As ameaças à Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESEC-AE), localizada na região administrativa de Planaltina (DF), foram debatidas na Câmara Legislativa do Distrito Federal na quinta-feira (8). A região enfrenta riscos de danos ambientais graves e irreversíveis.
Estiveram presentes cientistas que pesquisam a região, ambientalistas e moradores da região de Planaltina, além do administrador da Esecae, Geslileu Dar Jacinto. A audiência foi mediada pelo deputado distrital Gabriel Magno (PT).
De acordo com o ativista ambiental Marcelo Benini, coordenador da associação Guardiões de Águas Emendadas (GAE), a invasão da monocultura de soja e milho, além do crescimento urbano das cidades de Planaltina DF e Planaltina Goiás, comprimem a unidade. “Isso traz uma série de problemas ambientais, acúmulo de resíduos, lixo, esgoto, e o consumo excessivo de água. A falta de políticas públicas de incentivo à comunidade local e aos proprietários de terras tem levado ao parcelamento de áreas rurais remanescentes ao longo das rodovias DF-128 e DF-345”, apontou.
Denominada como "constelação de nascentes", essa área é uma das importantes reservas do bioma Cerrado e um fenômeno hídrico único no mundo. A estação é um ponto crucial para a confluência de duas grandes bacias hidrográficas da América Latina: Tocantins-Araguaia e Platina. A estação também ocupa uma região de Planaltina importante para a arqueologia, com variedade de fósseis e ferramentas pré-históricas.
Uma das ameaças é o projeto de expansão rodoviária do Governo do Distrito Federal (GDF) que prevê a pavimentação e duplicação de rodovias adjacentes a Águas Emendadas. Entrre as principais consequências estão a destruição dos espaços de fauna e flora e o aumento de poluentes, principalmente o mercúrio já constatado pelos pesquisadores como alarmante. Benini avaliou que “em vez de investir em projetos de mobilidade urbana que poderiam beneficiar a cidade de Planaltina Goiás, o GDF continua a favorecer projetos rodoviários, ignorando alternativas como o asfalto ecológico”.
Ele também acrescentou que há uma falta de compromisso do executivo em não acompanhar o debate com os responsáveis pela gestão ambiental do governo. “O presidente do Ibram deveria estar aqui, assim como o Secretário de Meio Ambiente, para prestar contas à sociedade do Distrito Federal e de todo o Brasil sobre o que acontece na região de tal importância intercontinental que fica sob responsabilidade do GDF”.
A pesquisadora em saúde coletiva e professora na Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Muna Muhammad Odeh, ressaltou que, diante das condições de possível crise ambiental, é inaceitável que os gestores públicos e órgãos ambientais do DF não deem a devida importância que Águas Emendadas merece. “Precisamos criar mecanismos para responsabilizar mais as pessoas que estão à frente das tomadas de decisões que elas fazem”.
Muna também ressaltou a urgência da criação de um Conselho Gestor para que seja melhor distribuído os ramos de administração da área e que tenha respaldo profissional e fiscalização de diversas áreas de pesquisa em ambiente.
Contaminação por mercúrio
De acordo com especialistas, o aumento significativo no tráfego de veículos eleva a contaminação por mercúrio na região. "A questão não se limita ao asfalto, mas estende-se à qualidade da água consumida. O mercúrio, proveniente da queima de combustíveis fósseis como diesel e gasolina nas rodovias, contamina o solo adjacente. Este fenômeno foi evidenciado em um estudo recente conduzido por sete pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB)", destaca um relatório técnico do GAE.
O mercúrio, também conhecido como Hg ou elemento 80, é uma substância altamente tóxica e cancerígena, capaz de causar graves danos neurológicos. Em forma de vapor, pode se espalhar pelo ar e comprometer a respiração. Seus efeitos são agravados pela bioacumulação — concentração progressiva no corpo humano sem eliminação — e pela biomagnificação, que favorece sua transmissão em organismos ao longo da cadeia alimentar.
O coordenador de pesquisas sobre poluição em Águas Emendadas, José Vicente Elias Bernardi, enfatizou que “os problemas associados à contaminação por mercúrio e outros metais pesados não são apenas uma preocupação futura, mas um problema real no presente”.
“O uso do mercúrio é generalizado em diversos setores industriais e as emissões resultantes da atividade humana, incluindo o tráfego rodoviário, já estão impactando negativamente o meio ambiente e a saúde pública. Esta observação visa ressaltar a urgência de abordar essas questões ambientais e de saúde imediatamente, sem esperar que os problemas se intensifiquem ainda mais no futuro”, explicou o professor do Departamento de Geociências da UnB.
