Em greve desde 24 de junho, servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizaram uma série de atividades de mobilização, em Brasília, durante essa semana, considerada pela categoria como decisiva na luta por reestruturação.
De acordo com a categoria, as manifestações tem como objetivo pressionar o Governo Federal para atender as reivindicações por reestruturação de carreira e reajuste salarial, além de chamar a atenção pública para o que o sindicato da categoria classifica como “sucateamento dos órgãos de proteção ambiental”. Na quarta-feira (24), uma manifestação foi realizada na Rodoviária do Plano Piloto com a abertura de uma bandeira gigante onde estava escrito: "O país que sediará a COP-30 não valoriza seus servidores ambientais".
Para o presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Asibama-DF), André Café, o ato foi uma “grande oportunidade pra dialogar com a população ao escancarar nosso estado de greve e todos os problemas enfrentados por nós servidores da área ambiental”.
Condições gerais de trabalho
O movimento, de escala nacional, conta com adesão em 21 estados e no DF. A principal concentração de protestos desses profissionais tem sido manifestações contínuas na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Roberta Graf, líder da Associação de Servidores do Ibama e ICMBio no Acre (Asibama/AC), explica que a greve é uma reação às más condições de trabalho enfrentadas pelos servidores ambientais nos últimos anos.
“A greve é liderada pela base, em um momento em que a base não suporta mais. Não há dinheiro nem para pagar aluguel, especialmente para os técnicos, que ganham muito mal. O sucateamento dos órgãos como Ibama, ICMBio, Serviço Florestal Brasileiro e Ministério do Meio Ambiente é crescente. Nos últimos 10 anos, vivemos um período de abandono, com alguns momentos isolados de pequena melhora, mas, no geral, apenas sucateamento”.
Ela acrescenta que, apesar dos retrocessos considerados escandalosos no governo Bolsonaro na área ambiental, “não devemos achar que, por termos tido um desgoverno fascista anteriormente, a situação agora está boa, porque não está. Este governo é extremamente antiambiental em todos os aspectos e não há orçamento nos institutos e condições de trabalho adequadas”.
Os grevistas estão pressionando para assegurar treinamento e formação adequados, além de equipamentos de segurança e infraestrutura apropriada para garantir a dignidade dos servidores públicos. A greve visa, portanto, não apenas melhorias salariais, mas também condições de trabalho mais justas e adequadas para os trabalhadores do setor ambiental.
De acordo com a Asibama, faltam sedes próprias em alguns lugares, com muitas sedes alugadas em péssimas condições. "As que existem frequentemente pegam fogo devido a problemas elétricos ou a ações de infratores ambientais. Nossas sedes são frequentemente afetadas por incêndios ou problemas hidráulicos. Às vezes, não temos internet nas sedes e acabamos arcando com os custos do próprio bolso”.
Ainda segundo a associação, “no campo, a situação é extremamente difícil. Enfrentamos tiroteios e sabotagens por infratores ambientais e criminosos que, hoje em dia, estão envolvidos com todos os tipos de crime, incluindo ambiental. A falta de veículos adequados e internet em campo é um problema constante. Em casos de acidentes ou mortes, somos nós que fazemos o resgate”.
Roberta Graf destaca que esse quadro das condições de trabalho é danoso ao profissional da área, pois “o salário é reduzido quando o instituto não cumpre as metas institucionais, e as metas não são alcançadas devido às condições precárias de trabalho e à falta de pessoal”.
Um exemplo da carência no número ideal de profissionais é o fato de o Ibama contar atualmente com cerca de três mil servidores, uma queda significativa em relação aos mais de 6 mil em 2007. A Asibama afirma que a demanda de trabalho “aumentou em 490% nos últimos 10 anos, enquanto o orçamento ambiental foi reduzido pela metade, em contraste com o orçamento geral da União, que dobrou. Atualmente, o orçamento ambiental representa apenas 0,08% do total. Além disso, uma matéria recente destacou que há um fiscal para cada 1.000 km², considerando até mesmo servidores temporários e comissionados, que não possuem as mesmas prerrogativas dos efetivos”.
Atualmente, segundo Roberta Graf, há 4.042 vagas não preenchidas nos quatro principais órgãos ambientais. Embora tenha sido anunciado um concurso para o Ibama e o ICMBio, que deve ocorrer em 2025, são previstas apenas 440 vagas, o que representa pouco mais de 10% das vagas disponíveis. “Em comparação, os Estados Unidos têm 10 vezes mais servidores ambientais do que o Brasil, o que demonstra a falta de investimento e eficiência no serviço público ambiental brasileiro”.
Reivindicações e pauta da greve
As reivindicações incluem reajuste salarial, reestruturação da carreira e melhorias no aparato de preservação ambiental. Isso inclui a realização de novos concursos, um novo planejamento da carreira com gratificação para atividades de risco, e a equiparação salarial com os servidores da Agência Nacional de Águas. Além disso, solicitam a uniformização dos salários entre analistas e técnicos ambientais.
Os servidores afirmam que as propostas apresentadas pelo Ministério da Gestão e Inovação (MGI) não representam um aumento real, mas apenas uma recomposição parcial após quase uma década de congelamento salarial. A nova proposta do MGI, que diminui os valores para novos concursados, não tem conseguido resolver o problema da evasão de servidores, que chega a 30% devido aos baixos salários e às condições de trabalho precárias.
Roberta ressalta que os aposentados enfrentam grandes dificuldades, pois são excluídos das propostas de aumento e ganham mal, já que a maior parte do salário é composta por gratificações que não são totalmente incorporadas.
