De 1985 a 2019, o Brasil registrou 50 massacres no campo. A análise aprofundada desses casos revela um sistema de justiça que falha em proteger povos indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores rurais, perpetuando a impunidade e a injustiça.
É o que aponta a pesquisa “Massacres no Campo”, lançada pelo Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), nesta quinta-feira (22), em Brasília.
“O lançamento dessa pesquisa é muito importante, especialmente para que chegue às pessoas que são atingidas por esses massacres, para que elas consigam reivindicar perante a justiça que esses casos sejam melhor apurados, e gerem o resultado esperado, mas principalmente que as pessoas envolvidas sejam responsabilizadas”, afirmou ao Brasil de Fato DF Halyme Antunes, integrante do IPDMS.
Para entender melhor as dinâmicas de como os massacres são julgados pelo Judiciário brasileiro, os pesquisadores aprofundaram a análise de seis dos 50 casos: os massacres de Viseu-Ourém (1985), Fazenda Ubá (1985), Corumbiara (1995), Eldorado dos Carajás (1996), Felisburgo 2004 e Pau D’Arco 2019.
Em um balanço inicial dos casos, a pesquisa reconheceu que 46% dos massacres no campo ocorreram entre os anos 1985 e 1988. O dado sugere um acirramento dos conflitos agrários e da violência no campo nos anos iniciais da transição democrática, o que, segundo o relatório, foi um “reflexo da reação organizada de proprietários à revitalização dos movimentos de ocupação de terra e do anúncio da Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA)”.
O arco do desmatamento é o arco do massacre
82% dos massacres analisados aconteceram na Amazônia Legal, mais especificamente na região denominada “Arco do Desmatamento”, o que demonstra uma interconexão entre a violência extrema que abate, ao mesmo tempo, trabalhadores rurais, comunidades tradicionais e a sociobiodiversidade brasileira.
“O arco do desmatamento é o arco dos massacres”, definiu Diego Dhiel, também do IPDMS. “Isso tem a ver com a expansão do capital e das fronteiras agrícolas, políticas de colonização da ditadura”, explica o pesquisador. “É o latifúndio avançando sobre a posse de camponeses e usando o massacre, muitas vezes, para dar ‘um recado pedagógico’”.
O estado do Pará é o principal epicentro da violência, com 29 casos. Em segundo lugar vem Rondônia, com sete. Três dos seis massacres estudados com profundidade na pesquisa aconteceram no Sul e Sudeste do Pará.
Os pesquisadores também constataram que os territórios afetados estão envolvidos em disputas relacionadas à propriedade da terra e consequente insegurança jurídica. “São casos, em grande parte, em que houve grilagem ou tentativa de grilagem de terras. Então, uma forma de promover a paz no campo é a regularização fundiária”, destaca Diego.
Impunidade do Estado e falhas nos processos
A pesquisa também revela falhas do Estado na responsabilização de mandantes e executores dos massacres no campo. O relatório identifica sete características da atuação do Sistema de Justiça Criminal brasileiro para a apuração de responsabilidades nos casos estudados: parcialidade, seletividade, corporativismo, ritualismo, morosidade, precariedade e desconsideração às vítimas.
No massacre de Pau d’Arco, por exemplo, a pesquisa aponta que a entrada da Polícia Federal alterou completamente a qualidade da apuração do caso. No entanto, a maioria das ocorrências não são federalizadas, e a Polícia Civil ou Militar – que em alguns casos também está envolvida nos atos de violência – são responsáveis por apurar o ocorrido.
“Enquanto Brasil não preparar seu sistema de Justiça e suas autoridades para uma ágil produção de provas, o que a gente vai ter são inquéritos e processos baseados em provas frágeis, produção de nulidades, o que acaba favorecendo os responsáveis pelos massacres, sejam os mandantes ou os executores”, avalia Diego Dhiel.
O pesquisador destaca que, nesse tipo de crime, boa parte das provas precisam ser produzidas nas primeiras horas após a violência.
“Não produzimos um documento para ficar guardado nas bibliotecas das universidades. Ele está sendo devolvido para as comunidades para ser um instrumento de luta”, afirmou Euzamara de Carvalho, do IPDMS, em relação a pesquisa.
Seminário Povos e Comunidades contra a Violência no Campo
A pesquisa “Massacres no Campo” foi lançada durante o Seminário dos Povos e Comunidades contra a Violência no Campo, na manhã desta quinta-feira (22), no Centro Cultural de Brasília (CCB).
A intenção do evento foi alertar para a grave situação de insegurança que assola comunidades e territórios do país, denunciar o alto índice de violência contra os povos e exigir ações efetivas do Estado.
Lideranças dos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, camponeses, comunidades ribeirinhas, vazanteiros, quebradeiras de coco babaçu e outras representações estão reunidas para debater e denunciar as diversas formas de violência.
A quebradeira de coco Rosa Costa fala do desafio que é enfrentar a devastação ambiental e o envenenamento dos babaçuais em todos os territórios dos povos no estado do Maranhão.
“O que tem crescido é nossa organização para que possamos enfrentar esse tipo de violência”, diz Rosa.
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Edição: Flávia Quirino