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Direito à educação

Cotas Trans: viabilidade de implementação da ação afirmativa será debatida em conselho na UnB

Câmara de Ensino de Graduação vai discutir a medida e elaborar o parecer a ser encaminhado para apreciação no Cepe

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Cotas em universidades são ferramentas para que o Estado se responsabilize no combate à transfobia que nos aparta dos locais de trabalho, estudo e exercício da cidadania - Foto: Líris Mata/UnB Trans

A implementação das cotas trans na Universidade de Brasília (UnB) pode estar cada vez mais perto para as vagas de cursos de graduação. Segundo a instituição, a Coordenação de Processo Seletivo (CPS) do Decanato de Ensino de Graduação (DEG) finalizou o relatório técnico pronunciando sobre a viabilidade da implantação de cotas para pessoas trans e travestis na universidade.

Agora, o documento segue para a Câmara de Ensino de Graduação (CEG), que vai discutir a medida e elaborar o parecer a ser encaminhado para apreciação no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), colegiado responsável por este tipo de deliberação.

Atualmente, no Brasil, são nove universidades públicas brasileiras que implementaram cotas na graduação. São elas: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Universidade Federal de Rondônia (Unir); Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Federal do ABC (UFABC); Universidade do Estado da Bahia (Uneb); Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); Universidade do Estado do Amapá (Ueap) e Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

Já na UnB, até os dias atuais, é trabalhado a implementação de cotas para pessoas trans e travestis apenas em programas de pós-graduação. Na instituição, são, aproximadamente, 90 programas, sendo a ação presentes na Faculdades de Direito (FD); Comunicação (FAC), na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão Pública (Face) e nos institutos de Artes (IdA) e Psicologia (IP).

A assistente social, militante transfeminista, dirigente do coletivo Juntas e colunista do Brasil de Fato DF, Lucci Laporta, explica que as cotas em universidades são ferramentas fundamentais para que o Estado se responsabilize no combate à transfobia que nos aparta dos locais de trabalho, estudo e exercício da cidadania.

Ela explica que, na graduação, é necessário que seja a Administração Superior implemente a reserva de vagas, valendo para todos os cursos. Isto porque as unidades acadêmicas, por si, são soberanas na seleção de estudantes em seus programas de pós-graduação.

“Se o Estado brasileiro já reconheceu a transfobia como crime, precisa também entrar em ação para superar essa discriminação que não se manifesta somente pelos assassinatos, espancamentos, estupros, mas também por uma cultura que nos expulsa da vida cotidiana”, destaca a militante.

Atualmente, apenas 0,2% dos discentes de Instituições Federais de Ensino Superior se declararam pessoas trans, segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultura dos (as) graduandos (as) de 2018. Já a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revela que mais de 70% das travestis e mulheres trans brasileiras não concluem o Ensino Médio por serem evadidas das escolas por motivações transfóbicas.

Para Kaleb Giulia, pedagogo, egresso da UnB e membro da Unb Trans, estes dados são sintomas de uma historicidade que exclui essa população.

“Nós somos, sistematicamente, excluídos dos processos formais de educação e, consequentemente, do mercado de trabalho. As cotas trans são importantes porque elas dão a oportunidade da pessoa trans se profissionalizar, adentrar academia e transformar ela e realmente ocupando o que é nossa por direito que é o acesso à educação, que é um direito de todo cidadão”, aponta Kaleb.

Na sociedade brasileira, a transfobia um fator de discriminação estrutural que afeta uma população que não consegue chegar na universidade, como explica a professora e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Diversidade Sexual e de Gênero (NADIG/CEAM/UnB), Silvia Badim. Segundo ela, as pessoas não conseguem competir para uma vaga na universidade porque sofre uma transfobia estrutural, que impacta no seu direito à educação.

"Essa ação afirmativa é de suma importância para que a gente corrija essa desigualdade histórica que vem fazendo com que as pessoas trans tenham seu direito de educação violado. Toda política de cotas, é uma política de reparação histórica, de inclusão, que quer tornar a universidade mais igual e atender o direito de Educação de forma mais equânime para todos os grupos populacionais e, principalmente, os que se encontram em maior vulnerabilidade", afirma a professora.

Cotas na UnB

Nacionalmente reconhecida pelo pioneirismo na implementação do sistema de cotas raciais no país, a UnB comemorou, em 2023, 20 anos da política afirmativa. Para Kaleb, a Universidade apresenta um momento político favorável com a chegada das eleições para Reitoria.

Em nota enviada ao Brasil de Fato DF, a UnB destacou que, desde 2017, garante o uso do nome social às pessoas trans e travestis. Além disso, em 2021, foi aprovado uma resolução que reserva vagas de estágio para esse público. “Desta maneira, conseguimos ampliar o acesso aos espaços acadêmicos para esses grupos historicamente marginalizados, e transformar nossa Universidade, cada vez mais, em um espaço plural, representativo e acolhedor”, aponta.

