Distrito Federal

Fumaça

Céu de tormenta

"Há tempos, falar de preservação e política ambiental deixou de ser uma questão setorista"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"Os gestores têm procurado formas de mitigar os problemas, mas é preciso melhorar os mecanismos de prevenção." - Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

No último domingo, os brasilienses acordaram sob um firmamento incomum, reflexo das queimadas que tomaram conta do país de norte a sul e despertaram uma triste e recente memória: o Dia do Fogo.

Naquele assombroso agosto de 2019, sob a leniência do governo Bolsonaro, agentes inescrupulosos do agronegócio se sentiram encorajados a afrontar deliberadamente a legislação ambiental e o senso de civilidade — que prega a preservação dos recursos naturais em benefício do bem comum — e promoveram incêndios criminosos como forma de apoiar o desmonte da política ambiental que estava em progresso. O efeito, obviamente, foi o contrário: ao invés de apoio, conseguiram apenas chamar a atenção nacional e internacional para o descalabro que vivíamos.

Um negacionismo que beirava a loucura, mas não ficou restrito àquele ano, ou foi encerrado após as últimas eleições majoritárias. Não cessou nem mesmo após a enxurrada de denúncias e provas que vieram à tona tanto contra a família Bolsonaro desmascarando o verdadeiro plano vendilhão contra as nossas riquezas naturais, “a peso de joias”.

Tudo isso em um momento em que o mundo se volta para o debate ambiental com verdadeiro senso de urgência. Entretanto, os atuais casos de incêndios e as prisões, em São Paulo e Goiás, de suspeitos de promover o fogo intencionalmente, demonstram o quanto estamos longe de uma normalidade em que forças políticas opostas possam divergir sem descambar para a autoaniquilação, verdadeiro motor de ação da extrema direita, que prospera no caos.

Tanto que no próprio domingo, no fim do dia, já éramos assaltados com mensagens acusando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da autoria de incêndios em São Paulo. Seria cômico, se não fosse pérfido. Um legítimo movimento que luta por reforma agrária e um dos maiores produtores de alimentos do país sendo levianamente acusado. A reviravolta não tardou. Segundo reportagem da Agência de Jornalismo Investigativo, após uma inédita avaliação de dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a maioria absoluta desses focos em São Paulo aconteceu em áreas de plantação e pastagem. O próprio governador de São Paulo, agora bolsonarista não muito convicto, teve que admitir a suspeita de fogo criminoso. “Segundo o estudo, 81,29% deles estavam em áreas de uso agropecuário, como as ocupadas pela cana-de-açúcar e pela pastagem”.

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Na esfera federal, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou que a Polícia Federal investigará os incêndios que devastam o país nesta temporada. O anúncio foi feito após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Aqui, no DF, o governador Ibaneis Rocha determinou a criação de um grupo de trabalho que vai elaborar o plano de ação para “eventos críticos de qualidade do ar”.

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Os gestores têm procurado formas de mitigar os problemas, mas é preciso melhorar os mecanismos de prevenção. Há tempos, falar de preservação e política ambiental deixou de ser uma questão setorista e passou a ser um ponto de inflexão para a nossa sobrevivência. Tanto que bancos, instituições financeiras e os países mais ricos do mundo debatem em grandes fóruns as mudanças dos paradigmas ambientais, já considerando o cenário de urgência climática.

Embora seja tentador recorrer a vídeos apócrifos das redes sociais com colagens de imagens de suspeitos, é preciso que autoridades e políticos se posicionem com responsabilidade e não propaguem fake news.

O que temos de realidade é o Ministério da Saúde e outros órgãos governamentais emitindo alertas para minimizar os impactos da fumaça na saúde e orientações para que a população possa denunciar novos focos de incêndio, para que possamos superar esse momento tão crítico.

*Ricardo Vale é deputado distrital e vice-presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Márcia Silva