Distrito Federal

Gestão 2024-2028

Entrevista | Conheça aspectos do projeto defendido por Rozana Naves, candidata à Reitora da UnB

Consulta à comunidade acadêmica será realizada nos dias 20 e 21 de agosto

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Brasil de Fato DF entrevista a candida à Reitoria Rozana Reigota Naves, professora no Instituto de Letras da UnB - Foto: Maurício Carlos

Na próxima terça e quarta-feira, dias 20 e 21 de agosto, ocorre o processo de consulta à comunidade universitária para a escolha da Reitora e Vice-reitor da Universidade de Brasília (UnB) para a gestão 2024-2028. Desta vez, três mulheres disputam o cargo, algo histórico na Universidade, já que esta é a primeira vez que as três chapas formadas são encabeçadas por mulheres.

Com a proposta de conhecer, individualmente, as propostas de cada Chapa, o Brasil de Fato DF entrevistou as três candidatas. Com isso, a primeira entrevista é com a professora e pesquisadora do Instituto de Letras, Rozana Reigota Naves. A docente compõe a Chapa 93 "Imagine UnB: Participar e Transformar", que tem como candidato a vice-reitor Márcio Muniz de Farias.

A professora Rozana Reigota Naves é uma acadêmica vinculada ao Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB), onde atua desde 2006. Com 27 anos de experiência no magistério superior, sua trajetória acadêmica inclui uma graduação em Letras pela Universidade Católica de Brasília, além de mestrado e doutorado em Linguística pela UnB. Atualmente, ela é Professora Associada IV no Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP) e orientadora no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL).

A Consulta à Reitoria da UnB acontece nos dias 20 e 21 de agosto. O voto é paritário entre docentes, estudantes e técnico-administrativos. Após a Consulta, o Conselho Universitário (Consuni) deve ratificar o resultado e elaborar a lista tríplice com os nomes das candidatas a Reitora e Vice-Reitor.

A lista é então enviada ao Ministério da Educação, que a encaminha para o Presidente da República, que deve também respeitar o processo de consulta e nomear a Reitora com mais votos. A próxima gestão assume o comando da UnB por quatro anos, de 2024 a 2028. De acordo com dados da universidade de 2022, a UnB conta com uma comunidade formada por mais de 54 mil pessoas.

O Brasil de Fato DF entrevistou as três candidatas, com perguntas elaboradas pela Redação e por cada segmento da comunidade acadêmica (docentes, estudantes e técnico-administrativos). As candidatas responderam às mesmas perguntas sobre participação política das mulheres, orçamento, cotas, permanência estudantil, saúde mental, além das elaboradas pelos segmentos. Confira.

Participação política das mulheres

Brasil de Fato DF - Esta é uma eleição histórica para a Universidade de Brasília. Pela primeira vez, três mulheres concorrem ao cargo de Reitora. Como avalia essa questão da participação das mulheres nos espaços políticos de poder? Qual a importância dessa representação?

Rozana Naves - A participação das mulheres é também uma reparação histórica. Precisamos de várias reparações históricas, e uma delas tem a ver com o papel e o protagonismo das mulheres nos espaços de poder. Felizmente, a Universidade de Brasília já avançou nessa perspectiva quando elegeu a professora Márcia. Agora, o fato inovador é justamente termos apenas candidatas mulheres à reitoria. Isso também significa uma representatividade do que hoje é o perfil da Universidade. As pesquisas têm mostrado que as mulheres têm sido maioria no cômputo total nas universidades, já ultrapassam os 50% e, em muitos cursos, elas são a maioria; mesmo nas áreas que eram consideradas mais masculinas, elas já têm ingressado e feito a diferença. Essa representatividade, reconhecida na figura da reitora, é importante para ampliar ainda mais esse processo, que vem desde a educação básica até a educação superior, e produzir uma mudança de cultura em relação ao gênero no Brasil.

Orçamento

Brasil de Fato DF - Nos últimos anos, os cortes orçamentários impactaram muito a gestão das universidades brasileiras. Como pretende atuar nessa questão?

