Celebrar o prazer sexual deve ir além das dicas e técnicas superficiais
No Dia do Orgasmo, comemorado em 31 de julho, as diferentes mídias repercutiram o assunto, enfatizando principalmente técnicas e dicas para alcançar o prazer. Poucas páginas se dedicaram a usar esta data para abordar questões mais amplas e fundamentais que afetam a experiência sexual de homens e mulheres.
Por isso, convido você a refletir sobre as complexas interações entre gênero, sexualidade e saúde. Falo especialmente das mulheres, pois são poucas as matérias e campanhas sobre o orgasmo que questionam como a saúde mental e a sobrecarga de trabalho impactam essa experiência. Além disso, há uma necessidade urgente de políticas públicas que possam efetivamente enfrentar os desafios que a sexualidade nos apresenta.
A representação do orgasmo feminino, frequentemente, coloca o prazer como um objetivo a ser alcançado, com imagens sugestivas e conselhos práticos que podem transformar a busca por prazer em mais uma responsabilidade para as mulheres. Unhas vermelhas, cabelos soltos e silhuetas femininas carregam a mensagem implícita de que o orgasmo é uma conquista a ser obtida por meio de técnicas e aparências, em vez de uma expressão natural do desejo. No entanto, essa abordagem na maioria das vezes ignora aspectos cruciais da sexualidade feminina, como a influência da saúde mental e a sobrecarga de trabalho que muitas mulheres enfrentam.
A falta de tempo e energia para se dedicar ao próprio prazer, especialmente para aquelas que são mães, é um fator significativo que precisa ser reconhecido.
No dia a dia, converso com muitas mulheres e, dentre os diversos assuntos abordados, sexo e maternidade surgem com certa frequência. Nessas conversas, em grupos de mães e entre amigas, um dos problemas que aparece constantemente é a falta de desejo. Assim, surgem desde dicas de ervas para aumentar a libido até relatos dolorosos de violência sexual. Essas discussões geralmente incluem conselhos baseados em questões religiosas e na manutenção do casamento, evidenciando a necessidade urgente de informações precisas e acessíveis para que possamos tomar decisões informadas sobre nossos corpos.
Esse cenário revela a pressão adicional que enfrentamos para equilibrar a sexualidade com responsabilidades e expectativas sociais.
O centro das expectativas sexuais
Além da pressão prática e emocional, as normas sociais que enfatizam a heteronormatividade e a heterossexualidade compulsória também desempenham um papel crucial.
Essas construções sociais colocam o prazer masculino no centro das experiências sexuais, relegando a satisfação feminina a um papel secundário. As mulheres são muitas vezes posicionadas em papéis subordinados e objetificados, limitando sua capacidade de negociar suas próprias necessidades e desejos durante o sexo. Por isso, esse dia, celebrado com figurinhas picantes e piadinhas, é um convite para refletir sobre como essas normas moldam nossas experiências sexuais e considerar maneiras de desafiar e transformar essas expectativas limitantes.
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Também é propício para que pensemos sobre a medicalização da sexualidade feminina e a construção da “disfunção sexual feminina” como um obstáculo ao prazer. Em vez de tratar o prazer sexual como um objetivo comercializável, é fundamental reconhecer a sexualidade feminina como uma parte integral da saúde e do bem-estar.
Quando o prazer é transformado em um produto de mercado, que se resolve com aparelhos e produtos farmacêuticos, reforça-se a noção de que as mulheres devem trabalhar para alcançar a satisfação sexual, em vez de desfrutar de uma experiência natural e positiva.
Além de refletir sobre as normas sociais e os desafios individuais, é imprescindível que façamos um apelo por mudanças estruturais.
Políticas públicas são imprescindíveis
Políticas públicas de saúde e educação desempenham um papel fundamental na construção de um ambiente que apoie a sexualidade saudável e equitativa. É necessário promover programas de educação sexual que abordem não apenas a anatomia e as técnicas, mas também as questões de gênero, saúde mental e as desigualdades na carga de trabalho. Tais políticas devem buscar desestigmatizar a sexualidade feminina e fornecerem recursos para ajudar as mulheres a entender e explorar sua própria sexualidade de maneira saudável e informada. A educação de gênero deve, ainda, se estender aos homens.
É fundamental que programas de educação sexual incluam componentes que abordem as expectativas de gênero, a desconstrução do machismo estrutural e a promoção de uma sexualidade saudável e respeitosa para todos. Os homens devem ser educados sobre o impacto de suas atitudes e comportamentos na vida sexual. Eles precisam aprender sobre a importância do consentimento e da colaboração em um relacionamento sexual.
Assim, o Dia do Orgasmo, abre um leque de discussões políticas, especialmente, aquelas que envolvem as realidades enfrentadas pelas mulheres em seu dia a dia.
Reconhecer e abordar barreiras relacionadas à saúde mental e à carga de trabalho, bem como questionar as normas de gênero que moldam a sexualidade, é essencial para promover uma compreensão mais justa e inclusiva do prazer sexual. Além disso, a implementação de políticas públicas eficazes pode garantir que todos os indivíduos tenham acesso às informações, à saúde e ao suporte necessário para expressar e experimentar sua sexualidade de maneira autêntica e satisfatória são urgentes.
Com todas as piadas, brincadeiras e, até mesmo com as expressões caricatas de alguns veículos de comunicação, o Dia do Orgasmo ofereceu uma valiosa oportunidade para uma reflexão mais profunda sobre a sexualidade, destacando a necessidade de abordar questões de gênero e saúde de maneira mais completa.
Celebrar o prazer sexual deve ir além das dicas e técnicas superficiais, pois envolve uma análise crítica das normas sociais e o desafio das construções sociais que moldam a sexualidade.
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*Rosilene Costa é professora, doutora em Literatura, ativista do Movimento Autônomo de Mães - MAMA-DF.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Márcia Silva