Distrito Federal

LEI MARIA DA PENHA

Quatro das oito vítimas de feminicídio no DF em 2024 possuíam medida protetiva

Em cerimônia, Ibaneis diz que governo está empenhado em combater violência doméstica, mas dados mostram aumento de 4,5%

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Durante cerimônia em Sol Nascente, ministro do STF Luís Barroso diz que Brasil vive "epidemia de violência contra a mulher" - Reprodução

O Distrito Federal foi o primeiro lugar do país a implementar um programa de ensino da Lei Maria da Penha nas escolas, norma que completa 18 anos neste 7 de agosto. Apesar do avanço, a violência doméstica e o feminicídio seguem vitimando mulheres e deixando um rastro de dor e injustiça nas famílias brasilienses.

Embora o governador Ibaneis Rocha (MDB) tenha afirmado, nesta quarta-feira (7), que o governo está empenhado em combater a violência contra a mulher, os dados mostram um cenário diferente. No primeiro semestre de 2024, foram registrados 8 feminicídios no DF, crimes que deixaram 21 órfãos, a maioria crianças e adolescentes. 

“Em parceria com o governo federal, com o Tribunal de Justiça e com o Ministério Público, com a presença constante também da Defensoria Pública, temos feito com que os índices de violência no DF tenham diminuído ao longo dos anos, e isso nos dá esperança de que em determinado momento nós chegaremos à violência zero”, disse o governador nesta manhã, durante a cerimônia de abertura da XVIII Jornada Lei Maria da Penha, organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O evento em que Ibaneis discursou aconteceu na Escola Classe JK de Sol Nascente. A região administrativa é a sexta no ranking de violência doméstica do DF em 2024, com 495 casos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). 

Os relatórios do órgão mostram que, em comparação ao mesmo período do ano passado, houve um aumento de 4,5% nos crimes de violência doméstica no primeiro semestre de 2024, com 9.795 ocorrências registradas. Em 2023, foram computados 9.370 casos. 

As regiões administrativas que registraram os maiores índices desse tipo de crime nos primeiros meses deste ano foram Ceilândia (1360 casos), Samambaia (797) e Planaltina (784). O Lago Sul foi o local em que houve o maior aumento (77%) de ocorrências, quando comparado ao primeiro semestre de 2023, saltando de 26 para 46 registros. 


Ministros do STF e outras autoridades participam de cerimônia de abertura da XVIII Jornada Lei Maria da Penha, em Sol Nascente / Foto: José Cruz/Agência Brasil

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, o país vive uma “epidemia de violência contra a mulher”, que precisa ser enfrentada com “a repressão necessária” e educação. 

“Para a repressão, existe a Lei Maria da Penha. Mas a educação envolve, em todas as instâncias da vida, enfrentar uma cultura machista, truculenta, covarde, que é a agressividade dos homens em relação às mulheres. E essa cultura se inicia desde a primeira infância”, disse durante a cerimônia. 

18 anos de Lei Maria da Penha

Ao lado de outros representantes do judiciário e integrantes do governo federal e distrital, o ministro Barroso pediu desculpas a Maria da Penha, biofarmacêutica cearense que, após sofrer duas tentativas de homicídio pelo marido em 1983, tornou-se ativista da luta contra a violência doméstica no Brasil. 

“Em nome da justiça brasileira, é preciso reconhecer que no seu caso ela tardou e foi insatisfatória. E, portanto, nós pedimos desculpas, em nome do Estado brasileiro, pelo que passou e pela impunidade. Desculpa”, afirmou o presidente do STF dirigindo-se a Maria da Penha. 

A lei batizada com seu nome foi promulgada há exatos 18 anos, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A norma, considerada uma referência mundial no combate à violência doméstica contra meninas e mulheres, estabelece medidas para proteger a vítima, como a criação de juizados especiais, a garantia de assistência e a concessão de medidas protetivas de urgência. 