Rozana Naves - Já faz bastante tempo que estamos lidando com esses cortes orçamentários. Sempre o maior desafio e a luta principal são pela recomposição orçamentária. Nos últimos anos, temos conseguido; no ano passado e para este ano também já foi possível recompor esse orçamento, mas o corte inicial que entra na Lei de Diretrizes Orçamentárias é muito ruim para a universidade, porque nos impede de planejarmos o ano todo e de planejarmos todo o potencial que a universidade pode desenvolver durante o ano. Nessa perspectiva, o ideal seria que, já na Lei de Diretrizes Orçamentárias, pudéssemos assegurar, por meio da relação com o Parlamento e com o Executivo, recursos, pelo menos, para reajustar os índices inflacionários e o orçamento em relação ao ano anterior.

Essa atuação institucional junto ao Executivo e ao Legislativo, para que possamos não apenas recompor o orçamento, mas ampliá-lo de um ano para outro, tendo em vista os déficits que acumulamos nos anos anteriores, é bastante importante. Na perspectiva interna, temos comentado muito nos debates que um grande diferencial da nossa proposta de gestão é esse olhar para a gestão orçamentária. Pretendemos desenvolver um orçamento participativo em que a própria comunidade acadêmica estabeleça as suas prioridades em relação à execução orçamentária, claro, naquilo que não são as rubricas já comprometidas com folha de pagamento e contratos terceirizados.

Hoje, esse montante é distribuído de forma linear para as unidades, com base nos critérios aprovados nos conselhos, mas entendemos que a parte que compete à reitoria deve ser prioritariamente definida pela comunidade, seja na assistência estudantil, que é um fator importante para a permanência dos estudantes na universidade, seja na previsão de reformas e atividades de manutenção de infraestrutura.

Para nós, é muito importante que a comunidade se manifeste sobre essas prioridades, para que possamos direcionar os recursos para aquilo que realmente atenderá, em primeira mão, à universidade. Muitas dessas decisões, hoje, após a aprovação pelo conselho, são tomadas no próprio gabinete da Reitoria. Portanto, esse é um diferencial importante que queremos mudar.


Brasil de Fato DF entrevista a professora do Instituto de Letras Rozana Reigota Naves / Foto: Maurício Carlos

Permanência Estudantil

As cotas foram essenciais para possibilitar o ingresso de mais estudantes pobres, negros e indígenas – e mais recentemente quilombolas –, tornando a UnB mais plural. O desafio agora é manter esses alunos na universidade. Quais são as propostas da chapa para a permanência estudantil dos cotistas, especialmente dos alunos indígenas e quilombolas?

Consideramos que as políticas de ações afirmativas têm cumprido um papel muito importante na inclusão da diversidade da sociedade brasileira na universidade. A Universidade de Brasília foi pioneira na política de cotas para pessoas negras. Depois, tivemos a implementação das políticas sociais da escola pública, já incluindo também outros segmentos.

Os desafios da permanência são imensos. Sabemos que a política nacional de assistência estudantil não corresponde diretamente às faixas de vulnerabilidade socioeconômica da política de cotas. Ela alcança um primeiro estágio desses estudantes, e os recursos disponíveis são escassos para atender toda a demanda que temos.

O que estamos propondo, especificamente, em termos de permanência, é, primeiro, ampliar a nossa política de assistência estudantil internamente, aportando recursos próprios da universidade que conseguimos arrecadar, às vezes, por meio de projetos ou por meio dessas descentralizações. Dessa forma, conseguimos atender a faixa de estudantes que entra pelas ações afirmativas, mas que não está contemplada na política de assistência estudantil.

Com isso, conseguiremos ampliar o número de auxílios que hoje oferecemos, como os auxílios socioeconômicos. Também temos estudado, com essa lógica orçamentária de priorização da comunidade, acrescentar ao Restaurante Universitário (RU) uma faixa de isenção maior no valor do RU para aqueles alunos atendidos pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil, que hoje já têm um subsídio de 100%. Isso significa, em uma linguagem mais própria dos estudantes, reduzir o preço do RU.

