avançamos no reconhecimento da luta e das reivindicações de lésbicas e sapatões nos movimentos LGBT+
A história do movimento social de lésbicas tem a invisibilização, a misoginia e a lesbofobia como pano de fundo. Antes mesmo do movimento LGBT+ ter essa sigla (e as várias outras utilizadas hoje em dia) as lésbicas perceberam que a maioria gay, branca, cis e de classe média não estaria disposta a ceder o protagonismo a mulheres.
E no movimento feminista, não encontraram cenário muito melhor: as mulheres cis e heterossexuais não queriam ter sua imagem associada às lésbicas (o que os outros iriam pensar delas?) e as pautas que defendiam eram somente relacionadas à sua própria realidade. Se as feministas heterossexuais afirmavam que não queriam se submeter ao machismo, as lésbicas diziam que mulheres nem mesmo precisam sentir desejo por homens para serem mulheres.
Aí já era demais…
As lésbicas precisaram, assim, se organizar separadamente, o que fomentou uma invisibilidade, apartadas que estavam do feminismo e do movimento hegemonizado pelos gays. E nem por isso deixaram de ser vanguarda na luta contra a opressão à comunidade LGBT e as mulheres no geral. Lembremo-nos que foi uma “fancha”, uma sapatão, uma das principais figuras a iniciarem a Revolta de Stonewall, em 1969, conhecida como o momento precursor do movimento social LGBT+ em todo o mundo. Stormé Delarverie era seu nome, uma pessoa negra, do sul dos EUA, a impulsionar a Revolta junto com as travestis, também racializadas, Marsha P. Johnson e Silvia Rivera.
No Brasil, as lésbicas protagonizaram um momento semelhante, em 1983. O palco foi o Ferro’s Bar, um local que era ocupado pela militância comunista, mas tendo que ser abandonado por esse público após o golpe civil-militar, passou a ser aos poucos ocupado por pessoas LGBT. As lésbicas o tornaram uma referência para si. Ali, poderiam ser quem eram, sem vergonha dos olhares alheios, e se sentir em comunidade. Era um local de lazer, um ponto de encontro. E também ali, um grupo militante, o GALF (Grupo de Ação Lésbica Feminista) aproveitava a concentração de lésbicas para distribuir seu boletim, o Chanacomchana, propagandeando a valorização da cultura lésbica, o orgulho de ser quem se é e a necessidade de ser organizar politicamente contra a violência.
Vale lembrar que o Ferro’s era palco de batidas policiais de caráter higienista e odioso. Na época, o delegado Richetti assumiu para si a tarefa de “limpar” São Paulo, expurgando as LGBT+ da cidade. Além disso, os donos do Ferro’s exerciam seu próprio moralismo: beijar não podia! E o que se dirá, então, da distribuição de um panfleto chamado Chanacomchana. Quando proibidas de distribuir o material dentro do bar sustentado pelas próprias lésbicas, as militantes do GALF se revoltaram. Articulando-se com a vereadora feminista Irede Cardoso e contando com o apoio do vereador Eduardo Suplicy, o GALF invadiu o Ferro’s e arrancou de seus donos hipócritas um pedido de desculpas. A data da revolta, 19 de agosto, se tornou o Dia Nacional do Orgulho Lésbico.
Anos depois, em 29 de agosto de 1996, a partir de uma articulação nacional do movimento lésbico, ocorre o primeiro SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas) no Rio de Janeiro. A data do evento inaugura, então, o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, mais um dia de luta lésbica que marca o mês de agosto. O SENALE, hoje chamado SENALESBI, se tornou um evento de organização política e discussões político-pedagógicas, que reconheceu também a importante interlocução e construção de espaços conjuntos entre lésbicas e mulheres bissexuais, inclusive aquelas de identidade transgênero - porque sim, travestis e mulheres trans também possuem orientação sexual e podem ser lésbicas, bissexuais…Tudo o que pessoas cis podem ser!
Hoje, pode-se dizer que avançamos no reconhecimento da luta e das reivindicações de lésbicas e sapatões nos movimentos LGBT+ e feminista. E ainda assim, estamos muito aquém do necessário para superar a misoginia entre a comunidade LGBT+.
Já entre o feminismo, ainda há que se superar a concepção de um sujeito feminista universal, que desconsidera as diversas orientações sexuais, identidades de gênero, racialidades e demais marcadores sociais dos sujeitos que sempre contribuíram na luta contra o machismo e outras expressões da violência patriarcal.
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*Lucci Laporta é assistente social, militante transfeminista e dirigente do coletivo Juntas e do PSOL-DF.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Márcia Silva