Distrito Federal

Crise ambiental

Em reunião na CLDF, especialistas discutiram situação da Estação Ecológica Águas Emendadas

Invasão da monocultura, uso intenso de agrotóxicos e poluição são alguns dos problemas apontados

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
CLDF debateu situação das Águas Emendadas em Comissão Geral na quinta (8). - Foto: Carolina Curi/Agência CLDF

As ameaças à Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESEC-AE), localizada na região administrativa de Planaltina (DF), foram debatidas na Câmara Legislativa do Distrito Federal na quinta-feira (8). A região enfrenta riscos de danos ambientais graves e irreversíveis.

Estiveram presentes cientistas que pesquisam a região, ambientalistas e moradores da região de Planaltina, além do administrador da Esecae, Geslileu Dar Jacinto. A audiência foi mediada pelo deputado distrital Gabriel Magno (PT).

De acordo com o ativista ambiental Marcelo Benini, coordenador da associação Guardiões de Águas Emendadas (GAE), a invasão da monocultura de soja e milho, além do crescimento urbano das cidades de Planaltina DF e Planaltina Goiás, comprimem a unidade. “Isso traz uma série de problemas ambientais, acúmulo de resíduos, lixo, esgoto, e o consumo excessivo de água. A falta de políticas públicas de incentivo à comunidade local e aos proprietários de terras tem levado ao parcelamento de áreas rurais remanescentes ao longo das rodovias DF-128 e DF-345”, apontou.

Denominada como "constelação de nascentes", essa área é uma das importantes reservas do bioma Cerrado e um fenômeno hídrico único no mundo. A estação é um ponto crucial para a confluência de duas grandes bacias hidrográficas da América Latina: Tocantins-Araguaia e Platina. A estação também ocupa uma região de Planaltina importante para a arqueologia, com variedade de fósseis e ferramentas pré-históricas.

Uma das ameaças é o projeto de expansão rodoviária do Governo do Distrito Federal (GDF) que prevê a pavimentação e duplicação de rodovias adjacentes a Águas Emendadas. Entrre as principais consequências estão a destruição dos espaços de fauna e flora e o aumento de poluentes, principalmente o mercúrio já constatado pelos pesquisadores como alarmante. Benini avaliou que “em vez de investir em projetos de mobilidade urbana que poderiam beneficiar a cidade de Planaltina Goiás, o GDF continua a favorecer projetos rodoviários, ignorando alternativas como o asfalto ecológico”.

Ele também acrescentou que há uma falta de compromisso do executivo em não acompanhar o debate com os responsáveis pela gestão ambiental do governo. “O presidente do Ibram deveria estar aqui, assim como o Secretário de Meio Ambiente, para prestar contas à sociedade do Distrito Federal e de todo o Brasil sobre o que acontece na região de tal importância intercontinental que fica sob responsabilidade do GDF”.

A pesquisadora em saúde coletiva e professora na Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Muna Muhammad Odeh, ressaltou que, diante das condições de possível crise ambiental, é inaceitável que os gestores públicos e órgãos ambientais do DF não deem a devida importância que Águas Emendadas merece. “Precisamos criar mecanismos para responsabilizar mais as pessoas que estão à frente das tomadas de decisões que elas fazem”.

Muna também ressaltou a urgência da criação de um Conselho Gestor para que seja melhor distribuído os ramos de administração da área e que tenha respaldo profissional e fiscalização de diversas áreas de pesquisa em ambiente.

Contaminação por mercúrio

De acordo com especialistas, o aumento significativo no tráfego de veículos eleva a contaminação por mercúrio na região. "A questão não se limita ao asfalto, mas estende-se à qualidade da água consumida. O mercúrio, proveniente da queima de combustíveis fósseis como diesel e gasolina nas rodovias, contamina o solo adjacente. Este fenômeno foi evidenciado em um estudo recente conduzido por sete pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB)", destaca um relatório técnico do GAE.

O mercúrio, também conhecido como Hg ou elemento 80, é uma substância altamente tóxica e cancerígena, capaz de causar graves danos neurológicos. Em forma de vapor, pode se espalhar pelo ar e comprometer a respiração. Seus efeitos são agravados pela bioacumulação — concentração progressiva no corpo humano sem eliminação — e pela biomagnificação, que favorece sua transmissão em organismos ao longo da cadeia alimentar.

O coordenador de pesquisas sobre poluição em Águas Emendadas, José Vicente Elias Bernardi, enfatizou que “os problemas associados à contaminação por mercúrio e outros metais pesados não são apenas uma preocupação futura, mas um problema real no presente”.

“O uso do mercúrio é generalizado em diversos setores industriais e as emissões resultantes da atividade humana, incluindo o tráfego rodoviário, já estão impactando negativamente o meio ambiente e a saúde pública. Esta observação visa ressaltar a urgência de abordar essas questões ambientais e de saúde imediatamente, sem esperar que os problemas se intensifiquem ainda mais no futuro”, explicou o professor do Departamento de Geociências da UnB.