Ele destacou que realiza estudos há mais de 20 anos sobre os impactos das mudanças climáticas nos ciclos biogeoquímicos do mercúrio e metais pesados, com foco especial na ESEC-AE nos últimos 16 anos. “Os estudos mostram a liberação de mercúrio pelos veículos, que está presente nos combustíveis fósseis, e como essa emissão afeta a saúde pública, liberando cerca de 20 nanogramas de mercúrio por metro cúbico a cada 10 segundos na BR-020”.
Solução agroecológica
Para Adonilton Rodrigues, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) existem várias infrações ambientais cometidas por grandes proprietários de terras na região, como, por exemplo, o uso abusivo de agrotóxicos e a destruição do Cerrado.
Ele lamentou que a ESEC-AE sofra com a falta de cuidado adequado “por parte do governo do Distrito Federal e seus aliados, incluindo os latifundiários da região. A área que deveria funcionar como zona de amortecimento para proteger a ESEC está degradada e sendo cada vez mais dominada por latifúndios".
Localizado a 8km de Águas Emendadas, o Acampamento 8 de Março, emerge como um contraponto às práticas degradantes da grilagem de terras. Adonilton reforçou o projeto de reforma agrária e agroecologia do MST como uma tentativa de contribuir com a recuperação ambiental da área. "Planejamos mudar a matriz tecnológica da região para produzir alimentos saudáveis e sem veneno e estamos plantando árvores para contribuir com a recuperação ambiental", afirmou.
Ele ressaltou que existe inação dos órgãos ambientais e a postura anti-reforma agrária do governo local que inviabiliza um desenvolvimento mais planejado que inclua a produção de alimentos regionais e sazonais que favorecem o consumo como parte das medidas de diminuição do tráfego de carros e combate à monocultura. "Precisamos lutar firmemente por um projeto diferenciado de reforma agrária que promova a agroecologia".
Desregulamentação ambiental e crise climática
O GDF publicou no dia 5 de agosto a Instrução Normativa que estabelece as diretrizes para o Licenciamento Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades urbanas e de infraestrutura. A cerimônia, realizada no mesmo dia, no Palácio do Buriti, contou com a presença do governador Ibaneis Rocha, do presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Rôney Nemer, e do secretário de Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema), Gutenberg Gomes.
Coordenadora do Fórum de Defesa das Águas do DF, Lucinha Mendes, alertou para os riscos dessa medida, que “na prática, a portaria flexibiliza o licenciamento ambiental, com a alegação de simplificar o processo para o setor produtivo da região”. Ela enfatizou a necessidade de políticas públicas desse conteúdo que leve em consideração a dinâmica hídrica do local, pois a desregulamentação ambiental pode acelerar o desenvolvimento urbano e econômico, mas também pode comprometer áreas vitais para a conservação das fontes de abastecimento. “Se não preservar o cerrado nativo, você não tem água”, declarou.
Lucinha Mendes apontou ainda que existem estudos territoriais realizados pela UnB que afirmam que “até 2030, o DF poderá enfrentar um estresse hídrico com 50% menos disponibilidade de água. A pressão para equilibrar desenvolvimento e conservação nunca foi tão alta, e a decisão sobre como gerenciar esses recursos essenciais pode definir o futuro sustentável da região”.
Posição administrativa
O administrador da Estação Ecológica de Águas Emendadas, Geslileu Jacinto, reconheceu todos os problemas elencados na área como legítimos de preocupação na borda da unidade. Porém, reafirmou o posicionamento de que o interior está preservado. “A Estação Ecológica de Águas Emendadas está bem preservada internamente, com sua fauna e flora nativas intactas. No entanto, a zona de amortecimento está sofrendo impactos devido à crise climática, que inclui o rebaixamento do lençol freático e outras consequências como desmatamento e adensamento populacional. É crucial que as políticas discutidas correspondam à preservação ambiental e que o desenvolvimento não prejudique a unidade de conservação”.
Jacinto também acrescentou que está sendo investido o em tecnologias de sequestrar de mercúrio, um serviço ecossistêmico essencial. "Estamos também conduzindo pesquisas em parceria com a Adasa, a UnB e a Embrapa para evoluir em outras ferramentas”.
Representante da Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa), Gustavo Carneiro, ressaltou que a Estação Ecológica de Águas Emendadas é um dos maiores patrimônios ambientais do Distrito Federal. “Falar de Águas Emendadas é falar de um patrimônio que talvez seja o maior que o Distrito Federal tem em termos ambientais”, afirmou.
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Edição: Márcia Silva