Pretendemos ampliar a oferta de moradia estudantil, no momento, na forma de auxílio-moradia, porque a nossa Casa do Estudante Universitário precisa de uma grande reforma e também não comporta toda a demanda. Além disso, há a demanda por auxílio para creche; estudantes mães também têm solicitado esse auxílio.

Além dos auxílios em forma de pecúnia, estamos pensando em outras ações que consideramos importantes para a permanência dos estudantes na universidade. Nosso programa traz um eixo muito forte de arte, cultura e esporte, retomando a vida externa e as disciplinas externas ao currículo dos cursos, pois a UnB já foi referência nessas atividades no Distrito Federal.

Fortalecer a nossa Diretoria de Esporte e Atividades Comunitárias, inclusive em uma relação com a sociedade, possibilitando que a comunidade frequente mais a universidade, é importante. Além disso, precisamos fortalecer os vários coletivos estudantis, pois os estudantes têm se organizado em torno de coletivos. Temos a Associação dos Estudantes Indígenas, coletivos negros, coletivos LGBTQIA+, entre outros. Também temos estudantes neurotípicos e pessoas com deficiência que podem ser apoiados por essas políticas. Fortalecer a relação com esses coletivos é importante para a permanência, pois eles criam redes de apoio para os estudantes internamente.

Em termos de políticas específicas, além de lidar de forma horizontal com os coletivos, estamos propondo um auxílio emergencial imediato para estudantes indígenas e quilombolas, para que não precisem aguardar a análise de vulnerabilidade socioeconômica. Em geral, esses estudantes vêm de outros estados e precisam desse auxílio imediato para iniciar seus estudos ou mesmo se instalar na cidade. Também estamos pensando em políticas específicas nesse caso. Hoje mesmo tivemos uma reunião na Maloca com estudantes indígenas, e há uma demanda por uma Casa do Estudante Indígena, pois as questões interculturais interferem muito na relação deles com a comunidade e fortalece o fato de estarem juntos.

Mesmo as estudantes que vêm com filhos, por exemplo, precisam desse espaço compartilhado e de cuidado com as crianças. Ter uma casa específica ajudaria a organizar e proporcionar tranquilidade para que elas tenham um bom desempenho acadêmico.

Tudo isso pode ser viabilizado por meio desse orçamento complementar. Outra forma que estamos propondo para alcançar esse orçamento é o que chamamos de Fundo de Apoio Honestino Guimarães, tomando o nome do nosso líder estudantil. Esse fundo reunirá recursos vindos de fora da universidade, por meio de doações. Já existe uma resolução que permite doações para a Universidade de Brasília, que podem ser feitas por egressos ou por organizações da sociedade civil, mas também para receber recursos direcionados a essas comunidades por meio de órgãos públicos.

Por exemplo, tivemos recentemente uma descentralização de recursos do Ministério dos Direitos Humanos para estudantes quilombolas, e o processo foi muito demorado na universidade porque dependia de um projeto específico. Se já tivéssemos um projeto dentro desse fundo como uma ação permanente, conseguiríamos recepcionar o recurso muito mais rápido e atender o estudante de forma mais ágil.


Rozana Reigota Neves / Foto: Maurício Carlos

Cotas no Serviço Público

Ainda no debate sobre as cotas, a UnB tem um papel histórico na implementação de cotas raciais para estudantes, mas existe ainda uma lacuna quando se trata de professores negras e negros na universidade. Qual a proposta da chapa para a efetividade da implementação da Lei de Cotas no Serviço Público?

Recentemente, nosso Conselho de Administração aprovou a alteração da regulamentação para concursos docentes, incluindo a política de cotas raciais nos concursos para professores. No entanto, a resolução aprovada ainda é muito tímida, pois considera o quantitativo legal de 20% a partir de cada cinco concursos, sendo que cada concurso é aberto em cada unidade com uma vaga apenas. Ou seja, precisamos esperar a abertura de um número considerável de certames para então começar a implementação das cotas.

