é possível semear um futuro mais justo e sustentável
O Cerrado, reconhecido como a savana mais rica em biodiversidade do mundo, está sob ameaça crescente. Dados recentes do MapBiomas, sobre mapas anuais de cobertura e uso da terra, revelam que, entre 1985 e 2023, o Cerrado perdeu 38 milhões de hectares de vegetação nativa, o que corresponde a uma redução de 27% da sua cobertura original. Isso significa que, nos últimos 39 anos, mais de um quarto da vegetação natural do bioma foi destruída, principalmente devido à expansão agrícola e pecuária. Essa perda tem impactos significativos na biodiversidade, no clima, na disponibilidade de água e nos serviços ecossistêmicos que o Cerrado oferece.
Embora seja preocupante pensar no risco iminente de extinção de cerca de 20% das espécies de fauna e flora do Cerrado até 2050, conforme apontam estudos e relatórios ambientais, o foco deste artigo não é o desmatamento do bioma. Esse é um tema que ainda será muito discutido por aqui, já que estamos inaugurando a participação da Rede de Sementes do Cerrado (RSC) neste espaço.
Neste 11 de setembro, Dia do Cerrado, em meio aos impactos severos do desmatamento, que nos impedem de comemorar, destacamos iniciativas que estão semeando resiliência e esperança para o futuro desse importante bioma brasileiro.
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No coração do Brasil, algo revolucionário floresce — e não estamos falando apenas de créditos de carbono ou de biodiversidade. As redes de coletores de sementes nativas têm transformado paisagens e empoderado comunidades locais, demonstrando que o conhecimento e o bem-estar dessas comunidades são tão (ou mais) importantes quanto a ciência acadêmica e as sementes para a restauração ecológica.
O recém-publicado artigo científico intitulado "Redes de coletores de sementes nativas no Brasil: Semeando inovações sociais para uma mudança transformadora", assinado por diversos autores, demonstra como essas redes, formadas por grupos de coletores espalhados por vários biomas brasileiros, não apenas fornecem as sementes necessárias para a restauração, mas também semeiam inovações sociais que promovem mudanças transformadoras.
O estudo revela que, entre 2018 e 2021, nove dessas redes produziram impressionantes 180 toneladas de sementes nativas, gerando uma receita de mais de 1 milhão de dólares para quase mil coletores, muitos dos quais pertencem a comunidades tradicionais e economicamente marginalizadas em nossa sociedade.
Segundo os autores do estudo, essas redes se destacam pela capacidade de unir comunidades locais, ONGs, governos e empresas em torno de um objetivo comum: restaurar áreas degradadas, ao mesmo tempo em que promovem inclusão social e desenvolvimento econômico. Por meio de inovações sociais — que abrangem desde novos modelos de governança até práticas sustentáveis de coleta e comercialização de sementes — essas redes não apenas restauram paisagens degradadas, mas também reforçam a identidade cultural e a autonomia das comunidades participantes.
Entre as redes mencionadas no estudo está a Rede de Sementes do Cerrado (RSC). Protagonizada por mulheres, a RSC é uma entidade sem fins lucrativos que, há 20 anos, se dedica às sementes nativas como veículo de transformação. No entorno da Chapada dos Veadeiros (GO), em parceria com a Associação de Coletores Cerrado de Pé (ACP), a RSC tem atuado de forma ativa na cadeia produtiva de sementes, focando na formação, no fortalecimento e na estruturação de grupos de coletores. Mais de 250 coletores foram capacitados em 25 comunidades distintas. Atualmente, cerca de 160 famílias estão envolvidas na coleta, uma atividade desempenhada principalmente por mulheres, que encontram na coleta de sementes uma importante fonte de renda.
Integrante do Redário de Redes de Sementes e da coordenação da Articulação pela Restauração do Cerrado (Araticum), a RSC vem expandindo suas atividades para os estados de Minas Gerais, Bahia, Tocantins e Distrito Federal. Por meio de projetos, capacitações e intercâmbios, a Rede tem fortalecido e estruturado grupos de coletores de sementes em todo o bioma, consolidando seu compromisso com a restauração do Cerrado.
Entre os grupos apoiados pela RSC está a cooperativa de coletores e restauradores do Alto Rio Pardo, em Minas Gerais, a COOCREARP. Citada como exemplo inspirador pelo estudo, essa cooperativa, formada por membros do povo Geraizeiro, encontrou na coleta de sementes uma maneira de restaurar seu território ancestral. Além de gerar renda, a atividade fortaleceu os laços sociais e a capacidade de gestão coletiva das comunidades envolvidas.
As redes de coletores de sementes são um exemplo vivo de como iniciativas locais, apoiadas por uma rede de parceiros, podem não apenas restaurar ecossistemas, mas também empoderar comunidades, gerando um impacto positivo que vai além das fronteiras ambientais.
À medida que enfrentamos desafios globais como as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, é inspirador ver que soluções eficazes e inclusivas estão surgindo a partir das próprias comunidades que vivem e dependem da terra. As Redes de Coletores de Sementes Nativas do Brasil estão mostrando ao mundo que é possível semear um futuro mais justo e sustentável.
*Aurelio Padovezi é Engenheiro Agrônomo, mestre em Recursos Florestais e doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de São Paulo. É também doutor em Política e Economia Florestal pela Universidade de Padova.
**Maria Antônia Perdigão é jornalista, mestre em Comunicação Social e consultora em comunicação socioambiental. Atualmente, atua como coordenadora de comunicação da Rede de Sementes do Cerrado (RSC).
***Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Flávia Quirino