Já em 2020, a UnB instituiu o Programa de Atenção à Diversidade (PADiv) destinado a estudantes de graduação da UnB, pertencentes a segmentos socialmente vulneráveis, em virtude das especificidades de gênero, raça, etnia, origem e orientação sexual. O PADiv consiste em um auxílio emergencial no valor de R$ 465 em até três parcelas, concedidas a partir de uma reavaliação da situação da estudante ou do estudante.


Universidade lembra ações afirmativas voltadas para população LGBTQIA+ / Foto: Rafaela Ferreira/Brasil de Fato DF

Segundo informado pela instituição, por meio da Coordenação LGBTQIA+ da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a Universidade também busca promover os direitos das pessoas LGBT. Em 2023, a coordenação realizou cerca de 200 atendimentos de membros da comunidade universitária em situação de vulnerabilidade psicossocial, em sua maioria discentes, que trouxeram questões referentes a violências lgbtfóbicas no âmbito familiar com repercussão no rendimento acadêmico, lembra nota. 

A UnB também destaca que o Cepe é a instância responsável por avaliar e votar propostas relativas a processos seletivos, sendo composto por representantes discentes e docentes. "É importante salientar que as decisões na Universidade de Brasília são tomadas de forma democrática, com ampla participação da comunidade acadêmica e embasadas em informações técnicas", explica.

Apoio docente

Uma carta dos docentes da UnB também foi elaborada para dar apoio à implementação da reserva de vagas de graduação para travestis e demais pessoas trans. A carta destaca que a UnB foi pioneira entre as universidades federais na implementação das cotas raciais, com isso, não pode se omitir diante da necessidade de políticas afirmativas e reparatórias para pessoas trans.

“É o momento de superar o destino cruel que se impõe a essas pessoas no Brasil e termos a oportunidade de conviver com elas em todos os espaços sociais, inclusive nos de produção de conhecimento", mostra o documento.

A carta foi assinado por seis docentes que estabelecem que estudantes, professores e técnicos-administrativos trans devam fazer parte da comunidade acadêmica. “Que a Administração Superior desenvolva, em conjunto com os movimentos estudantis e de pessoas trans, formas que garantam o ingresso e a permanência dessas pessoas na UnB.”

“É importante que a Reitoria da Universidade de Brasília, os docentes se envolvam com o tema e militem e abracem essa mobilização. É importante que os docentes se unam a essa luta sim. E que busquem dentro de suas salas de aula pauta ao tema que busquem conhecimento sobre os as temáticas de diversidade sexual. E de gênero que incluam as pessoas trans nossos alunos e alunas trança em suas salas de aula em suas referências bibliográficas, né em sua é a forma de abordar, né? Nas suas nas suas epistemologias nas suas nos seus métodos de ensino incluam pessoas esse olhar para a diversidade sexual E de gênero.”

Kaleb também destaca a importância de envolver os movimentos estudantis e a organização de pessoas trans, já que essa é a força da implementação das políticas de reparação histórica das políticas públicas das políticas de afirmação. "São as pessoas que vão estar ali chamando para o debate, fazendo uma crítica do atual sistema. Tem uma frase do Paulo Freire, em que ele fala que é muita ingenuidade a gente achar que o opressor vai fazer alguma coisa por nós", pontua o pedagogo.

Autoidentificação

A militante transfeminista Lucci Laporta também destaca uma questão importante para o sistema de implementação das cotas trans: a autoidentificação. A especialista lembra que o movimento negro brasileiro, por exemplo, a partir da sua experiência com implementação de cotas raciais em vestibulares e concursos públicos, entendeu que a banca de heteroidentificação é uma etapa fundamental para que o candidato preencha a vaga afirmativa.

Ela destaca que a questão é importante não apenas para evitar fraudes, mas também porque há pessoas que, por terem ascendência africana, se consideram negras (pardas ou pretas), sem que essa autoidentificação se constitua necessariamente em discriminação. "Não se trata necessariamente de má fé, mas de pouco letramento sobre o debate realizado pelo movimento social nesse assunto. A miscigenação racial no Brasil, inclusive incentivada pela cultura do estupro de mulheres negras e indígenas, tem como consequências situações como essas", explica.

Transgeneridade e o problema da mera autoidentificação

Lucci explica que, no caso das cotas trans, o movimento social organizado de travestis e demais pessoas trans está estabelecendo um consenso de que, assim como ocorre com as cotas raciais, a autoidentificação não é o suficiente para que uma pessoa preencha a vaga reservada para pessoas trans.

"Quando falamos da realidade alarmante de violência e marginalização social a que somos submetidas, estamos falando de pessoas que transicionaram de gênero, ou seja, passaram por uma transição social em que deixaram de viver os privilégios que pessoas cis vivem. Não se trata somente de não se entender no repertório tolhedor do patriarcado, mas de não ser possível viver sendo tratadas da mesma forma que fomos designadas ao nascer", explica Lucci, destacando que políticas precisam atingir quem de fato vive sob opressão histórica. "O que vale é a realidade vivida, não simplesmente a ideia que se tem sobre si."

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Edição: Márcia Silva