Nossa avaliação é que isso resultará em uma demora significativa para mudar o perfil do corpo docente, porque é uma política que se estenderá por muito tempo. Outras universidades têm implementado essa política de maneira distinta, como já ocorre aqui para os técnicos, abrindo editais para todas as vagas, o que nos permite pensar em um percentual de vagas dentro desses editais. Isso é possível ser feito mantendo a individualidade das unidades, pois, diferentemente dos cargos majoritários, os cargos de professores têm esse direcionamento para uma área específica. Não posso, por exemplo, contratar um professor de medicina para dar aula de línguas.

De qualquer maneira, objetivamente, o que pretendemos fazer é acompanhar os resultados dessa política durante um ano, que acredito ser tempo suficiente para avaliarmos a sua efetividade. Ou seja, em um ano, quantos professores negros foram admitidos na universidade? Se essa projeção de que a política não será efetivada em sua integralidade, como previsto nos dispositivos legais, se confirmar, promoveremos imediatamente a revisão dessa política para que seja mais ágil e alcance os resultados necessários em menor tempo.

Saúde Mental

De acordo com dados obtidos pelo Brasil de Fato DF por meio de LAI, entre janeiro e junho de 2024, a Coordenação de Atendimento Psicossocial da UnB atendeu 196 pessoas (estudantes, docentes e TEA) com alguma queixa de saúde mental. As principais demandas foram ansiedade e depressão. Quais as propostas da chapa para o acolhimento e prevenção do adoecimento mental da comunidade acadêmica - estudantes e técnico-administrativos e docentes?

Foi criada recentemente a Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária. Ela funciona junto ao Decanato de Assuntos Comunitários, mas, como vocês mesmos identificaram por esses dados, o volume de atendimentos é muito grande, e a equipe, muito pequena. Então, o primeiro passo é buscarmos ampliar a equipe desse setor. 

Evidentemente, o ideal seria fazer isso por meio de concursos públicos, mas sabemos também da dificuldade de conseguir novas vagas junto ao governo federal. Portanto, o que precisamos fazer é capacitar equipes e buscar formar redes de apoio um pouco mais descentralizadas, também coordenadas por essa diretoria, que possam fornecer um suporte inicial, um acolhimento adequado e especializado em primeira instância, até mesmo no sentido de encaminhamento. As pessoas muitas vezes ficam perdidas até encontrarem o atendimento especializado da diretoria.

Por outro lado, no Decanato de Gestão de Pessoas, temos uma diretoria que é a Diretoria de Saúde, Segurança e Qualidade de Vida do Trabalho, que foi bastante desidratada nos últimos anos. Atualmente, ela também conta com um quadro de pessoal muito pequeno e suas atividades estão muito restringidas em termos de atuação. Mesmo quando fazem diagnósticos importantes de qualidade de vida no trabalho em relação aos setores, é raro que essas recomendações sejam atendidas pela administração superior. Portanto, pretendemos também fortalecer essa diretoria e recuperar o protagonismo que ela já teve no tratamento da saúde e da qualidade de vida do trabalhador, de modo a desafogar um pouco a Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária. Atualmente, temos muitos estudantes, e essa diretoria poderia se voltar muito mais ao acolhimento e atendimento da comunidade estudantil, enquanto a Diretoria de Gestão de Pessoas poderia proporcionar um atendimento e encaminhamento mais seguro para docentes e técnicos.

Sentimos que, devido ao volume de atendimentos, o atendimento aos técnicos e docentes acaba sendo mais demorado ou não é possível dar continuidade, porque a demanda entre os estudantes está muito alta. Portanto, fortalecer essa diretoria do Decanato de Gestão de Pessoas também é importante para nós. Além disso, é necessário tentar estabelecer algumas parcerias com as unidades acadêmicas, ampliar os serviços da Clínica Escola de Psicologia, o CAEP, e firmar parcerias com o Hospital Universitário de Brasília. Assim, poderemos retomar esses contatos para termos outras fontes de acolhimento.

