Distrito Federal

Combate à tortura

Relatório denuncia violações em institutos de Saúde Mental no DF e Entorno

Lançamento do documento acontece nesta quarta (28) na Câmara dos Deputados

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Documento aponta que situação de acolhidos em centros terapêuticos são 'sub-humanas' - Foto: Reprodução/ Comunicação Sindesv-DF

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) emitiu um relatório de avaliação de casas de internação acusadas de tratamento manicomial. O relatório foi divulgado nesta segunda-feira (26/8) e será apresentado em audiência pública na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (28/8), às 9h30. 

A equipe composta por técnicos das áreas de psicologia e saúde estiveram na instituição Salve a Si (Instituto Eu Sou) de Cidade Ocidental (GO) e no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo no Taguatinga (DF). O Relatório de Inspeções no DF e entorno verifica que a situação dos acolhidos nesses centros terapêuticos encontravam-se em condições de sub-humanas.

Jornadas de trabalho extenuantes de mais de dez horas, administração de medicamentos sem supervisão médica, privação de liberdade e uso de técnicas de imobilização violentas como o "mata-leão". O documento enfatiza que "um dia de trabalho na cozinha pode significar até 14 horas de atividade contínua".

Quanto ao uso do trabalho de pessoas acolhidas – denominado laborterapia –, o relatório destaca que esse “encobre práticas de trabalho forçado e em condições degradantes – práticas que trazem fortes indícios de crime análogo à escravidão”, e “busca, ainda, substituir a contratação de profissionais pelo uso de mão de obra dos internos – sem remuneração ou qualquer garantia trabalhista”.

De acordo com a representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Carolina Lemos, o tratamento empregado em comunidades terapêuticas, como Salve a Si, e manicômios, como o HSPV, é preconceituoso e “faz um recorte de classe, raça e gênero, com a maioria das internações sendo de pessoas pobres, negras e mulheres”. 

Carolina Lemos avalia também que “nos últimos anos, a reforma psiquiátrica brasileira tem sofrido com diversos ataques e retrocessos e com o corte de recursos da rede de atenção psicossocial".

:: A 'Salve a Si' não se salvou! ::

O  professor Pedro Costa, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo Saúde Mental e Militância no DF, avalia que as chamadas Comunidades Terapêuticas atuam como uma mistura de manicômios, prisões, igrejas e senzalas. "Isso porque um dos pilares constitutivos dessas comunidades, ditas terapêuticas — que na verdade não são nem comunidades e nem terapêuticas —, é a tal da laborterapia. No entanto, por trás dessa roupagem, desse rótulo de labor terapia, o que temos de fato, concretamente, é trabalho não pago, regime de servidão, trabalho escravo, sobretudo de pessoas negras e pobres”, destaca.

Programação da semana

Nesta semana, uma série de eventos significativos está programada, destacando importantes discussões e celebrações na área da psicologia e saúde mental.

As atividades iniciam em 27 de agosto com uma Sessão Solene em homenagem ao Dia do Psicólogo às 11h no Plenário Ulysses Guimarães da Câmara dos Deputados, seguida por uma Aula Pública sobre Manicômios Judiciários às 14h na Faculdade de Ceilândia (FCE/UnB).

No dia seguinte, 28 de agosto, ocorrerá o lançamento do Relatório de Inspeção em Comunidades Terapêuticas às 09h30 no Auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados.

As atividades continuam em 30 de agosto com um Seminário sobre Práticas de Redução de Danos às 09h no Auditório da CLDF e concluem com uma Roda de Conversa em celebração à semana da Psicologia às 19h no Auditório do CRP 01/DF.

Esses eventos representam oportunidades valiosas para profissionais, estudantes e interessados se engajarem em temas cruciais da psicologia e da saúde mental contemporânea.


Programação da semana 25-28 de agosto / Foto: Saúde Mental & Militância/divulgação

Caso do Instituto Salve a Si

Na Comunidade Terapêutica (CT) Salve a Si foram observados diversos indícios de irregularidades e violações de direitos, fatores considerados criminosos. Dentre os pontos problemáticos, há o descumprimento da lei sobre elaboração dos Planos Individuais de Atendimento e acolhimento em regime de internação.

A publicação do MNPCT também lista a “indícios da prática do crime de cárcere privado, com restrição de contato externo e de acesso a meios de comunicação e do direito de ir e vir; apropriação de bens e recursos de pessoas acolhidas pela instituição; coação psicológica de acolhidos para induzir sua permanência e adesão ao programa da CT”.

Há também relatos de descontrole na aplicação de remédios, “estocagem de medicamentos sem receita médica; administração de medicações psicotrópicas e outras medicações controladas por profissionais não habilitados e sem prescrição médica”.

Foram feitas 21 recomendações às autoridades para a garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade na CT e apuração e responsabilização dos ilícitos, assim como medidas necessárias para determinar o imediato fechamento da instituição.

Esta não é a primeira vez que a organização Salve a Si enfrenta acusações. Em julho de 2024, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) optou por manter a suspensão dos investimentos públicos na entidade. Já em agosto de 2023, os repasses haviam sido interrompidos inicialmente, com uma subsequente inspeção in loco realizada pelo corpo técnico da corte.

Em dezembro, as questões foram levadas ao Conselho Nacional de Direitos Humanos devido a violações dos princípios éticos básicos na terapia para dependentes químicos e a deterioração do serviço de reabilitação. O CNDH, por sua vez, abriu um processo administrativo para investigar as irregularidades no uso desses recursos e estabeleceu um procedimento de monitoramento sobre o caso.

Ex-membros da organização também denunciaram que uma residência, originalmente destinada a abrigar pessoas em tratamento e construída com o trabalho dos acolhidos, estava sendo usada como moradia particular do presidente da OSC. Eles relataram ainda que os fundos públicos eram desviados para cobrir despesas pessoais dele. O uso indevido da mão de obra dos egressos para funções não estipuladas em contrato também foi constatado pelas autoridades.


De acordo com profissionais da psicologia, "comunidades terapêuticas são uma mistura de prisões, igrejas e senzalas" e aplicam tratamento manicomial / Foto: Agência Brasília

Um manicômio público ilegal

Em relação ao Hospital São Vicente de Paulo, o relatório denuncia a violação de diversos pontos da Lei da Reforma Psiquiátrica. Segundo o MNPCT, o HSVP se caracteriza como uma instituição asilar. O Mecanismo fez recomendações para o fechamento da unidade, que deveria ser radicalmente substituída pela ampliação dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial no DF.

Dentre as violações, destacam-se “a não elaboração de projetos terapêuticos singulares, o uso abusivo de contenções mecânicas como prática disciplinar, o impedimento de acesso a meios de informação e comunicação, internações prolongadas e a cronificação de usuários”.

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Foram feitas “16 recomendações às autoridades para o fechamento definitivo do Hospital por meio ações planejadas em articulação com os serviços da rede de saúde e assistência social do território e em diálogo com os trabalhadores e usuários da RAPS e com a sociedade civil organizada atuante na pauta antimanicomial”.

Segundo Pedro Costa, o “São Vicente de Paulo é algo inadmissível. Temos um manicômio público ilegal no Distrito Federal, de acordo com a Lei 975 de 1995, que estipula que o GDF tinha quatro anos para desativar o estabelecimento, para que todos os leitos psiquiátricos sejam em hospitais gerais, não em manicômios ou hospitais psiquiátricos. A partir desse movimento, houve uma série de avanços, mas nos últimos anos teve muitos retrocessos”.

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Edição: Flávia Quirino