A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída na Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, traz o amparo legal para a elaboração do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. Em seu artigo 4º, inciso V, a PNMC estabelece a necessidade de implementação de medidas para promover a adaptação à mudança do clima das três esferas da Federação.
O Distrito Federal (DF) estabeleceu em 2012 a Política de Mudança Climática, por meio da Lei n. 4.797, de 6 de março de 2012, cujo objetivo é assegurar uma contribuição para o cumprimento dos propósitos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e determina a criação do Plano de Mitigação e Plano de Adaptação. Atendendo estas premissas, um Plano de Adaptação Climática do DF foi realizado pelo Governo do Distrito Federal em 2021, sob o comando governador Ibaneis Rocha e do então secretário de Estado do Meio Ambiente, José Sarney Filho.
No documento da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e elaborado pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), justifica-se que em Brasília, assim como por todo o país, temos acompanhado recordes de temperatura, alteração do regime de chuvas e eventos climáticos extremos, como longas estiagens e tempestades que comprometem o funcionamento e a segurança da cidade.
Assim, no Plano em questão, são analisados alguns dos principais impactos climáticos relacionados à recursos hídricos e extremos de temperatura esperados para o DF e entorno.
O Plano analisou cenários de regionalização para o DF e entorno usando os dados de modelos climáticos globais e cenários de emissão de gases de efeito estufa do IPCC (da sigla em inglês Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
Entre os principais resultados encontrados, ressaltam-se as implicações dos impactos adversos para os recursos hídricos, tais como: menos chuva durante as quatro estações do ano, aumento de dias de estiagem com menor disponibilidade de água para os reservatórios e menor disponibilidade de energia hidroelétrica, e aumento de chuvas fortes com impactos na mobilidade, entre outros. Foram considerados de maior importância para o DF, enchentes, nos principais pontos de inundação e secas para análise dos reservatórios de abastecimento de água. Temas como agricultura, energia, mobilidade e saúde ficaram de fora da análise com a justificativa de “demandar estudos mais específicos”. Mas há pelo menos diretrizes de adaptação para cada setor.
O documento apresenta dados referentes à cobertura vegetal do DF; vazão histórica dos principais cursos d´água e rios que possuem monitoramento continuado; mudanças na temperatura anual e distribuição de chuvas.
Áreas de risco e projeção de futuro
Segundo apresentado no texto, existem no Distrito Federal 36 áreas de risco distribuídas por 18 regiões administrativas, sendo estas: Ceilândia, Estrutural, Fercal, Itapoã, Núcleo Bandeirante, Paranoá, Planaltina, Recanto das Emas, Riacho Fundo, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Setor de Indústria e Abastecimento, Sobradinho II, Taguatinga, Varjão e Vicente Pires.
Conforme dados de 2015 da Defesa Civil apresentados no documento, existem 4.733 residências em áreas de risco no DF. A Defesa Civil calcula uma média de quatro pessoas por unidade habitacional, o que resulta em aproximadamente 19 mil moradores em risco, ou cerca de 0,6% do DF.
Adicionalmente, o Plano apresenta os impactos adversos projetados para o ano de 2030 em relação a previsão do consumo de água com dados alarmantes.
Considerando os reservatórios do Descoberto, de Santa Maria e Paranoá, a utilização máxima da capacidade dos reservatórios seria suficiente para cobrir apenas 72% do consumo total projetado para 2030. O que é gravíssimo.
Ainda, estão dispostos mapas de trechos com risco de inundação, sobreposição com o uso de solo, poços de captação de água e irrigação, e a análise de um novo reservatório para o DF no Rio Bartolomeu para solucionar a previsão de crise hídrica grave. Por fim, avaliaram a possibilidade de um plano de construção de captação no lago da hidrelétrica de Corumbá IV no Goiás, mas apresentam a justificativa de ser inviável por serem muitos km de distância para atender o DF.
Em relação às propostas para a redução da vulnerabilidade e a ampliação da resiliência dos locais identificados como de risco, o documento sugere operacionalizar um sistema de alertas precoces a partir de um modelo de monitoramento das ocorrências de eventos climáticos extremos com um diagnóstico detalhado da população. Também é proposto o estabelecimento de sete pilotos de captação e armazenamento de águas nas áreas prioritárias para o caso de inundação, inspirados no modelo utilizado em Barcelona do Parque Güell, projetado pelo arquiteto Antoni Gaudí.
Plano não é executado
O Plano de Adaptação Climática do Distrito Federal é um instrumento fundamental para a elaboração e execução de políticas públicas de enfrentamento às mudanças climáticas no DF.
É estarrecedor que frente à crise socioambiental de grandíssimas proporções que o DF enfrenta o Governador tenha engavetado este documento e que não exista, desde 2021, a execução de ações baseadas nas informações alarmantes que ele apresenta.
Outro fator que o Plano de Adaptação Climática escancara é o racismo ambiental presente no Distrito Federal por explicitar que são as áreas periféricas as que estão em risco e que mais precisam de atenção nas políticas públicas climáticas do DF.
Entretanto, observa-se que o documento é falho e que foi realizado sem consulta pública, com dados já defasados que desconsidera informações fundamentais como a existência de territórios indígenas no DF, por exemplo. Vale ressaltar também que o Plano apenas trabalha com inundações e seca, sem considerar incêndios e demais riscos climáticos com profundidade.
No mais, o documento peca muito na perspectiva de apresentar soluções para adaptação no DF e entorno.
Não é citado em nenhum momento medidas importantes de adaptação e estratégia climática como, por exemplo, as alterações necessárias nos sistemas de transportes; melhorias na infraestrutura urbana; disseminação de informações estratégicas; melhoria de cobertura vegetal nas periferias e construção de corredores verdes; investimento em energia limpa e no uso eficiente da energia; investimento no manejo de resíduos sólidos e efluentes; apoio à produção rural agroecológica; fortalecimento de brigadas contra incêndio; estabelecimento de sistemas públicos de reutilização de água; promoção da agricultura urbana, entre outros.
É necessário que o Plano de Adaptação Climática do DF seja atualizado e é urgente que seja também executado. Mas isso, precisa ser feito, a partir de um processo popular e participativo nos territórios para a realização de ações de adaptação tão necessárias no DF e entorno frente à emergência climática.
*Letícia Camargo é gestora ambiental, foi Assessora Técnica de Políticas Socioambientais no Congresso Nacional e atua como advocacy socioambiental do Painel Mar.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Márcia Silva