Pergunta da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB)

A Consulta para a Reitoria da UnB significa um importante instrumento de defesa da autonomia e democracia das Universidades Públicas. Neste sentido, qual será a posição da chapa caso não seja majoritária na consulta, quando o Conselho Universitário (Consuni) convocar a eleição para compor a lista tríplice?

Em respeito ao processo democrático, nossa posição é de que seja encaminhada ao Consuni exatamente a ordem de classificação das chapas na consulta, em que o primeiro colocado se configure como o primeiro da lista tríplice, o segundo colocado como o segundo da lista tríplice, e o terceiro colocado como o terceiro da lista tríplice. Essa é a tradição da Universidade de Brasília. Houve apenas uma exceção no último pleito, porque, diante do cenário externo e das nomeações de pessoas de fora da lista, não do primeiro votado pelo ex-presidente, entendemos que o melhor seria assegurar o projeto eleito.

Mas, agora que estamos com a nossa democracia restabelecida, embora com alguma fragilidade, como sabemos, mas com um governo progressista e a democracia restabelecida, entendemos que deve ser respeitado o que a comunidade da Universidade de Brasília considerar adequado. Assim, o primeiro, segundo e terceiro lugares formarão os três nomes da lista tríplice.

Pergunta do Diretório Central dos Estudantes da UnB Honestino Guimarães (DCE/UnB)

De forma detalhada, como a senhora irá fazer para retomar o Intercampi, sabendo das limitações legais alegadas pela atual gestão e a necessidade de alocação de recursos?

As limitações legais alegadas pela atual gestão, na verdade, não se configuram; tanto é assim que a chapa da continuidade está afirmando que vai retomar o Intercampi também. Então, é um contrassenso eles alegarem isso, sendo que a proposta é totalmente factível. O que tem circulado muito em relação à retirada do Intercampi é a questão de que os campi já têm uma autonomia de oferta de disciplinas, com o corpo docente todo estruturado, e que, portanto, a vida acadêmica do estudante poderia ocorrer inteiramente dentro do campus específico, seja em Planaltina, Ceilândia ou no Gama, e que, por isso, não precisaria mais do Intercampi como elo com o Darcy Ribeiro e vice-versa. Esse argumento também é falacioso, porque, por tradição, a Universidade de Brasília tem currículos flexíveis. Os estudantes devem buscar disciplinas em outras unidades, de outras áreas, para complementar a sua formação, e, se não estabelecemos o intercâmbio como uma política realmente constante na universidade, isso fica inviabilizado para os estudantes dos campi, que ficam restritos ao universo de disciplinas e atividades oferecidas em cada um dos territórios.

A retomada do Intercampi é um compromisso de campanha que temos, um compromisso com a comunidade, e vamos fazer isso a partir do orçamento próprio da universidade, numa composição com outras demandas de transporte que temos, por exemplo, para atividades de campo. Hoje, também nos nossos contratos de terceirização para as atividades de campo de alguns cursos, que demandam essas saídas, elas estão inviabilizadas, e uma das possibilidades é combinar o Intercampi, que é mais atrativo para as empresas que oferecem o serviço, do que, por exemplo, o transporte rural, que além de ser mais raro, causa maior desgaste dos veículos. Atualmente, temos tido licitações frustradas por não oferecer às empresas um serviço que seja mais atrativo e que possibilite economicidade também nos contratos. Combinando dessa forma, conseguiremos retomar o Intercampi com o orçamento próprio e ainda assegurar transporte para as atividades de campo desses cursos.

Outra alegação frequente é a ideia de que a Secretaria de Mobilidade do Distrito Federal, em algum momento, entendeu que o Intercampi concorria com as linhas locais. Isso também é facilmente desmistificado, porque sabemos que o transporte público em Brasília não é eficiente o suficiente para atender nossos estudantes nos horários de que precisamos, tanto no noturno, quanto nos horários de entrada e saída do diurno. Portanto, a retomada do Intercampi é, para nós, um ponto pacífico. Além disso, o valor gasto no Intercampi representa menos de 1% do nosso orçamento, então não há nem uma questão orçamentária que seja impeditiva dessa retomada; é uma questão de vontade política, e nós já firmamos esse compromisso.

