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Ditadura impediu futuro de Honestino no mesmo compasso em que bloqueou projeto popular para o Brasil

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Diploma foi entregue pela reitoria da UnB Márcia Abrahão a Sebastião Lopes, primo de Honestino Guimarães - Bianca Feifel
O legado de Honestino e daquelas e daqueles que lutaram ao seu lado segue resiliente

O líder estudantil Honestino Guimarães, estudante de Geologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), “desaparecido pela ditadura” em 1973,  recebeu o diploma de geólogo no dia 26 de julho de 2024, em cerimônia post mortem, no auditório do Centro Cultural da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília. Honestino é um símbolo da democracia brasileira, tornou-se o nome do Diretório Central dos Estudantes da UnB e hoje é nome de uma das três pontes sobre o Lago Paranoá que, anteriormente, tinha o nome de um dos generais ditadores, Costa e Silva.

O diploma foi entregue pela reitora Márcia Abrahão para um primo de Honestino. A reitora é professora de Geologia, formada também na UnB, e está nos últimos meses de duas gestões a frente da UnB.

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O ano é 2024, sessenta anos depois do golpe de 1964, oito anos depois do golpe parlamentar-jurídico-midiático-empresarial que retirou o mandato da presidenta Dilma Roussef e colocou no poder Michel Temer, sucedido por Jair Bolsonaro. “A esperança é equilibrista, quem ia imaginar que depois do maior intervalo de vida democrática após o fim da ditadura em 1985 viveríamos seis anos de desgoverno?”, indagou Sebastião Lopes Neto, primo de Honestino, em seu discurso.

A homenagem poderia ter sido realizada antes, como foi lembrado pelo primo de Honestino, mas não foi. O gesto se consumou após o processo ser avaliado e aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário da UnB, presidido pela primeira mulher reitora da UnB.

Por que agora, e não antes?

Talvez porque depois do golpe contra Dilma, dos quatro anos de governo de extrema direita, e da tentativa de novo golpe em 8 de janeiro, o passado autoritário esteja a nos exigir o combate aberto contra a ameaça de ele se tornar novamente o nosso presente, a nossa realidade. 

Os fantasmas do golpe, dos 21 anos de regime autoritário, seguem a assombrar a UnB e o Brasil. Por isso, não é apenas um gesto de justiça e acerto de contas com o passado violento que nos assolou, é também uma atitude de enfrentamento e posicionamento da Universidade de Brasília no tempo presente: “A UnB nunca se recuperou do que ela passou na ditadura militar. Em vários momentos da sua história esta direita desavergonhada volta ao poder na Universidade de Brasília, e ela volta nem sempre de botina, ela volta às vezes com uma capa de modernidade, mas ela é corrupta. Ela leva a universidade às páginas policiais, não tenham dúvida. [...] E elas estão ávidas, na espreita, para voltar ao poder e fazer o que fazem e sempre fizeram quando estiveram no poder nesta universidade. E nem sempre isso ocorre com atentados, isso ocorre democraticamente como nós vimos no nosso país recentemente. E nossa universidade é um alvo para essas pessoas que querem voltar ao poder não só aqui como também no Brasil. E nós continuaremos resistindo”, disse a reitora da UnB.

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Quem poderia ter se tornado Honestino na sequência de sua consolidação como líder estudantil? Professor da UnB ou de outra universidade? Geólogo renomado? Um líder político de porte nacional? Deputado, Senador, Governador, Presidente da República? Fato é que o futuro dele foi impedido no mesmo compasso em que foi bloqueado o projeto nacional e popular para o Brasil, do qual a UnB participava representando a vanguarda do que poderia ser a reforma universitária tão almejada na década de 1960.

O legado de Honestino e daquelas e daqueles que lutaram ao seu lado segue resiliente, resistindo às ameaças de privatização e desmonte por governos neoliberais, aos ataques do recente governo de extrema direita, e segue vivo na gestão da reitora Márcia Abrahão, que tomou medidas inclusivas importantes nos quase oito anos de gestão.

A Universidade de Brasília de hoje é mais popular e democrática, se considerarmos a classe social e a diversidade étnica dos estudantes, a quantidade de estudantes estrangeiros, e a quantidade e diversidade de cursos que ofertamos, 138 cursos de graduação. Contudo, para além de aberta e democrática, é também uma universidade alerta às ameaças constantes, atenta aos riscos de retrocesso.

*A outorga de Diploma póstumo à Honestino Guimarães foi transmitida pela UnBTV.

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*Rafael Villas Bôas é professor da Licenciatura em Educação do Campo da UnB e jornalista.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Márcia Silva