vão desde uma atuação "criminosa" durante a pandemia até o uso do aparato profissional para perseguir profissionais que assistiram gestantes em processo de abortamento legal.
"Os efeitos maléficos dessa influência, dessa captura institucional em prol de uma agenda política específica se manifestam hoje em dia no uso do aparato institucional para perseguir bons e boas médicas que implementam políticas públicas conforme os mandatos sanitários vigentes", resumiu Gerson.
Como participar?
Médicas e médicos dispostos a participar da eleição têm até 30 de julho para regularizar eventuais pendências (administrativas, financeiras e cadastrais) junto ao CRM para garantir seu direito ao voto. Os médicos devidamente inscritos nos Conselhos Regionais de Medicina, sem pendências financeiras ou administrativas, poderão votar, por meio do site: eleicoescfm.org.br. O voto é obrigatório, mas facultativo aos profissionais com 70 anos ou mais.
O pleito será conduzido pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), designada pelo CFM, a partir de nomes designados pelos CRMs para compor as Comissões Regionais Eleitorais (CREs). A CNE informou que já apresentou para as chapas concorrentes os instrumentos de votação, registro, apuração, relatórios e demais ferramentas utilizadas no processo eleitoral, que ocorrerá de forma online. A apuração dos votos será divulgada, conforme calendário eleitoral do CFM, na noite do dia 7 de agosto.
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Edição: Flávia Quirino