Pergunta do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (Sintfub)

A greve dos técnico-administrativos garantiu conquistas importantes para a reestruturação da carreira, ganhos no contracheque, as 30 horas, o RSC, entre outras. Como a sua gestão pretende garantir a implementação dessas conquistas, a valorização das e dos servidores, sem perder de vista melhores condições de trabalho e o problema do assédio moral?

Tenho sempre muita proximidade com as entidades representativas dos segmentos, então, acompanhei de perto e participei de algumas assembleias para compreender a dinâmica. Fico muito satisfeita com as conquistas que foram alcançadas, sobretudo as mencionadas. O que faremos é montar um Grupo de Trabalho aqui na universidade para acompanhar diretamente os resultados dessa mesa, de tal maneira que, quando o acordo for assinado, já tenhamos maturidade administrativa interna para implementar de forma bastante imediata essas conquistas. Assim, na medida em que os acordos forem sendo assinados, já iremos incorporá-los.

Claro que alguns desses acordos são de mais fácil implementação. Por exemplo, a jornada de 30 horas: o que precisamos é tomar providências internas para assegurar o funcionamento da universidade em três turnos com essas novas jornadas. Hoje, isso não é tão difícil, porque grande parte dos nossos técnicos já tem a jornada flexibilizada. Então, é apenas uma questão de adequação. Outras também são facilmente implementáveis, como o reconhecimento dos saberes e competências. Desde que acompanhemos como será feita a discussão com o governo federal, conseguiremos adaptar e implementar nossos sistemas para facilitar essa progressão dos técnicos nesse campo.

Ainda nesse campo, e já acrescentando em relação às outras perguntas sobre a valorização dos técnicos, pretendemos ampliar as vagas de mestrado e doutorado em outras áreas, porque hoje temos áreas limitadas de oferta. Queremos também ampliar a participação dos técnicos na gestão. Esse é um compromisso de campanha. Já identificamos várias áreas em que há muitos técnicos qualificados, que têm uma tradição no setor, que conhecem a rotina e que são muito capacitados para assumirem a gestão. Queremos fortalecer a participação dos técnicos em projetos, inclusive como coordenadores. Esses técnicos qualificados têm esse potencial, e queremos implementar também uma política de valorização das pessoas no sentido de reconhecer os trabalhos que têm sido desenvolvidos em mestrado, doutorado, especialização, como políticas internas da universidade, e as publicações dos técnicos. Precisamos incentivar cada vez mais esses técnicos que estão se formando a participarem da vida acadêmica.

A estruturação da carreira, que é a terceira conquista, é algo de que somos entusiastas, porque passamos por mudanças muito fortes na carreira, principalmente a extinção de cargos que são muito importantes para a universidade. Vou dar três exemplos: a extinção do cargo de secretário executivo para as instituições federais foi muito ruim, porque demandamos esse trabalho; os setores e a universidade precisam funcionar de forma organizada, e a função do secretariado executivo é muito importante.

Outra função que foi extinta é a de editor de publicações, algo que é crucial para as universidades, que é colocar em circulação o conhecimento que produzimos. Hoje, nossas editoras contam com um quadro muito pequeno de técnicos que já estavam na universidade, sem a possibilidade de abrir novos concursos, porque os cargos foram extintos, em sua maior parte cargos de revisor e designer. Temos uma dificuldade muito grande nesses setores. Um terceiro exemplo é o cargo de tradutor e intérprete de Libras. Imagine que temos uma lei de Libras que impõe às universidades a formação de professores, pelo menos nas licenciaturas, em língua de sinais para atender à educação básica. Hoje temos o ingresso da pessoa com deficiência na universidade regulamentado por lei, mas o cargo de tradutor e intérprete de Libras foi extinto. Como vamos cumprir os requisitos legais se não podemos contratar tradutores concursados internamente? Essa alta terceirização do serviço sempre prejudicou muito o funcionamento da universidade, e revisitar essa política é importante.