Ele destacou que realiza estudos há mais de 20 anos sobre os impactos das mudanças climáticas nos ciclos biogeoquímicos do mercúrio e metais pesados, com foco especial na ESEC-AE nos últimos 16 anos. “Os estudos mostram a liberação de mercúrio pelos veículos, que está presente nos combustíveis fósseis, e como essa emissão afeta a saúde pública, liberando cerca de 20 nanogramas de mercúrio por metro cúbico a cada 10 segundos na BR-020”.


A distância entre a Estação e a rodovia é menos de 500 metros / Imagem: divulgação da entidade Guardiões de Águas de Emendadas

Solução agroecológica

Para Adonilton Rodrigues, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) existem várias infrações ambientais cometidas por grandes proprietários de terras na região, como, por exemplo, o uso abusivo de agrotóxicos e a destruição do Cerrado.

Ele lamentou que a ESEC-AE sofra com a falta de cuidado adequado “por parte do governo do Distrito Federal e seus aliados, incluindo os latifundiários da região. A área que deveria funcionar como zona de amortecimento para proteger a ESEC está degradada e sendo cada vez mais dominada por latifúndios".

Localizado a 8km de Águas Emendadas, o Acampamento 8 de Março, emerge como um contraponto às práticas degradantes da grilagem de terras. Adonilton reforçou o projeto de reforma agrária e agroecologia do MST como uma tentativa de contribuir com a recuperação ambiental da área. "Planejamos mudar a matriz tecnológica da região para produzir alimentos saudáveis e sem veneno e estamos plantando árvores para contribuir com a recuperação ambiental", afirmou.

Ele ressaltou que existe inação dos órgãos ambientais e a postura anti-reforma agrária do governo local que inviabiliza um desenvolvimento mais planejado que inclua a produção de alimentos regionais e sazonais que favorecem o consumo como parte das medidas de diminuição do tráfego de carros e combate à monocultura. "Precisamos lutar firmemente por um projeto diferenciado de reforma agrária que promova a agroecologia".


As 80 famílias de agricultores familiares tem como vizinho um latifúndio de milho e soja transgênicos / Coletivo Retratação

Desregulamentação ambiental e crise climática

O GDF publicou no dia 5 de agosto a Instrução Normativa que estabelece as diretrizes para o Licenciamento Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades urbanas e de infraestrutura. A cerimônia, realizada no mesmo dia, no Palácio do Buriti, contou com a presença do governador Ibaneis Rocha, do presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Rôney Nemer, e do secretário de Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema), Gutenberg Gomes.

Coordenadora do Fórum de Defesa das Águas do DF, Lucinha Mendes, alertou para os riscos dessa medida, que “na prática, a portaria flexibiliza o licenciamento ambiental, com a alegação de simplificar o processo para o setor produtivo da região”. Ela enfatizou a necessidade de políticas públicas desse conteúdo que leve em consideração a dinâmica hídrica do local, pois a desregulamentação ambiental pode acelerar o desenvolvimento urbano e econômico, mas também pode comprometer áreas vitais para a conservação das fontes de abastecimento. “Se não preservar o cerrado nativo, você não tem água”, declarou.


Lucinha Mendes do Fórum de Defesa das Águas do DF. / Foto: Divulgação/Mandato Gabriel Magno

Lucinha Mendes apontou ainda que existem estudos territoriais realizados pela UnB que afirmam que “até 2030, o DF poderá enfrentar um estresse hídrico com 50% menos disponibilidade de água. A pressão para equilibrar desenvolvimento e conservação nunca foi tão alta, e a decisão sobre como gerenciar esses recursos essenciais pode definir o futuro sustentável da região”.

Posição administrativa

O administrador da Estação Ecológica de Águas Emendadas, Geslileu Jacinto, reconheceu todos os problemas elencados na área como legítimos de preocupação na borda da unidade. Porém, reafirmou o posicionamento de que o interior está preservado. “A Estação Ecológica de Águas Emendadas está bem preservada internamente, com sua fauna e flora nativas intactas. No entanto, a zona de amortecimento está sofrendo impactos devido à crise climática, que inclui o rebaixamento do lençol freático e outras consequências como desmatamento e adensamento populacional. É crucial que as políticas discutidas correspondam à preservação ambiental e que o desenvolvimento não prejudique a unidade de conservação”.

Jacinto também acrescentou que está sendo investido o em tecnologias de sequestrar de mercúrio, um serviço ecossistêmico essencial. "Estamos também conduzindo pesquisas em parceria com a Adasa, a UnB e a Embrapa para evoluir em outras ferramentas”.

Representante da Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa), Gustavo Carneiro, ressaltou que a Estação Ecológica de Águas Emendadas é um dos maiores patrimônios ambientais do Distrito Federal. “Falar de Águas Emendadas é falar de um patrimônio que talvez seja o maior que o Distrito Federal tem em termos ambientais”, afirmou.

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Edição: Márcia Silva