"Estamos lutando para que o vencimento básico aumente para 65% em comparação com a Gratificação de Desempenho de Atividade de Especialista Ambiental (GDAEM), que ficaria com 35%. Propondo um pequeno aumento na GQ (Gratificação de Qualificação), queremos que os técnicos recebam pelo menos 54% do salário dos analistas, pois atualmente recebem apenas 43%. Isso é um absurdo, já que os técnicos realizam o mesmo trabalho que os analistas, possuem graduação e, em muitos casos, mestrado ou doutorado. O instituto fecha os olhos para o desvio de função porque paga menos pelos técnicos”.
A categoria também luta para incluir na lei a indenização de fronteira, que deveria abranger municípios de difícil lotação, e garantir adicionais de insalubridade e periculosidade, que são quase inacessíveis e muitas vezes não são pagos. “Queremos um aumento geral de 10,5%, embora a perda inflacionária seja de 70%, dividida entre 2025 e 2026. Com a inclusão da GDAEM e o aumento da gratificação de qualificação, esperamos proporcionar algum alívio para os técnicos”.
Legalidade jurídica da greve
Na primeira semana de greve, uma decisão do ministro Og Fernandes, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a suspensão da paralisação após um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). Essa decisão impôs uma multa diária de R$200 mil em caso de descumprimento, exigindo a retomada de 100% dos servidores nas áreas de licenciamento ambiental e gestão de Unidades de Conservação. A ordem, direcionada a três sindicatos representativos da categoria, resultou no retorno ao trabalho dos servidores alocados nessas áreas específicas.
Apesar dessa decisão, a greve continua em muitos estados, com a maioria dos servidores permanecendo afastados de suas atividades. Enquanto a defesa dos profissionais entra com recurso, algumas atividades essenciais estão sendo mantidas, mas ações de fiscalização, por exemplo, estão paralisadas.
“Nossa greve é legal, cumprimos todos os procedimentos necessários, mas o governo agiu com um golpe jurídico, que chamamos de violência jurídica, para restringir nosso direito de greve. O STJ, que estava em recesso, designou um plantonista para a decisão. Essa decisão afeta diretamente mais da metade dos nossos servidores, especialmente do ICMBio. Isso efetivamente restringiu nosso direito de greve”, afirma Roberta.
O presidente do ICMBio acolheu as reivindicações e protocolou um acordo, o que ajudou a garantir o direito de greve para a maior parte dos servidores do ICMBio, embora com a condição de manter os serviços essenciais.
Segundo Graf, “o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, ainda não se posicionou no STJ para revisar a determinação de 100% de serviço essencial, especialmente no licenciamento, que afeta a economia do Brasil. Consideramos essa exigência absurda, pois a lei de serviços essenciais não a justifica. Propusemos manter 10% a 30% dos servidores no licenciamento, mas 100% é inaceitável”.
Negociação com o governo
As negociações com o MGI têm avançado lentamente e, apesar da aceitação de uma nova proposta dentro das limitações orçamentárias, não houve progressos significativos. Os organizadores da greve afirmam que a proposta apresentada pelo governo não constitui um aumento real de salários, compensando somente uma recomposição parcial após quase uma década de congelamento salarial.
De acordo com os articuladores da greve, a proposta do Ministério da Gestão e Inovação (MGI) reduz os valores oferecidos aos novos concursados, exacerbando a perda de até 30% de novos servidores para outras carreiras devido aos salários baixos e às condições de trabalho desfavoráveis.
“Estamos na terceira proposta. A primeira foi ignorada, a segunda também não foi bem recebida e a terceira foi protocolada na sexta-feira, já recuando um pouco devido ao orçamento do próximo ano. Estamos dialogando com a proposta do Ministério de Gestão e Inovação, apesar de não concordarmos com ela, para mostrar que não somos inflexíveis”, explica Roberta.
Além do MGI, a analista ambiental considera que o movimento está enfrentando tensões burocráticas por parte do Ministério do Meio Ambiente. “A ministra Marina Silva tem sido interpelada por nós em reuniões internas, embora sejam poucas. Em eventos em cidades como Rio Branco, por exemplo, tentamos interagir com a ministra, mas fomos impedidos de entrar no evento, que disseram ser privado da Rede Sustentabilidade. Contudo, não era um evento privado, pois era aberto a convites da sociedade acreana”.
Na avaliação da Asibama, “ela está ciente das nossas reivindicações e afirma ser a favor do nosso direito de greve. O discurso dela é sempre positivo, mas não sabemos quão efetiva tem sido sua atuação. Sentimos que o governo escuta a ministra mais por aparência internacional do que por uma ação real e efetiva dentro dos órgãos”.
Posição do governo
Em resposta ao Brasil de Fato DF, o Ministério do Meio Ambiente afirma que as negociações com os servidores do meio ambiente se iniciaram em outubro de 2023 e que “a proposta atual prevê ganhos de 29% a 49% no consolidado entre 2023 a 2026. A proposta também atende à demanda dos servidores de garantir um reajuste maior para os servidores que atuam nas áreas de fiscalização, e prevê gratificações para lotações em regiões de difícil acesso”.
De acordo com o Ministério da Gestão, o órgão apresentou “às entidades representativas dos servidores que chegou à melhor proposta possível, observando o impacto fiscal, mas que está aberto ao diálogo para ajustes na proposta, desde que não ultrapasse o espaço já previsto no orçamento”.
A categoria discordou de alguns itens e apresentou uma contraproposta, que está neste momento sendo analisada pelo governo. Os órgãos também informam que no início de julho o MGI autorizou a realização de concursos para o IBAMA (260 vagas) e ICMBio (180 vagas).
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Edição: Márcia Silva