“Eu estou muito feliz de estar aqui e ter visto crianças sensibilizadas com esta causa”, celebrou Maria da Penha nesta manhã durante a cerimônia na Escola Classe JK. “Estou muito feliz por essa mesa ter acontecido em uma escola. A escola é o caminho onde se pode fazer a desconstrução da cultura que as crianças vivem nas suas comunidades e nas suas casas. É onde a violência que essa criança vive pode ser desconstruída”, completou. 


Maria da Penha, ativista e um dos maiores símbolos da luta contra a violência doméstica no Brasil, em cerimônia na Escola Classe JK de Sol Nascente / Foto: José Cruz/Agência Brasil

Desde 2014, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) realiza o Projeto Maria da Penha vai à Escola (MPVE), promovendo capacitação de professores e oficinas sobre violência de gênero para estudantes da rede pública de ensino do DF. Em 2019, a Câmara Legislativa do DF (CLDF) promulgou a lei distrital que obriga o ensino da Lei Maria da Penha nas escolas. O então governador Ibaneis Rocha havia vetado a norma, decisão que foi derrubada pelos parlamentares da Casa.

A Lei Maria da Penha protege as vítimas não somente contra a violência física, mas abrange também violações de ordem psicológica, moral, sexual ou patrimonial. Na avaliação da ativista, essas outras dimensões que a violência contra a mulher pode assumir precisam ser mais divulgadas, principalmente nas cidades do interior.

“A gente sabe que nas capitais, nas grandes cidades, a lei Maria da Penha está devidamente implementada, mas nos pequenos municípios, a mulher precisa ter mais conhecimento sobre os seus direitos”, defendeu. “Ela não apanha e fica calada porque ela acredita que só existe a violência que deixa marcas físicas. Então ela continua sofrendo [outras] violências, sem saber como se orientar, e nem tem a ideia de que aquele tipo de violência também é passível de punição”, disse.

Medidas protetivas e feminicídio no DF

Uma das principais ferramentas de combate à violência contra a mulher implementadas pela Lei Maria da Penha é a concessão de medida protetiva de urgência, que obriga o agressor, por exemplo, a se afastar do lar e interromper o contato com a vítima. 

A medida pode ser solicitada por meio da polícia ou do Ministério Público. Em 2023, a Justiça do DF emitiu 15.744 medidas.

No entanto, a emissão de decisões que proíbem o agressor de se aproximar da vítima e familiares, por si só, não é suficiente para coibir a violência. Nos seis primeiros meses de 2024, segundo dados da SSP-DF, 1.126 medidas protetivas foram descumpridas, 9,5% a mais do que no mesmo período de 2023.


DF teve 36 tentativas de feminicídios e 8 feminicídios consumados no primeiro semestre de 2024 / Mídia Ninja

Das oito mulheres vítimas de feminicídio no DF em 2024, cinco já haviam registrado ocorrência de violência anterior e quatro tinham medida protetiva no momento do crime. Todas as vítimas eram mulheres pardas, com idades entre 26 e 46 anos. 

63% (5) dos assassinatos aconteceram dentro de casa. Os oito feminicídios deixaram 21 órfãos, 18 deles crianças e adolescentes, com média de idade de 7 anos. Cinco dos casos aconteceram na presença física ou virtual dos pais ou filhos da vítima. 

No mesmo período de 2024, foram registradas outras 36 tentativas de feminicídio no DF. A maioria (44%) dos crimes não foi consumada por intervenção de terceiros. 13 vítimas conseguiram se desvencilhar, evitando a morte, e apenas dois casos foram evitados por agentes de segurança pública. 

“A cada vez que eu ligo o rádio ou a TV, eu escuto que uma mulher foi assassinada [e penso] ‘meu Deus, já há 18 anos [da Lei Maria da Penha], e ainda está acontecendo isso’. Cada vez que eu escuto essa notícia, eu penso quantas crianças essa mulher deixou? Quem vai cuidar dessas crianças? O Estado tem como cuidar deste trauma da criança que viu seu pai matar sua mãe? Qual vai ser o futuro dessa criança?”, questionou Maria da Penha durante o encontro em Sol Nascente.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

Edição: Flávia Quirino