A reestruturação da carreira também envolve designar, no Decanato de Gestão de Pessoas, uma pessoa que tenha articulação política e conhecimento do setor e de políticas de gestão de pessoas, a tal ponto que ela possa atuar e influenciar as decisões do nosso fórum de gestão de pessoas, ligado à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), e assim contribuir com as discussões que estão sendo feitas junto ao governo federal. Essa é uma atuação política que passa por esse âmbito, mas também pela atuação da própria Reitoria junto ao poder executivo.

O assédio tem sido o tema mais recorrente em todas as reuniões que temos feito durante a campanha e na pré-campanha também. A instituição passa por um momento em que nossa avaliação indica que a pressão vem de cima, ou seja, da Reitoria, e são vários os fatores envolvidos. Primeiro, a grande evasão de técnicos, o que sobrecarrega os técnicos de um setor pela falta de força de trabalho, e, com isso, a pressão acaba resultando em situações assimétricas que culminam no assédio moral. Muitas vezes ocorre também o assédio institucional, ou seja, a própria instituição produz ações que inviabilizam, desconsideram e desvalorizam as pessoas e as atividades que elas desenvolvem.

Observamos tudo isso de forma muito cuidadosa e cautelosa. Nas nossas gestões aqui na Universidade de Brasília, eu fui diretora do Instituto de Letras e decana de Administração. Em todos os setores, sempre desenvolvemos uma relação muito horizontal com as equipes, e entendemos que isso passa por uma mudança de cultura. Precisamos compreender que todos os segmentos que compõem a Universidade de Brasília formam uma grande comunidade educativa.

Nesse sentido, o trabalho dos técnicos é tão importante quanto o dos docentes, ainda que sejam os docentes que estejam na ponta, desenvolvendo as atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão. Esse respeito e valorização do trabalho dos técnico- administrativos é crucial para que possamos implementar uma mudança de cultura e criar menos assimetrias no nosso trabalho.

Outro ponto é alterar o fluxo de denúncia e apuração de assédio que está em vigor hoje. Atualmente, a pessoa que sofre assédio, ou quem toma conhecimento de uma situação de assédio, informa a Ouvidoria ou a Secretaria de Direitos Humanos. Esses órgãos retornam o processo para a unidade acadêmica ou administrativa onde o assédio ocorreu, ou seja, muitas vezes é o assediador que responde à denúncia ou que trata dessa denúncia, o que é completamente inviável, pois isso pode produzir revitimização, ao colocar novamente a vítima em contato com o assediador. Esse fluxo precisa ser alterado. Precisamos criar instâncias específicas na Ouvidoria e na Secretaria de Direitos Humanos, com capacitação para tratar essas denúncias, sem retorná-las à unidade onde o assédio ocorreu.

Por fim, mas talvez o mais importante, precisamos constituir grupos especializados no acolhimento às vítimas. Portanto, são três perspectivas: a do acolhimento à vítima; a educacional, que envolve uma mudança de cultura institucional para melhorar o clima organizacional e minimizar situações que dão origem ao assédio; e a reorganização do fluxo de denúncias e apuração dos fatos, com implicações e consequências para o assediador, quando houver comprovação dos fatos.

Por isso, a equipe de apuração tem que ser muito especializada, não pode ser tratada como um processo administrativo qualquer, o que hoje não ocorre. Temos relatado nos debates que, de um volume de 210 denúncias nos últimos 10 anos, apenas seis casos tiveram andamento, e só um resultou em punição. Precisamos realmente mudar esses indicadores, porque a falta de encaminhamento e de punição também perpetua o comportamento. Se não há perspectiva de que o processo tenha consequência, o comportamento se mantém.


Rozana Naves é candidata à Reitora pela Chapa 93: Imagine UnB: Participar e Transformar / Foto: Maurício Carlos

*A entrevista com Rozana Reigota Naves foi realizada no dia 14 de agosto, conforme agenda disponível da candidata.

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Edição: Márcia Silva